Por Luis Nassif, no Jornal GGN:
1- Nunca confiar na palavra do delegado. A informação é ponto de partida. A delegada Erika é responsável pelo suicídio de uma pessoa meramente porque pretendeu turbinar uma operação corriqueira, de suspeita de desvio de recursos.
2- Não se fiar nas conclusões do despacho do juiz, se não vier acompanhado de elementos de provas. O despacho que autorizou os abusos na UFMG não foi questionado em nenhum ponto pela mídia, mesmo quando apresenta como prova da organização criminosa a concessão de bolsas.
Paula Cesarino Costa é uma ombudsman à altura dos melhores que a precederam, como Marcelo Beraba e Mário Magalhães.
Sua crítica de hoje ao espaço dado às operações policiais contra Universidades, permite levantar uma característica não muito nova, mas que se estratificou nos últimos anos: a incapacidade dos jornais de se renovarem. Nos programas de qualidade existe o método PDCA, ou Planejar, Fazer, Checar e Agir. Trata-se do bê-a-bá da qualidade.
Os jornais, que tratam a questões da eficiência, da qualidade como palavras mágicas, são incapazes de reavaliar procedimentos básicos. No caso, como se comportar ante uma denúncia da polícia.
Desde o caso Escola Base já se sabia do risco de se fiar na palavra de um delegado - ou de um procurador, ou de um juiz, ou de um repórter quando acha que conseguiu o grande furo.
Nos últimos anos, com a disseminação das forças tarefas, da operação-espetáculo, a submissão à versão do policial se tornou uma epidemia.
Explica o editor de “Cotidiano: “a cobertura segue o mesmo critério jornalístico de outras ações policiais e não há adesão à qualquer campanha. Publicamos o fato, as alegações da corporação e os outros lados dos citados.
Evidente que há um conjunto de falhas na cobertura.
Fossem empresas do setor moderno da economia, os jornais procederiam ao PCDA desse processo de cobertura de operações policiais.
A incapacidade de relativizar denúncias
É ampla a incapacidade da imprensa de relativizar episódios. É só conferir o discurso dos jornalistas econômicos da Globo sobre o fim de recessão, com a economia no fundo do poço. A economia estava em 10. Caiu para 2 e subiu para 2,1. Todos os comentários salientam a recuperação, sem qualificá-la: a intensidade, a comparação do PIB com o de pré-crise etc.
É como se uma recuperação de 4% tivesse o mesmo significado de outra de 0,1%.
No campo penal, é pior. Todos os crimes são tratados da mesma maneira, seja um desvio de verba, uma irregularidade administrativa ou a alta corrupção. Essa ignorância da mídia acaba se espraiando por toda a sociedade, ajudando a consolidar o espírito de linchamento cada vez mais presente.
A apuração da denúncia
Segundo o editor, o repórter publica a denúncia e ouve o outro lado . A polícia falará genericamente em desvios. Para valorizar a manchete incluirá o valor total do empreendimento como se fosse desvio. E só. Não há um detalhe sobre a natureza do objeto investigado.
Principalmente porque nesses tempos bicudos de abusos policiais, as vítimas sequer sabem do que estão acusadas.
No caso da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) só depois do suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier apareceram as informações de que não havia nenhuma espécie de envolvimento dele com os fatos denunciados. A ficha do delator apareceu apenas nas reportagens dos Jornalistas LIvres, não dos jornalões. E os abusos da delegada Erika Marega apareceram apenas nos sites e blogs independentes. Mesmo tendo torrado dinheiro público para transportar 120 policiais para deter 8 pacatos professores universitários.
No caso da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), tome-se a sentença da juíza Raquel Vasconcelos Alves Lima, que articulou com a Polícia Federal a invasão. A sentença vazou apesar do processo ser considerado sigiloso. Lá se fala em organização criminosa e apresenta como um dos crimes a distribuição de bolsas. Diz que o crime é suficientemente grave para justificar a condução coercitiva. E a mídia aceitou normalmente, porque no pé da matéria, escondido, havia algum outro lado negando sabe-se lá o que.
Ora, um mínimo de discernimento mostraria o ridículo dessa armação, de uma perigosíssima quadrilha que desviava dinheiro para bolsas de estudo.
Em nenhum momento, os jornalistas procuraram entender a natureza do trabalho denunciado. Nem se preocuparam em checar o ridículo da acusação com a juíza ou os delegados.
Pior. Havia a informação de que o Ministério Público Federal (MPF) de Minas Gerais considerou abusivas as ordens de condução coercitiva. Mas não se procurou um procurador para apresentar suas razões.
Coube a portais alternativos - como o GGN - apurar a armação da juíza com os delegados, visando impedir os procuradores de segurar a condução coercitiva.
Um Manual de Bom Jornalismo
O que se tem claramente - do mesmo modo que nos episódios da Escola Base e Bar Bodega - são repórteres policiais comendo nas mãos de policiais repórteres, juízes delegados, e procuradores juízes.
Se se quiser praticar um mínimo de jornalismo, há que se seguir um conjunto de princípios da boa técnica:
Toda declaração de delegado é, em princípio, suspeita. O delegado é um vendedor do seu trabalho, assim como o repórter pretendendo emplacar a manchete.
O último veio descoberto pelas milícias de Estado é a criminalização de procedimentos administrativos nas Universidades. Se se quiser impedir o transbordamento do arbítrio e praticar um jornalismo minimamente decente, os jornais deveriam orientar seus repórteres na seguinte direção.
Sua crítica de hoje ao espaço dado às operações policiais contra Universidades, permite levantar uma característica não muito nova, mas que se estratificou nos últimos anos: a incapacidade dos jornais de se renovarem. Nos programas de qualidade existe o método PDCA, ou Planejar, Fazer, Checar e Agir. Trata-se do bê-a-bá da qualidade.
Os jornais, que tratam a questões da eficiência, da qualidade como palavras mágicas, são incapazes de reavaliar procedimentos básicos. No caso, como se comportar ante uma denúncia da polícia.
Desde o caso Escola Base já se sabia do risco de se fiar na palavra de um delegado - ou de um procurador, ou de um juiz, ou de um repórter quando acha que conseguiu o grande furo.
Nos últimos anos, com a disseminação das forças tarefas, da operação-espetáculo, a submissão à versão do policial se tornou uma epidemia.
Explica o editor de “Cotidiano: “a cobertura segue o mesmo critério jornalístico de outras ações policiais e não há adesão à qualquer campanha. Publicamos o fato, as alegações da corporação e os outros lados dos citados.
Evidente que há um conjunto de falhas na cobertura.
Fossem empresas do setor moderno da economia, os jornais procederiam ao PCDA desse processo de cobertura de operações policiais.
A incapacidade de relativizar denúncias
É ampla a incapacidade da imprensa de relativizar episódios. É só conferir o discurso dos jornalistas econômicos da Globo sobre o fim de recessão, com a economia no fundo do poço. A economia estava em 10. Caiu para 2 e subiu para 2,1. Todos os comentários salientam a recuperação, sem qualificá-la: a intensidade, a comparação do PIB com o de pré-crise etc.
É como se uma recuperação de 4% tivesse o mesmo significado de outra de 0,1%.
No campo penal, é pior. Todos os crimes são tratados da mesma maneira, seja um desvio de verba, uma irregularidade administrativa ou a alta corrupção. Essa ignorância da mídia acaba se espraiando por toda a sociedade, ajudando a consolidar o espírito de linchamento cada vez mais presente.
A apuração da denúncia
Segundo o editor, o repórter publica a denúncia e ouve o outro lado . A polícia falará genericamente em desvios. Para valorizar a manchete incluirá o valor total do empreendimento como se fosse desvio. E só. Não há um detalhe sobre a natureza do objeto investigado.
Principalmente porque nesses tempos bicudos de abusos policiais, as vítimas sequer sabem do que estão acusadas.
No caso da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) só depois do suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier apareceram as informações de que não havia nenhuma espécie de envolvimento dele com os fatos denunciados. A ficha do delator apareceu apenas nas reportagens dos Jornalistas LIvres, não dos jornalões. E os abusos da delegada Erika Marega apareceram apenas nos sites e blogs independentes. Mesmo tendo torrado dinheiro público para transportar 120 policiais para deter 8 pacatos professores universitários.
No caso da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), tome-se a sentença da juíza Raquel Vasconcelos Alves Lima, que articulou com a Polícia Federal a invasão. A sentença vazou apesar do processo ser considerado sigiloso. Lá se fala em organização criminosa e apresenta como um dos crimes a distribuição de bolsas. Diz que o crime é suficientemente grave para justificar a condução coercitiva. E a mídia aceitou normalmente, porque no pé da matéria, escondido, havia algum outro lado negando sabe-se lá o que.
Ora, um mínimo de discernimento mostraria o ridículo dessa armação, de uma perigosíssima quadrilha que desviava dinheiro para bolsas de estudo.
Em nenhum momento, os jornalistas procuraram entender a natureza do trabalho denunciado. Nem se preocuparam em checar o ridículo da acusação com a juíza ou os delegados.
Pior. Havia a informação de que o Ministério Público Federal (MPF) de Minas Gerais considerou abusivas as ordens de condução coercitiva. Mas não se procurou um procurador para apresentar suas razões.
Coube a portais alternativos - como o GGN - apurar a armação da juíza com os delegados, visando impedir os procuradores de segurar a condução coercitiva.
Um Manual de Bom Jornalismo
O que se tem claramente - do mesmo modo que nos episódios da Escola Base e Bar Bodega - são repórteres policiais comendo nas mãos de policiais repórteres, juízes delegados, e procuradores juízes.
Se se quiser praticar um mínimo de jornalismo, há que se seguir um conjunto de princípios da boa técnica:
Toda declaração de delegado é, em princípio, suspeita. O delegado é um vendedor do seu trabalho, assim como o repórter pretendendo emplacar a manchete.
O último veio descoberto pelas milícias de Estado é a criminalização de procedimentos administrativos nas Universidades. Se se quiser impedir o transbordamento do arbítrio e praticar um jornalismo minimamente decente, os jornais deveriam orientar seus repórteres na seguinte direção.
1- Nunca confiar na palavra do delegado. A informação é ponto de partida. A delegada Erika é responsável pelo suicídio de uma pessoa meramente porque pretendeu turbinar uma operação corriqueira, de suspeita de desvio de recursos.
2- Não se fiar nas conclusões do despacho do juiz, se não vier acompanhado de elementos de provas. O despacho que autorizou os abusos na UFMG não foi questionado em nenhum ponto pela mídia, mesmo quando apresenta como prova da organização criminosa a concessão de bolsas.
3- Procurar qualificar a natureza do suposto crime que está sendo apurado. Na burocracia pública, desvios de verba nem sempre são indicativos de corrupção. Podem ser recursos remanejados de um lugar para tapar buracos em outro. Enquadram-se no campo das irregularidades administrativas, sujeitas a multas pecuniárias. Mas não são crimes de corrupção.
4- Se não tiver discernimento, o repórter deve ouvir especialistas para analisar a dimensão da operação, ante o crime tratado. Por exemplo, supostos desvios de verbas podem ser apurados nos registros da Universidade, do Ministério que liberou as verbas. A condução coercitiva só se justifica quando há riscos do acusado ser alertado e eliminar provas. Se são ilícitos administrativos, e se são convidadas a depor pessoas sem suspeita direta, nada justifica a violência.
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