Por Ricardo Kotscho, em seu blog:
Estamos caminhando celeremente para o caos institucional.
Esta é a conclusão a que cheguei depois de ler o noticiário desta quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018.
Ainda faltam 10 meses, longos 300 dias para acabar o mandato do atual presidente, e o Brasil de Temer ficou ingovernável.
Desde o final da semana passada, como um piloto enlouquecido na cabine de comando, que perdeu todos os sinais de contato com a terra, Michel Temer abriu novas frentes de confronto.
Mesmo governando praticamente sem oposição, o presidente entrou num beco sem saída por excesso de esperteza dos seus marqueteiros.
Achou que tinha dado um golpe de mestre ao trocar a reforma da Previdência pela intervenção militar no Rio, com base em pesquisas de opinião, mas acabou afrontando sua própria base de apoio em setores da sociedade, no mercado, nos quartéis e no Congresso Nacional.
Com tanques nas ruas e soldados revistando mochilas de crianças nas favelas, enquanto ministros dormem em solenidade oficial ao lado de um presidente assustado, temos o retrato de um país à deriva, como mostram alguns fatos das últimas horas que, em seu conjunto, revelam a gravidade da situação:
- No Congresso Nacional: revoltado por não ter sido consultado sobre a intervenção militar nem sobre o pacote de 15 medidas do “Plano B” da economia para compensar o sepultamento da reforma da Previdência, o antes dócil presidente da Câmara, Rodrigo Maia, declarou guerra ao Planalto. “Não li nem vou ler estas medidas. Quem faz a pauta da Câmara é o presidente da Câmara”. O presidente do Senado, Eunício Oliveira, antes fiel aliado, foi na mesma linha. No mesmo dia, Maia, que tinha na questão da segurança a principal bandeira da sua improvável candidatura presidencial, resolveu colocar na pauta um pacote de projetos para “flexibilizar o estatuto do desarmamento”, com o objetivo de liberar o porte de armas, um projeto da poderosa “bancada da bala”.
- Nos quartéis: a forma açodada e sem nenhum planejamento com que o presidente assinou o decreto da intervenção, também sem consulta prévia ao comando militar, está preocupando a cúpula das Forças Armadas que teme o uso político da medida de exceção, como registra Josias de Souza, em seu blog no UOL, ao ouvir um oficial sob o compromisso do anonimato: “Acionados nos termos da Constituição, estamos cumprindo nossa missão, como de hábito. As Forças Armadas se confundem com o próprio Estado. Não seria aceitável que fossem utilizadas para fins eleitorais. Com razão, costuma-se dizer que militar não deve se meter em política. Do mesmo modo, não convém politizar ações militares”.
- Na sociedade: para quem ainda tinha alguma dúvida, a entrevista que Bernardo Mello Filho fez com o marqueteiro oficial de Temer, Elsinho Mouco, publicada no Globo, escancara o verdadeiro objetivo da intervenção: ressuscitar a imagem de Michel Temer e alavancar sua candidatura à reeleição. “Ele já é candidato. Viramos a agenda. Agora o momento é outro. Hoje a maior preocupação do brasileiro é com a segurança pública. A vela está sendo esticada. Agora está batendo um ventinho”, disse Mouco ao repórter, reconhecendo que a decisão foi tomada com base em pesquisas de opinião. Em entrevista à Rede Brasil Atual, Pedro Serrano, jurista e professor de Direito Constitucional na PUC/SP, teme uma tragédia: “Estão trazendo o caos para o Estado Brasileiro de forma irresponsável. Não tem jeito dessa farsa não terminar em tragédia. E nem de perto vai resolver o problema da segurança pública”.
- No mercado: “A falta da reforma previdenciária pode levar ao caos a economia brasileira”, afirmou um analista da Capital Economics à rádio BBC, citado na coluna de Nelson de Sá, na Folha. Segundo o colunista, “o abandono da reforma previdenciária por Michel Temer, já com reação ameaçadora das agências de classificação de risco, repercutiu negativamente por, entre outros veículos, Financial Times, BBC e a agência chinesa Xinhua”. O Financial Times avisou aos investidores em mercados emergentes que eles devem “segurar os seus chapéus”, depois de destacar que “impopularidade e acusações de corrupção descarrilharam sua agenda, que tinha na reforma sua peça central”.
O melhor retrato do desgoverno que assola o país foi feito por Ricardo Moraes, da agência Reuters, mostrando os ministros Eliseu Padilha, da Casa Civil, e Henrique Meirelles, da Fazenda, nos braços de Morfeu, com o presidente Michel Temer olhando para outro lado, durante uma cerimonia oficial em Itaguaí, no litoral fluminense.
Eles não devem estar dormindo direito.
As consequências da intervenção militar no Rio foram retratadas por Leo Correa, da Associated Press: crianças assustadas olhando para soldados armados com pesadas metralhadores que inspecionam suas mochilas numa favela da zona norte.
São as imagens deste fim de feira trágico, na semana seguinte à grande festa do Carnaval.
E ainda não se passaram dois anos desde que Dilma Rousseff foi afastada da Presidência da República sob a alegação de que tinha perdido a governabilidade.
Vida que segue.
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