Por João Filho, no site The Intercept-Brasil:
No mesmo dia em que o novo diretor-geral da Polícia Federal jantou com um réu do mensalão tucano em uma festa, oito membros da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foram conduzidos coercitivamente para a delegacia. Eles são acusados de desviar recursos públicos destinados à construção do Memorial da Anistia Política do Brasil, um projeto do Ministério da Justiça e da universidade. A ação faz parte de uma devassa que a PF tem feito desde o ano passado nas universidades públicas de todo o país.
Como numa ditadura, professores investigados estão tendo seus direitos violados por essas ações policiais. Práticas comuns em regimes de exceção têm sido adotadas pelo Estado: condução coercitiva de investigados sem nunca terem sido intimados a prestar esclarecimentos, depoimentos sem a presença de advogados, e impossibilidade de acessar os inquéritos. Assim como aconteceu na federal de Santa Catarina, quando o reitor Luiz Carlos Cancellier se suicidou após sofrer uma série de humilhações sem ter sua culpa comprovada, um novo circo policial e midiático foi armado na federal de Minas Gerais.
Mesmo sem haver nenhuma comprovação dos desvios, os professores foram tratados como bandidos de alta periculosidade. Policiais portando fuzis – alguns com o rosto coberto – invadiram a universidade para executar uma busca e apreensão. Segundo o relato de um professor da UFMG, o reitor também teve sua casa invadida no momento em que saía do banho. Ao pedir um minuto para se trocar, ouviu de um policial: “Você não tem mais direito à privacidade, não, rapaz.”
Apesar do tratamento criminoso que os professores receberam, o delegado responsável pelo caso não foi capaz de esconder que os indícios obtidos até aqui são extremamente frágeis, como ficou claro nessa declaração registrada pelo site mineiro O Beltrano:
“Nós temos documentos de bolsistas que deveriam receber pelo Fundep, mas não receberam. Também investigamos uma editora de livros que parece ser fantasma e que teria usado recursos do Memorial para imprimir títulos que não têm a ver com o projeto. Mas tudo será apurado”.
“Parece ser”, “teria usado recursos”, “tudo será apurado” são expressões que deixam claro que não há provas que justifiquem a violência da ação. E mesmo que houvesse. A condução coercitiva só deve ser executada em casos em que o investigado se negue a prestar esclarecimentos, o que nunca ocorreu. Com o aval da justiça, essa prática tem se tornado corriqueira no país.
O único crime que a polícia teria comprovado até aqui seria o desvio das verbas do Memorial para o pagamento de bolsas de pesquisas para alunos. Este é o crime que fez o Estado deslocar dezenas de policiais fortemente armados e autorizar conduções coercitivas e uma prisão temporária! O delegado afirmou que as bolsas variavam de R$800 a R$1.800, mas não soube informar quem seriam os alunos beneficiados. A professora Maria Stella Goulart, do Departamento de Psicologia da UFMG, estranhou:
“As bolsas de iniciação científica são de R$ 400 na graduação. Não temos nenhum valor que chega nem perto dessas cifras que o delegado está citando. E sobre os livros, que foi o único exemplo que ele deu de uma suposta irregularidade, que livros são esses? Quais os títulos? Quem analisou para dizer que não tem a ver com o Memorial? Isso ele não respondeu e nem quer”.
Parece que estamos diante de mais um caso em que faltam provas que justifiquem o escarcéu, mas sobra convicção.
O circo midiático que se instala em volta dessas conduções coercitivas faz com que suspeitos se tornem culpados aos olhos da população, antes mesmo da conclusão das investigações. O apresentador do popular programa Alterosa Alerta, por exemplo, exibido em Minas Gerais por uma emissora afiliada do SBT, tratou os professores como culpados e, aos berros, chamou a UFMG de “antro”. Em um Estado policialesco, o direito constitucional da presunção da inocência torna-se irrelevante e abre-se espaço para esse tipo de “datenismo” na imprensa.
O delegado afirmou que a condução coercitiva foi necessária para impedir que os investigados combinassem versões. A justificativa soa como piada quando lembramos do famoso helicóptero com meia tonelada de pasta base de cocaína apreendido pela mesma Polícia Federal. O dono do helicóptero, o senador mineiro Zezé Perrella, jamais foi incomodado pelos policiais. Nunca foi chamado para prestar um mísero esclarecimento. Apesar dos fortes indícios, em nenhum momento o senador foi considerado suspeito e não há ninguém preso pelo crime. Na surreal democracia brasileira, este caso de tráfico de cocaína foi tratado com desleixo, enquanto professores suspeitos de irregularidades administrativas são tratados como se fossem Pablo Escobar.
Tudo nessa operação é demasiadamente simbólico para não nos fazer suspeitar das motivações por trás da montagem do circo. Ela foi deflagrada uma semana antes do lançamento do relatório da Comissão da Verdade em Minas Gerais, que revelará novas informações sobre crimes cometidos por militares durante a ditadura. A ironia embutida no nome de batismo da operação, “Esperança Equilibrista” (uma alusão ao hino da Anistia composto por João Bosco e Aldir Blanc – que já se manifestaram repudiando a operação) revela um sadismo típico do regime militar. A democracia brasileira padece e os contornos de um Estado de exceção vão ficando cada vez mais visíveis.
Enquanto o Estado avança de forma truculenta sobre nossas universidades, seja com operações policiais, seja com sucateamento, o Banco Mundial recomenda que o Brasil acabe com a gratuidade do ensino superior. Trocando em miúdos: sugere o fim das universidades públicas. Não dá mais para acreditar em coincidências. Assim como há lobbies para entregar o pré-sal para estrangeiros e destruir a previdência pública para atender aos interesses dos bancos, há claramente uma campanha para exterminar o ensino superior público brasileiro.
No mesmo dia em que o novo diretor-geral da Polícia Federal jantou com um réu do mensalão tucano em uma festa, oito membros da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foram conduzidos coercitivamente para a delegacia. Eles são acusados de desviar recursos públicos destinados à construção do Memorial da Anistia Política do Brasil, um projeto do Ministério da Justiça e da universidade. A ação faz parte de uma devassa que a PF tem feito desde o ano passado nas universidades públicas de todo o país.
Como numa ditadura, professores investigados estão tendo seus direitos violados por essas ações policiais. Práticas comuns em regimes de exceção têm sido adotadas pelo Estado: condução coercitiva de investigados sem nunca terem sido intimados a prestar esclarecimentos, depoimentos sem a presença de advogados, e impossibilidade de acessar os inquéritos. Assim como aconteceu na federal de Santa Catarina, quando o reitor Luiz Carlos Cancellier se suicidou após sofrer uma série de humilhações sem ter sua culpa comprovada, um novo circo policial e midiático foi armado na federal de Minas Gerais.
Mesmo sem haver nenhuma comprovação dos desvios, os professores foram tratados como bandidos de alta periculosidade. Policiais portando fuzis – alguns com o rosto coberto – invadiram a universidade para executar uma busca e apreensão. Segundo o relato de um professor da UFMG, o reitor também teve sua casa invadida no momento em que saía do banho. Ao pedir um minuto para se trocar, ouviu de um policial: “Você não tem mais direito à privacidade, não, rapaz.”
Apesar do tratamento criminoso que os professores receberam, o delegado responsável pelo caso não foi capaz de esconder que os indícios obtidos até aqui são extremamente frágeis, como ficou claro nessa declaração registrada pelo site mineiro O Beltrano:
“Nós temos documentos de bolsistas que deveriam receber pelo Fundep, mas não receberam. Também investigamos uma editora de livros que parece ser fantasma e que teria usado recursos do Memorial para imprimir títulos que não têm a ver com o projeto. Mas tudo será apurado”.
“Parece ser”, “teria usado recursos”, “tudo será apurado” são expressões que deixam claro que não há provas que justifiquem a violência da ação. E mesmo que houvesse. A condução coercitiva só deve ser executada em casos em que o investigado se negue a prestar esclarecimentos, o que nunca ocorreu. Com o aval da justiça, essa prática tem se tornado corriqueira no país.
O único crime que a polícia teria comprovado até aqui seria o desvio das verbas do Memorial para o pagamento de bolsas de pesquisas para alunos. Este é o crime que fez o Estado deslocar dezenas de policiais fortemente armados e autorizar conduções coercitivas e uma prisão temporária! O delegado afirmou que as bolsas variavam de R$800 a R$1.800, mas não soube informar quem seriam os alunos beneficiados. A professora Maria Stella Goulart, do Departamento de Psicologia da UFMG, estranhou:
“As bolsas de iniciação científica são de R$ 400 na graduação. Não temos nenhum valor que chega nem perto dessas cifras que o delegado está citando. E sobre os livros, que foi o único exemplo que ele deu de uma suposta irregularidade, que livros são esses? Quais os títulos? Quem analisou para dizer que não tem a ver com o Memorial? Isso ele não respondeu e nem quer”.
Parece que estamos diante de mais um caso em que faltam provas que justifiquem o escarcéu, mas sobra convicção.
O circo midiático que se instala em volta dessas conduções coercitivas faz com que suspeitos se tornem culpados aos olhos da população, antes mesmo da conclusão das investigações. O apresentador do popular programa Alterosa Alerta, por exemplo, exibido em Minas Gerais por uma emissora afiliada do SBT, tratou os professores como culpados e, aos berros, chamou a UFMG de “antro”. Em um Estado policialesco, o direito constitucional da presunção da inocência torna-se irrelevante e abre-se espaço para esse tipo de “datenismo” na imprensa.
O delegado afirmou que a condução coercitiva foi necessária para impedir que os investigados combinassem versões. A justificativa soa como piada quando lembramos do famoso helicóptero com meia tonelada de pasta base de cocaína apreendido pela mesma Polícia Federal. O dono do helicóptero, o senador mineiro Zezé Perrella, jamais foi incomodado pelos policiais. Nunca foi chamado para prestar um mísero esclarecimento. Apesar dos fortes indícios, em nenhum momento o senador foi considerado suspeito e não há ninguém preso pelo crime. Na surreal democracia brasileira, este caso de tráfico de cocaína foi tratado com desleixo, enquanto professores suspeitos de irregularidades administrativas são tratados como se fossem Pablo Escobar.
Tudo nessa operação é demasiadamente simbólico para não nos fazer suspeitar das motivações por trás da montagem do circo. Ela foi deflagrada uma semana antes do lançamento do relatório da Comissão da Verdade em Minas Gerais, que revelará novas informações sobre crimes cometidos por militares durante a ditadura. A ironia embutida no nome de batismo da operação, “Esperança Equilibrista” (uma alusão ao hino da Anistia composto por João Bosco e Aldir Blanc – que já se manifestaram repudiando a operação) revela um sadismo típico do regime militar. A democracia brasileira padece e os contornos de um Estado de exceção vão ficando cada vez mais visíveis.
Enquanto o Estado avança de forma truculenta sobre nossas universidades, seja com operações policiais, seja com sucateamento, o Banco Mundial recomenda que o Brasil acabe com a gratuidade do ensino superior. Trocando em miúdos: sugere o fim das universidades públicas. Não dá mais para acreditar em coincidências. Assim como há lobbies para entregar o pré-sal para estrangeiros e destruir a previdência pública para atender aos interesses dos bancos, há claramente uma campanha para exterminar o ensino superior público brasileiro.
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