Por Helena Borges, no site The Intercept-Brasil:
Eles encontraram 168 parlamentares que têm alguma presença fixa na mídia digital ou em rádio e televisão. A lista vai de Celso Russomanno (PRB-SP) a Jean Wyllys (PSOL-RJ), abrangendo todos os matizes políticos, da esquerda à direita. Suzy conta que os políticos comunicadores não são exatamente uma novidade, mas que seu poder tem se tornado cada vez maior. Nas últimas eleições, candidatos com este perfil ficaram entre os mais votados.
O caso recente de Luciano Huck jogou luz sobre a dinâmica de poderes políticos na mídia: o apresentador afirmou ter escutado o “canto da sereia” ao considerar a candidatura à presidência, mas veio da administração da Rede Globo a voz de comando que o trouxe de volta à realidade. Se fosse para se candidatar, teria de se demitir, sem possibilidade de retorno. Afinal, onde se tem mais poder: em frente às câmeras ou por trás delas? E como um programa de entretenimento pode criar um ícone político?
A senhora pode explicar um pouco sobre como vocês analisam a relação entre mídia e política?
A nossa pesquisa tenta entender quais são as interligações entre o sistema midiático e o sistema político. Estudamos como, dentro do sistema capitalista no Brasil, os meios [de comunicação] se inserem. Não nos interessa abarcar o sistema midiático como um todo, nem o político como um todo, mas onde eles têm intersecção. E a principal intersecção é o que estamos chamando de “coronelismo eletrônico”, que é o momento da vida política nacional.
A gente trabalha com [o conceito de] coronelismo porque a imagem do coronel é uma imagem muito forte para o Brasil culturalmente. Os próprios coronéis mandavam fazer o panfletinho ou tinham seu jornal. Mas o que acontece, em especial a partir de 2013, é um fortalecimento de vínculos midiáticos com a política. Então, apesar de termos donos de rádio e televisão que são políticos fortes desde os anos 1980, isso vem aumentando [nos últimos anos].
Coronéis que são personagens constantes também nas novelas…
A personagem coronel é muito rica. Primeiro porque resgata e mantém a imagem de um grande líder autoritário. Mas o coronel nunca é vilão nas novelas da Globo. [Desde a redemocratização], a gente não teve um coronel que morreu porque era ruim, ou que foi muito ruim e que ficou preso.
O coronel é sempre humanizado. Ele é quase o avô da gente, um senhor meio atrasado, mas sempre com a tônica do humor, sempre um grande amante, sempre muito ligado à família. Os atores são sempre galãs ou pessoas que a gente não associa ao mal: Antônio Fagundes, Osmar Prado, Paulo Gracindo, Lima Duarte. O coronel é um cara, no fundo, bonzinho.
Essa figura é pontualmente dada sem observar a marca terrível que tem no Brasil o mandonismo, a quantidade de trabalho escravo vinculado aos coronéis que existem ainda hoje, a quantidade de violências que eles perpetuam nas suas comunidades, a concentração do poder, o uso patrimonial do que é público por essas figuras. Mas, na novela, o coronel é sempre uma coisa meio simpática.
E como surge o coronelismo digital?
Em 1985, você tem um marco: é a primeira vez que um empresário de comunicação é convidado a indicar o ministro das Comunicações. A partir da hora em que Roberto Marinho indica Antonio Carlos Magalhães, o ministro se faz radiodifusor – e não era. Ele dá outorgas para ele mesmo, o próprio presidente da República se dá outorgas e constitui uma rede de televisão; todos afiliados a essa mesma grande corporação.
No último dia de mandato de Sarney e ACM, eles concedem 1.068 concessões, o dobro do que já existia antes, muitas delas vinculadas ao até então PFL. No período FHC [1995-2003], isso mais do que dobra, com [muitas concessões com] vínculos com o PSDB.
Nos 8 anos de governo Lula e nos 5 anos de governo Dilma, o PT não se tornou um grande proprietário de rádio e televisão, como aconteceu com o PFL, PMDB e PSDB nos mandatos anteriores. No entanto, nesse período, observa-se uma pulverização muito forte da Rede Record, há um investimento no aumento das redes religiosas.
Como você vê a postura do PT em relação à Globo, por exemplo?
S.S.: Tem um certo mito no Brasil de que ninguém governa sem a Globo. De que o tamanho da Rede Globo é tal que você não governa sem ela. E é mito porque não se comprova, não houve ruptura para a gente ver se governa ou não. Ninguém ousou questionar. Nem um governo de esquerda, quando se esperava que esse questionamento aconteceria.
A opção do PT, em todos os seus mandatos, foi de jamais enfrentar a Globo ou qualquer proprietário. Não mudou a legislação, não criou mecanismos de diversidade. Se, em alguns outros segmentos, a gente teve mudanças de tônica, em política de comunicação não há uma mudança de tônica desde 1985. A tônica sempre foi de fazer um acordo e respeitar as vontades do circo midiático.
O exercício político no Brasil, de 1985 para cá, esteve sempre atrelado a concessões de rádio e televisão e negociações que envolvessem comunicação. O cara começa a ter um pouco de dinheiro num lugar, começa a ter um pouco de poder em qualquer município, e a primeira coisa que ele faz é contratar alguém para fazer um portal para ele. Depois, quando ele tem alguma visibilidade, consegue negociar com um deputado estadual e monta uma rádio. Depois compra uma televisão, e aí monta seu feudo. Esse sistema está profundamente arraigado e articulado de tal forma que o sistema midiático e o sistema político, hoje, não sobrevivem sem essa simbiose.
Como a senhora percebe a influência desse grupo - que é tanto político quanto comunicador - na opinião pública em geral?
Há um aumento muito grande do que a gente chama de comunicadores políticos [apresentadores de televisão e jornalistas que se candidatam]. Eles sempre existiram no sistema midiático brasileiro. No entanto, se tornam muito presentes e muito fortes no Congresso Nacional nas três últimas legislaturas. Em especial, na penúltima e nessa última.
O que será dito no jornal na hora do almoço e o que será dito no programa religioso de aconselhamento, à meia-noite, está diretamente ligado aos interesses dos deputados federais que são apresentadores. E quase todos os deputados mais votados nas últimas legislaturas são apresentadores. Desses, a gente tem que destacar o Celso Russomano, que está no ar [no programa “Hoje em Dia”, da Record] e na legislatura [deputado federal pelo PRB-SP] ao mesmo tempo. Identificamos 168 parlamentares na Câmara dos Deputados diretamente ligados a veículos de comunicação.
Como isso se reflete na discussão das reformas trabalhista e previdenciária?
O que é dito nos meios de comunicação passa pelo crivo partidário e pelo crivo das elites. São majoritariamente pautados pelos interesses empresariais, não pelos interesses sociais, menos ainda pelos interesses históricos ou de mudança social no Brasil. Então, se você olha a programação, é interessante perceber como se articula o discurso para uma voz única. O sistema midiático brasileiro, há muito tempo, tem uma hegemonia de uma voz quase em uníssono. São concorrentes às vezes, empresas que competem pela audiência. E esse discurso não é exclusivo do jornalismo. O entretenimento produz sentido de uma forma muito mais sutil e muito mais profunda.
E como funciona essa dinâmica de influência do entretenimento em aspectos políticos?
É fundamental a gente perceber que o entretenimento tem um poder simbólico muito maior do que o próprio jornalismo. Quando eu era criança, a hora do Jornal Nacional era a hora que a gente ia jantar, era o mais chato. Mas a novela todo mundo assistia, o programa de humor todo mundo assistia. Isso é um hábito histórico no Brasil. A gente internaliza o comportamento vendo mídia. Especialmente por isso, o sistema de entretenimento tem um poder.
A senhora poderia dar um exemplo recente?
O último coronel do Antônio Fagundes, o coronel Saruê. Ao final da novela [“Velho Chico”, novela das 21h, da Globo], ele contribui para as investigações do processo Gaiola Dourada e vira um delator. No último capítulo, perguntam a ele: “Por que você está fazendo isso?” Ele responde: “Porque o Brasil precisa ser passado a limpo e eu não devo nada para ninguém, a não ser a minha família”. Essa novela foi transmitida de março a setembro de 2016. Em abril, os deputados todos falavam que votavam o impeachment pela família. Nessa mesma época, escrevi um livro cujo título é “Sempre foi pela família”, porque essa pauta da família aparece na Globo com muita clareza em muitos momentos.
Além do entretenimento, ainda há canais religiosos e suas programações. Como eles entram nesse contexto?
Um terço do nosso sistema de rádio e televisão está vinculado a igrejas [católica e evangélicas]. Ter conteúdo vinculado às grandes pautas políticas na programação religiosa é algo mais complexo que o entretenimento, porque a fidelidade é maior do que na telenovela.
Cada vez mais, vende-se o horário para políticos - embora isso seja ilegal - e para igrejas. É um tópico relevante na existência desses meios. Porque a gente não tem um mercado publicitário tão robusto que sustente tantos veículos.
Os veículos religiosos, inclusive Rede Vida e Record, não estão necessariamente compartilhando todas essas pautas econômicas [apoiando as reformas]. Isso porque eles não dependem da publicidade, dependem do dízimo, é outra lógica.
Esse discurso único de que a senhora falou há pouco aponta também para um candidato único para 2018?
O discurso único acontece em grandes pautas e grandes interesses. A reforma trabalhista é considerada, assim como a previdenciária, uma grande pauta, necessária para se tocar as mudanças que se pretendem. Mas não há perspectiva para a eleição de 2018 de um grande candidato de um bloco único. É diferente do que se formou em torno de FHC em 1994. Ali, você tinha um bloco único em torno de um candidato. Assim como, em um certo momento, todos estavam com o Lula. Mas não há isso até agora. Existe inclusive uma competição. Pode acontecer de a Globo estar com um candidato e o Edir Macedo, junto do PRB, estar com outro.
A Record, por conta da base material de Edir Macedo, tem uma base bem mais marginal que a da Rede Globo, da Band, da Folha… Tem um bloco do eixo Rio-SP vinculado à mídia mais tradicional que vai, sim, com discurso único, associado principalmente à pauta empresarial.
Nesse eixo, a hegemonia da Globo permanece intacta?
A Globo sempre teve seus senadores, ministros e presidentes. Collor era afilhado da Globo, Sarney era afilhado da Globo, ACM era afilhado da Globo e amigo de Roberto Marinho, indicado por ele. Até no governo petista teve o Hélio Costa. Então, historicamente, os ministros da comunicação eram pessoas de confiança da Globo. Mais recentemente, o que se percebe, principalmente a partir dos comunicadores políticos, é que eles não estão numa rede só. E a maior parte deles hoje não está na Globo. Então, há uma certa disputa.
[Do ponto de vista da Globo], o inimigo ganhou a prefeitura do Rio [em 2016]. Não dá para desatrelar o Marcelo Crivella ou o PRB da Record. Com a quantidade de políticos evangélicos vinculados à Igreja Universal aumentando, além do público evangélico como um todo, a Rede Globo tem um inimigo interno muito forte nos calcanhares. A Record é tão agressiva quanto a Globo e faz por imitação a mesma coisa que a Globo fez ao longo de muitos anos, criando seus políticos.
A Globo se estruturou mantendo uma base de afilhados políticos locais, embora a família Marinho jamais fosse exercer um mandato eletivo. A Record cresceu na mesma lógica, [mas transformando] os apresentadores, que têm um diálogo direto popular, em políticos. Hoje, eu não vejo a pauta da Rede Globo como vitoriosa, decidindo o que vai acontecer, como era em 1986 com o Sarney. Vejo como alguém que está disputando e que tem também seus vários inimigos em volta.
Os coronéis estão vivos e se adaptaram à modernidade: têm página no Facebook e conta no Twitter, além de programa de rádio e de televisão. É o que explica em entrevista a The Intercept Brasil a professora Suzy dos Santos, da Escola de Comunicação da UFRJ, coordenadora do Grupo de Pesquisa Política e Economia da Informação e da Comunicação. Sua equipe rastreia os políticos que tenham vínculos com a mídia e busca entender como esse vínculos influenciam as pautas nos jornais e no Congresso.
Eles encontraram 168 parlamentares que têm alguma presença fixa na mídia digital ou em rádio e televisão. A lista vai de Celso Russomanno (PRB-SP) a Jean Wyllys (PSOL-RJ), abrangendo todos os matizes políticos, da esquerda à direita. Suzy conta que os políticos comunicadores não são exatamente uma novidade, mas que seu poder tem se tornado cada vez maior. Nas últimas eleições, candidatos com este perfil ficaram entre os mais votados.
O caso recente de Luciano Huck jogou luz sobre a dinâmica de poderes políticos na mídia: o apresentador afirmou ter escutado o “canto da sereia” ao considerar a candidatura à presidência, mas veio da administração da Rede Globo a voz de comando que o trouxe de volta à realidade. Se fosse para se candidatar, teria de se demitir, sem possibilidade de retorno. Afinal, onde se tem mais poder: em frente às câmeras ou por trás delas? E como um programa de entretenimento pode criar um ícone político?
A senhora pode explicar um pouco sobre como vocês analisam a relação entre mídia e política?
A nossa pesquisa tenta entender quais são as interligações entre o sistema midiático e o sistema político. Estudamos como, dentro do sistema capitalista no Brasil, os meios [de comunicação] se inserem. Não nos interessa abarcar o sistema midiático como um todo, nem o político como um todo, mas onde eles têm intersecção. E a principal intersecção é o que estamos chamando de “coronelismo eletrônico”, que é o momento da vida política nacional.
A gente trabalha com [o conceito de] coronelismo porque a imagem do coronel é uma imagem muito forte para o Brasil culturalmente. Os próprios coronéis mandavam fazer o panfletinho ou tinham seu jornal. Mas o que acontece, em especial a partir de 2013, é um fortalecimento de vínculos midiáticos com a política. Então, apesar de termos donos de rádio e televisão que são políticos fortes desde os anos 1980, isso vem aumentando [nos últimos anos].
Coronéis que são personagens constantes também nas novelas…
A personagem coronel é muito rica. Primeiro porque resgata e mantém a imagem de um grande líder autoritário. Mas o coronel nunca é vilão nas novelas da Globo. [Desde a redemocratização], a gente não teve um coronel que morreu porque era ruim, ou que foi muito ruim e que ficou preso.
O coronel é sempre humanizado. Ele é quase o avô da gente, um senhor meio atrasado, mas sempre com a tônica do humor, sempre um grande amante, sempre muito ligado à família. Os atores são sempre galãs ou pessoas que a gente não associa ao mal: Antônio Fagundes, Osmar Prado, Paulo Gracindo, Lima Duarte. O coronel é um cara, no fundo, bonzinho.
Essa figura é pontualmente dada sem observar a marca terrível que tem no Brasil o mandonismo, a quantidade de trabalho escravo vinculado aos coronéis que existem ainda hoje, a quantidade de violências que eles perpetuam nas suas comunidades, a concentração do poder, o uso patrimonial do que é público por essas figuras. Mas, na novela, o coronel é sempre uma coisa meio simpática.
E como surge o coronelismo digital?
Em 1985, você tem um marco: é a primeira vez que um empresário de comunicação é convidado a indicar o ministro das Comunicações. A partir da hora em que Roberto Marinho indica Antonio Carlos Magalhães, o ministro se faz radiodifusor – e não era. Ele dá outorgas para ele mesmo, o próprio presidente da República se dá outorgas e constitui uma rede de televisão; todos afiliados a essa mesma grande corporação.
No último dia de mandato de Sarney e ACM, eles concedem 1.068 concessões, o dobro do que já existia antes, muitas delas vinculadas ao até então PFL. No período FHC [1995-2003], isso mais do que dobra, com [muitas concessões com] vínculos com o PSDB.
Nos 8 anos de governo Lula e nos 5 anos de governo Dilma, o PT não se tornou um grande proprietário de rádio e televisão, como aconteceu com o PFL, PMDB e PSDB nos mandatos anteriores. No entanto, nesse período, observa-se uma pulverização muito forte da Rede Record, há um investimento no aumento das redes religiosas.
Como você vê a postura do PT em relação à Globo, por exemplo?
S.S.: Tem um certo mito no Brasil de que ninguém governa sem a Globo. De que o tamanho da Rede Globo é tal que você não governa sem ela. E é mito porque não se comprova, não houve ruptura para a gente ver se governa ou não. Ninguém ousou questionar. Nem um governo de esquerda, quando se esperava que esse questionamento aconteceria.
A opção do PT, em todos os seus mandatos, foi de jamais enfrentar a Globo ou qualquer proprietário. Não mudou a legislação, não criou mecanismos de diversidade. Se, em alguns outros segmentos, a gente teve mudanças de tônica, em política de comunicação não há uma mudança de tônica desde 1985. A tônica sempre foi de fazer um acordo e respeitar as vontades do circo midiático.
O exercício político no Brasil, de 1985 para cá, esteve sempre atrelado a concessões de rádio e televisão e negociações que envolvessem comunicação. O cara começa a ter um pouco de dinheiro num lugar, começa a ter um pouco de poder em qualquer município, e a primeira coisa que ele faz é contratar alguém para fazer um portal para ele. Depois, quando ele tem alguma visibilidade, consegue negociar com um deputado estadual e monta uma rádio. Depois compra uma televisão, e aí monta seu feudo. Esse sistema está profundamente arraigado e articulado de tal forma que o sistema midiático e o sistema político, hoje, não sobrevivem sem essa simbiose.
Como a senhora percebe a influência desse grupo - que é tanto político quanto comunicador - na opinião pública em geral?
Há um aumento muito grande do que a gente chama de comunicadores políticos [apresentadores de televisão e jornalistas que se candidatam]. Eles sempre existiram no sistema midiático brasileiro. No entanto, se tornam muito presentes e muito fortes no Congresso Nacional nas três últimas legislaturas. Em especial, na penúltima e nessa última.
O que será dito no jornal na hora do almoço e o que será dito no programa religioso de aconselhamento, à meia-noite, está diretamente ligado aos interesses dos deputados federais que são apresentadores. E quase todos os deputados mais votados nas últimas legislaturas são apresentadores. Desses, a gente tem que destacar o Celso Russomano, que está no ar [no programa “Hoje em Dia”, da Record] e na legislatura [deputado federal pelo PRB-SP] ao mesmo tempo. Identificamos 168 parlamentares na Câmara dos Deputados diretamente ligados a veículos de comunicação.
Como isso se reflete na discussão das reformas trabalhista e previdenciária?
O que é dito nos meios de comunicação passa pelo crivo partidário e pelo crivo das elites. São majoritariamente pautados pelos interesses empresariais, não pelos interesses sociais, menos ainda pelos interesses históricos ou de mudança social no Brasil. Então, se você olha a programação, é interessante perceber como se articula o discurso para uma voz única. O sistema midiático brasileiro, há muito tempo, tem uma hegemonia de uma voz quase em uníssono. São concorrentes às vezes, empresas que competem pela audiência. E esse discurso não é exclusivo do jornalismo. O entretenimento produz sentido de uma forma muito mais sutil e muito mais profunda.
E como funciona essa dinâmica de influência do entretenimento em aspectos políticos?
É fundamental a gente perceber que o entretenimento tem um poder simbólico muito maior do que o próprio jornalismo. Quando eu era criança, a hora do Jornal Nacional era a hora que a gente ia jantar, era o mais chato. Mas a novela todo mundo assistia, o programa de humor todo mundo assistia. Isso é um hábito histórico no Brasil. A gente internaliza o comportamento vendo mídia. Especialmente por isso, o sistema de entretenimento tem um poder.
A senhora poderia dar um exemplo recente?
O último coronel do Antônio Fagundes, o coronel Saruê. Ao final da novela [“Velho Chico”, novela das 21h, da Globo], ele contribui para as investigações do processo Gaiola Dourada e vira um delator. No último capítulo, perguntam a ele: “Por que você está fazendo isso?” Ele responde: “Porque o Brasil precisa ser passado a limpo e eu não devo nada para ninguém, a não ser a minha família”. Essa novela foi transmitida de março a setembro de 2016. Em abril, os deputados todos falavam que votavam o impeachment pela família. Nessa mesma época, escrevi um livro cujo título é “Sempre foi pela família”, porque essa pauta da família aparece na Globo com muita clareza em muitos momentos.
Além do entretenimento, ainda há canais religiosos e suas programações. Como eles entram nesse contexto?
Um terço do nosso sistema de rádio e televisão está vinculado a igrejas [católica e evangélicas]. Ter conteúdo vinculado às grandes pautas políticas na programação religiosa é algo mais complexo que o entretenimento, porque a fidelidade é maior do que na telenovela.
Cada vez mais, vende-se o horário para políticos - embora isso seja ilegal - e para igrejas. É um tópico relevante na existência desses meios. Porque a gente não tem um mercado publicitário tão robusto que sustente tantos veículos.
Os veículos religiosos, inclusive Rede Vida e Record, não estão necessariamente compartilhando todas essas pautas econômicas [apoiando as reformas]. Isso porque eles não dependem da publicidade, dependem do dízimo, é outra lógica.
Esse discurso único de que a senhora falou há pouco aponta também para um candidato único para 2018?
O discurso único acontece em grandes pautas e grandes interesses. A reforma trabalhista é considerada, assim como a previdenciária, uma grande pauta, necessária para se tocar as mudanças que se pretendem. Mas não há perspectiva para a eleição de 2018 de um grande candidato de um bloco único. É diferente do que se formou em torno de FHC em 1994. Ali, você tinha um bloco único em torno de um candidato. Assim como, em um certo momento, todos estavam com o Lula. Mas não há isso até agora. Existe inclusive uma competição. Pode acontecer de a Globo estar com um candidato e o Edir Macedo, junto do PRB, estar com outro.
A Record, por conta da base material de Edir Macedo, tem uma base bem mais marginal que a da Rede Globo, da Band, da Folha… Tem um bloco do eixo Rio-SP vinculado à mídia mais tradicional que vai, sim, com discurso único, associado principalmente à pauta empresarial.
Nesse eixo, a hegemonia da Globo permanece intacta?
A Globo sempre teve seus senadores, ministros e presidentes. Collor era afilhado da Globo, Sarney era afilhado da Globo, ACM era afilhado da Globo e amigo de Roberto Marinho, indicado por ele. Até no governo petista teve o Hélio Costa. Então, historicamente, os ministros da comunicação eram pessoas de confiança da Globo. Mais recentemente, o que se percebe, principalmente a partir dos comunicadores políticos, é que eles não estão numa rede só. E a maior parte deles hoje não está na Globo. Então, há uma certa disputa.
[Do ponto de vista da Globo], o inimigo ganhou a prefeitura do Rio [em 2016]. Não dá para desatrelar o Marcelo Crivella ou o PRB da Record. Com a quantidade de políticos evangélicos vinculados à Igreja Universal aumentando, além do público evangélico como um todo, a Rede Globo tem um inimigo interno muito forte nos calcanhares. A Record é tão agressiva quanto a Globo e faz por imitação a mesma coisa que a Globo fez ao longo de muitos anos, criando seus políticos.
A Globo se estruturou mantendo uma base de afilhados políticos locais, embora a família Marinho jamais fosse exercer um mandato eletivo. A Record cresceu na mesma lógica, [mas transformando] os apresentadores, que têm um diálogo direto popular, em políticos. Hoje, eu não vejo a pauta da Rede Globo como vitoriosa, decidindo o que vai acontecer, como era em 1986 com o Sarney. Vejo como alguém que está disputando e que tem também seus vários inimigos em volta.
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