Por Theófilo Rodrigues, no blog Cafezinho:
Na manhã deste domingo desfilou pelas ruas da zona sul do Rio de Janeiro uma passeata um pouco diferente das que a cidade está acostumada a assistir. Com cerca de 300 manifestantes, o protesto seguiu até a sede do governo do estado em Laranjeiras para reivindicar do poder público mais investimentos em segurança nos bairros da região.
O pedido é inusitado, para não dizer injusto. Pesquisas e mais pesquisas já apontaram por diversas vezes que o efetivo policial na zona sul, a mais rica área da cidade, é bem maior que o do restante do estado. Regiões mais populosas e carentes de serviços públicos não recebem tanta atenção da segurança pública quanto os bairros da zona sul carioca. Reivindicar por maior concentração de recursos na região seria, portanto, apostar na ampliação da desigualdade na cidade.
Mas, se a agenda já era por si só equivocada, a forma foi ainda mais assustadora. Entre os muitos cartazes, um se destacava: “Guerra aos bandidos”!, clamava em letras garrafais. A pergunta que fica é: quais bandidos?
Pergunta retórica, claro. É intuitivo imaginar que aquela passeata formada por pessoas brancas da zona sul carioca entende que “bandidos” são os jovens negros, pobres e desempregados da cidade. Se somarmos a isso o contexto de intervenção militar na segurança pública da cidade, entenderemos facilmente quais são os perigosos riscos por trás dessa agenda. Perseguição aos mais pobres, desrespeito aos direitos humanos, cerceamento de liberdades individuais são apenas alguns aspectos derivados desse entendimento.
O Brasil precisa de uma “guerra aos bandidos”? Talvez precise. Mas os bandidos que precisam ser enfrentados não moram em favelas ou dormem debaixo de marquises nas calçadas das ruas. Esses não são bandidos, mas vítimas.
Os verdadeiros bandidos são os que permitem a manutenção dessa estrutura assimétrica, onde o Brasil ocupa o vergonhoso posto de um dos países mais desiguais do mundo. Bandidos são os que repassam anualmente cerca de 50% do orçamento público para o pagamento de juros ao rentismo. Bandidos são os que atropelam a Constituição, “sem provas, mas com muitas convicções”, para retirar do poder governantes eleitos pela maioria da população. Bandidos são os que atropelam a democracia “com o Supremo, com tudo”.
Há ainda um segundo aspecto que merece atenção. Não é apenas o conceito de “bandidos” que está em disputa, mas também o de “guerra”. Diferente da guerra punitivista contra os mais pobres, como a defendida pela passeata de hoje, o que precisamos é de uma guerra cultural, onde as principais armas são, além do voto, a participação popular e o controle democrático das instituições.
Em outubro deste ano ocorrem eleições para deputados, senadores, governadores e presidente da República. Aí está um bom local para ter início essa guerra de novo tipo.
* Theófilo Rodrigues é professor do Departamento de Ciência Política da UFRJ.
Na manhã deste domingo desfilou pelas ruas da zona sul do Rio de Janeiro uma passeata um pouco diferente das que a cidade está acostumada a assistir. Com cerca de 300 manifestantes, o protesto seguiu até a sede do governo do estado em Laranjeiras para reivindicar do poder público mais investimentos em segurança nos bairros da região.
O pedido é inusitado, para não dizer injusto. Pesquisas e mais pesquisas já apontaram por diversas vezes que o efetivo policial na zona sul, a mais rica área da cidade, é bem maior que o do restante do estado. Regiões mais populosas e carentes de serviços públicos não recebem tanta atenção da segurança pública quanto os bairros da zona sul carioca. Reivindicar por maior concentração de recursos na região seria, portanto, apostar na ampliação da desigualdade na cidade.
Mas, se a agenda já era por si só equivocada, a forma foi ainda mais assustadora. Entre os muitos cartazes, um se destacava: “Guerra aos bandidos”!, clamava em letras garrafais. A pergunta que fica é: quais bandidos?
Pergunta retórica, claro. É intuitivo imaginar que aquela passeata formada por pessoas brancas da zona sul carioca entende que “bandidos” são os jovens negros, pobres e desempregados da cidade. Se somarmos a isso o contexto de intervenção militar na segurança pública da cidade, entenderemos facilmente quais são os perigosos riscos por trás dessa agenda. Perseguição aos mais pobres, desrespeito aos direitos humanos, cerceamento de liberdades individuais são apenas alguns aspectos derivados desse entendimento.
O Brasil precisa de uma “guerra aos bandidos”? Talvez precise. Mas os bandidos que precisam ser enfrentados não moram em favelas ou dormem debaixo de marquises nas calçadas das ruas. Esses não são bandidos, mas vítimas.
Os verdadeiros bandidos são os que permitem a manutenção dessa estrutura assimétrica, onde o Brasil ocupa o vergonhoso posto de um dos países mais desiguais do mundo. Bandidos são os que repassam anualmente cerca de 50% do orçamento público para o pagamento de juros ao rentismo. Bandidos são os que atropelam a Constituição, “sem provas, mas com muitas convicções”, para retirar do poder governantes eleitos pela maioria da população. Bandidos são os que atropelam a democracia “com o Supremo, com tudo”.
Há ainda um segundo aspecto que merece atenção. Não é apenas o conceito de “bandidos” que está em disputa, mas também o de “guerra”. Diferente da guerra punitivista contra os mais pobres, como a defendida pela passeata de hoje, o que precisamos é de uma guerra cultural, onde as principais armas são, além do voto, a participação popular e o controle democrático das instituições.
Em outubro deste ano ocorrem eleições para deputados, senadores, governadores e presidente da República. Aí está um bom local para ter início essa guerra de novo tipo.
* Theófilo Rodrigues é professor do Departamento de Ciência Política da UFRJ.
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