Por Cesar Locatelli, no site Jornalistas Livres:
“Falácia pode ser definida como erro de raciocínio, como argumento sem consistência lógica, que não tem, pois, validade para sustentar a conclusão afirmada. Uma falácia leva a tomar o falso por verdadeiro.” Assim, o filósofo e professor Euclides André Mance inicia seu livro Falácias de Moro, em que faz a análise lógica da sentença condenatória de Sérgio Moro ao ex-presidente Lula.
Para “provar” que o apartamento era de propriedade de Lula Moro lança mão de um artigo de jornal. Diz Mance:
Vejamos dois parágrafos da sentença:
376. [….] Releva destacar que, no ano seguinte à transferência do empreendimento imobiliário para a OAS Empreendimentos, o Jornal O Globo, publicou matéria da jornalista [….] Farah, mais especificamente em 10/03/2010, com atualização em 01/11/2011, com o seguinte título “Caso Bancoop: triplex do casal Lula está atrasado” [….]. Transcrevem-se, por oportuno, trechos da matéria: “O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua mulher, Marisa Letícia, são donos de uma cobertura na praia das Astúrias, no Guarujá [….]”.
377. […] A matéria em questão é bastante relevante do ponto de vista probatório, pois foi feita em 10/03/2010, com atualização em 01/11/2011, ou seja, quando não havia qualquer investigação ou sequer intenção de investigação envolvendo Luiz Inácio Lula da Silva ou o referido apartamento triplex.
Mas, o problema do argumento está em tomar o que é dito na matéria como verdadeiro por uma falácia do tipo circulus in probando, isto é, por circularidade na prova, ou por circulus vitiosus, isto é, por círculo vicioso, como também é denominada essa mesma falácia.
A sua forma lógica é:
X é verdadeiro por causa de Y.
Y é verdadeiro por causa de X.
Assim, formalizando didaticamente esse argumento temos:
A afirmação, publicada na matéria em 2010, de que o ex-presidente é proprietário do imóvel é elemento probatório de que o ex-presidente é proprietário do imóvel.
Porque se ele não fosse proprietário do imóvel não existiria essa afirmação na matéria em 2010.
Outra questão abordada por Mance é a falácia da inversão do ônus da prova:
Vejamos um exemplo, num imaginário diálogo ambientado no período medieval.
Inquisidor: Você, em seu íntimo, conversa com demônios todos os dias e por isso será queimada numa fogueira.
Acusada: Não converso!
Inquisidor: Então, prove que não conversa com demônios todos os dias!
Acusada: Não tenho como provar isso.
Inquisidor: Então fica provado que você conversa com demônios todos os dias e por isso será queimada numa fogueira.
Se analisamos com cuidado o conjunto das perguntas transcrito na sentença, vemos que parte dele solicita ao ex-presidente que prove a sua inocência em vez de exigir que a Acusação prove a sua culpa.
Nos campos filosófico e legal, ou no domínio da argumentação cotidiana, quem afirma algo deve provar o que diz, apresentando os meios e procedimentos pelos quais a afirmação foi comprovada. Por isso, o ônus da prova, cabe a quem afirma.
Porém, com a falácia de inversão do ônus da prova, transfere-se ao oponente o ônus de provar que alguma afirmação é falsa. E, porque o oponente se recuse ou não consiga comprovar a falsidade de tal afirmação, então ela é reclamada como verdadeira.
Ainda sobre a falácia do ônus da prova, vejamos parte do depoimento de Pinheiro:
531. […] Juiz Federal:- […] o senhor disse que o apartamento ficaria pronto até o final do ano, ele ficou pronto?
[….] Pinheiro Filho:- Ficou pronto.
Juiz Federal:- Mas ele foi entregue daí à família do ex-presidente?
[….] Pinheiro Filho:- Eu fui preso em 14 de novembro de 2014, aí eu já não acompanhei mais.
Então, pode-se concluir que, até de 14 de novembro de 2014, o apartamento não havia sido repassado, não havia sido entregue, ao ex-presidente. E, não há na sentença, a comprovação de que tenha sido entregue depois dessa data.
Assim, pela falácia de inversão do ônus da prova, o réu foi condenado pelo juiz sem que haja a comprovação do crime a ele imputado, de que o apartamento lhe tenha sido repassado, e, portanto, de que tenha a faculdade de usar, gozar e dispor do imóvel ou o direito de reavê-lo do poder de quem, injustamente, o possua ou detenha.
O ponto crucial da sentença é a existência de uma conta-corrente de corrupção, entre OAS e PT, de onde teriam saído os recursos para a reforma do apartamento, que sendo do ex-presidente, comprovaria seu ato de corrupção passiva. O autor chama a atenção para quatro premissas que tê que ser verdadeiras para se ter certeza da culpa do ex-presidente: i) a existência da conta-corrente geral de propinas, ii) a ocorrência do encontro de contas relatado por Pinheiro,iii) a anuência do ex-presidente a esse acerto e iv) a movimentação de recursos dessa conta em proveito do ex-presidente.
O autor adverte:
Porém, a sentença afirma que nenhum valor oriundo de corrupção entrou no empreendimento, pois todos os custos foram incorporados aos custos do próprio empreendimento, não havendo dinheiro de corrupção lançado em sua contabilidade.
Mas se o dinheiro foi abatido dessa suposta conta de propinas e não entrou no empreendimento, onde esse valor foi parar e quem dele se beneficiou?
A sentença não comprovou o paradeiro desse dinheiro.
E, saliente-se, o juiz indeferiu a solicitação da Defesa de que o rastreamento desses valores fosse feito.
Assim, não há como comprovar que a mencionada cobertura de valores tenha ocorrido ou mesmo que tenha existido o relatado encontro de contas afirmado por Pinheiro.
Mas, o ex-presidente foi condenado por crime de corrupção com base nesse único relato sem provas materiais.
Na sentença, Moro desvencilha-se do inconveniente da falta de provas materiais, segundo Mance, usando, entre outros, o expediente de tirar o foco do argumento e colocá-lo na pessoa que o lançou:
Tomá-lo por verdadeiro simplesmente porque Pinheiro o diz, independentemente de comprovar a sua afirmação, pode ser considerado uma variação da falácia do argumentum ad hominem.
(…) Sua forma lógica é a seguinte:
Argumentum ad hominem na validação
Uma pessoa afirmou Y.
Ora, tal pessoa, por seus atributos, situação ou atitude, é valorada positivamente.
Logo, Y é verdade.
(…) No presente caso, várias afirmações de Pinheiro e de Medeiros são tomadas como verdadeiras, não porque foram comprovadas, mas porque foram proferidas por eles na condição de colaboradores, circunstancialmente comprometidos em dizer a verdade para obter o benefício de redução da pena.
Mance argumenta que, a profusão de falácias existentes na sentença, permite ao menos duas hipóteses: ou Moro, experiente que é, as construiu de caso pensado, ou, ignorando tais falhas lógicas, mostra-se inadequado para sua função. Afirma ele:
Sendo assim, entre tantas outras hipóteses que poderiam ser elencadas junto destas, podemos levantar duas.
Hipótese 1. O autor da sentença tem preparo lógico para identificar as falácias nela contidas e, nesse caso, elas devem ser caracterizadas como sofismas, a indicar algum desvio de conduta no seu exercício do poder de Estado na condição de juiz.
Hipótese N. O autor da sentença não tem preparo lógico para identificar as falácias nela contidas e, nesse caso, elas devem ser caracterizadas como paralogismos, a indicar seu despreparo para o exercício do poder de Estado na condição de juiz.
Nota
1- O livro “Falácias de Moro” pode ser baixado em:
http://solidarius.com.br/mance/biblioteca/livro_falacias_de_moro.pdf
“Falácia pode ser definida como erro de raciocínio, como argumento sem consistência lógica, que não tem, pois, validade para sustentar a conclusão afirmada. Uma falácia leva a tomar o falso por verdadeiro.” Assim, o filósofo e professor Euclides André Mance inicia seu livro Falácias de Moro, em que faz a análise lógica da sentença condenatória de Sérgio Moro ao ex-presidente Lula.
Para “provar” que o apartamento era de propriedade de Lula Moro lança mão de um artigo de jornal. Diz Mance:
Vejamos dois parágrafos da sentença:
376. [….] Releva destacar que, no ano seguinte à transferência do empreendimento imobiliário para a OAS Empreendimentos, o Jornal O Globo, publicou matéria da jornalista [….] Farah, mais especificamente em 10/03/2010, com atualização em 01/11/2011, com o seguinte título “Caso Bancoop: triplex do casal Lula está atrasado” [….]. Transcrevem-se, por oportuno, trechos da matéria: “O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua mulher, Marisa Letícia, são donos de uma cobertura na praia das Astúrias, no Guarujá [….]”.
377. […] A matéria em questão é bastante relevante do ponto de vista probatório, pois foi feita em 10/03/2010, com atualização em 01/11/2011, ou seja, quando não havia qualquer investigação ou sequer intenção de investigação envolvendo Luiz Inácio Lula da Silva ou o referido apartamento triplex.
Mas, o problema do argumento está em tomar o que é dito na matéria como verdadeiro por uma falácia do tipo circulus in probando, isto é, por circularidade na prova, ou por circulus vitiosus, isto é, por círculo vicioso, como também é denominada essa mesma falácia.
A sua forma lógica é:
X é verdadeiro por causa de Y.
Y é verdadeiro por causa de X.
Assim, formalizando didaticamente esse argumento temos:
A afirmação, publicada na matéria em 2010, de que o ex-presidente é proprietário do imóvel é elemento probatório de que o ex-presidente é proprietário do imóvel.
Porque se ele não fosse proprietário do imóvel não existiria essa afirmação na matéria em 2010.
Outra questão abordada por Mance é a falácia da inversão do ônus da prova:
Vejamos um exemplo, num imaginário diálogo ambientado no período medieval.
Inquisidor: Você, em seu íntimo, conversa com demônios todos os dias e por isso será queimada numa fogueira.
Acusada: Não converso!
Inquisidor: Então, prove que não conversa com demônios todos os dias!
Acusada: Não tenho como provar isso.
Inquisidor: Então fica provado que você conversa com demônios todos os dias e por isso será queimada numa fogueira.
Se analisamos com cuidado o conjunto das perguntas transcrito na sentença, vemos que parte dele solicita ao ex-presidente que prove a sua inocência em vez de exigir que a Acusação prove a sua culpa.
Nos campos filosófico e legal, ou no domínio da argumentação cotidiana, quem afirma algo deve provar o que diz, apresentando os meios e procedimentos pelos quais a afirmação foi comprovada. Por isso, o ônus da prova, cabe a quem afirma.
Porém, com a falácia de inversão do ônus da prova, transfere-se ao oponente o ônus de provar que alguma afirmação é falsa. E, porque o oponente se recuse ou não consiga comprovar a falsidade de tal afirmação, então ela é reclamada como verdadeira.
Ainda sobre a falácia do ônus da prova, vejamos parte do depoimento de Pinheiro:
531. […] Juiz Federal:- […] o senhor disse que o apartamento ficaria pronto até o final do ano, ele ficou pronto?
[….] Pinheiro Filho:- Ficou pronto.
Juiz Federal:- Mas ele foi entregue daí à família do ex-presidente?
[….] Pinheiro Filho:- Eu fui preso em 14 de novembro de 2014, aí eu já não acompanhei mais.
Então, pode-se concluir que, até de 14 de novembro de 2014, o apartamento não havia sido repassado, não havia sido entregue, ao ex-presidente. E, não há na sentença, a comprovação de que tenha sido entregue depois dessa data.
Assim, pela falácia de inversão do ônus da prova, o réu foi condenado pelo juiz sem que haja a comprovação do crime a ele imputado, de que o apartamento lhe tenha sido repassado, e, portanto, de que tenha a faculdade de usar, gozar e dispor do imóvel ou o direito de reavê-lo do poder de quem, injustamente, o possua ou detenha.
O ponto crucial da sentença é a existência de uma conta-corrente de corrupção, entre OAS e PT, de onde teriam saído os recursos para a reforma do apartamento, que sendo do ex-presidente, comprovaria seu ato de corrupção passiva. O autor chama a atenção para quatro premissas que tê que ser verdadeiras para se ter certeza da culpa do ex-presidente: i) a existência da conta-corrente geral de propinas, ii) a ocorrência do encontro de contas relatado por Pinheiro,iii) a anuência do ex-presidente a esse acerto e iv) a movimentação de recursos dessa conta em proveito do ex-presidente.
O autor adverte:
Porém, a sentença afirma que nenhum valor oriundo de corrupção entrou no empreendimento, pois todos os custos foram incorporados aos custos do próprio empreendimento, não havendo dinheiro de corrupção lançado em sua contabilidade.
Mas se o dinheiro foi abatido dessa suposta conta de propinas e não entrou no empreendimento, onde esse valor foi parar e quem dele se beneficiou?
A sentença não comprovou o paradeiro desse dinheiro.
E, saliente-se, o juiz indeferiu a solicitação da Defesa de que o rastreamento desses valores fosse feito.
Assim, não há como comprovar que a mencionada cobertura de valores tenha ocorrido ou mesmo que tenha existido o relatado encontro de contas afirmado por Pinheiro.
Mas, o ex-presidente foi condenado por crime de corrupção com base nesse único relato sem provas materiais.
Na sentença, Moro desvencilha-se do inconveniente da falta de provas materiais, segundo Mance, usando, entre outros, o expediente de tirar o foco do argumento e colocá-lo na pessoa que o lançou:
Tomá-lo por verdadeiro simplesmente porque Pinheiro o diz, independentemente de comprovar a sua afirmação, pode ser considerado uma variação da falácia do argumentum ad hominem.
(…) Sua forma lógica é a seguinte:
Argumentum ad hominem na validação
Uma pessoa afirmou Y.
Ora, tal pessoa, por seus atributos, situação ou atitude, é valorada positivamente.
Logo, Y é verdade.
(…) No presente caso, várias afirmações de Pinheiro e de Medeiros são tomadas como verdadeiras, não porque foram comprovadas, mas porque foram proferidas por eles na condição de colaboradores, circunstancialmente comprometidos em dizer a verdade para obter o benefício de redução da pena.
Mance argumenta que, a profusão de falácias existentes na sentença, permite ao menos duas hipóteses: ou Moro, experiente que é, as construiu de caso pensado, ou, ignorando tais falhas lógicas, mostra-se inadequado para sua função. Afirma ele:
Sendo assim, entre tantas outras hipóteses que poderiam ser elencadas junto destas, podemos levantar duas.
Hipótese 1. O autor da sentença tem preparo lógico para identificar as falácias nela contidas e, nesse caso, elas devem ser caracterizadas como sofismas, a indicar algum desvio de conduta no seu exercício do poder de Estado na condição de juiz.
Hipótese N. O autor da sentença não tem preparo lógico para identificar as falácias nela contidas e, nesse caso, elas devem ser caracterizadas como paralogismos, a indicar seu despreparo para o exercício do poder de Estado na condição de juiz.
Nota
1- O livro “Falácias de Moro” pode ser baixado em:
http://solidarius.com.br/mance/biblioteca/livro_falacias_de_moro.pdf
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