Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
A prisão do coronel Lima, do advogado José Yunes e outros personagens da cozinha de Michel Teme deve ser vista de duas formas.
A primeira, como um novo lance das investigações em torno de esquemas de corrupção em torno de Michel Temer, que levaram para a cadeia personagens como Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves. Nada mais justo que essas denuncias sejam apuradas e investigadas.
A hipótese de que o passo seguinte será o julgamento, condenação e impeachment de Michel Temer, reapareceu em muitas mentes, ainda que, pelo calendário eleitoral, lhe reste uma vida útil de oito meses na Presidência - se tudo andar nos trilhos, em alta velocidade.
Já podemos até imaginar o rufar de frigideiras e panelas - jamais com a mesma estridência do passado, contudo, pois a certeza do logro moralista foi evidente demais para ser esquecida.
Ninguém é a favor da corrupção.
Num país no qual o desencanto com a Lava Jato abriu uma conjuntura de decomposição da democracia e destruição do sistema econômico produtivo, é preciso reconhecer que há outro horizonte mais amplo na paisagem. E é produtivo prestar atenção em outros pontos a nossa frente.
Não é mais possível fingir inocência nem acreditar em contos de fada.
Depois do sempre inesquecível Paraíso Tuiuti, tampouco podemos aceitar o papel de imbecilizados pela Elite do Atraso, como ensinou Jessé de Souza.
Não dá para ter uma dupla consciência. Criticar a operação nos dias em que ela está de folga - e aplaudir freneticamente cada nova prisão, como se não soubéssemos que é apenas parte de um espetáculo manjado, previsível.
A quem gosta de amaldiçoar a herança ibérica e explicar nossos males pelo chamado patrimonialismo, aqui vai uma dica. Após séculos de inquisição contra os infiéis - equivalente aos corruptos de nossa época - portugueses e espanhóis deixaram de ser a vanguarda do progresso da Europa das navegações para se transformar na retaguarda absoluta da democracia e do capitalismo. Creio que poucas culturas pagaram uma lição tão cara pela submissão a um poder totalitário, cimento do absolutismo mais tacanho.
Só conseguiram recuperar algum atraso na segunda metade do século XX. Claro que nem toda semelhança é simples coincidência.
Vamos lembrar o básico. A privilegiada geração de brasileiros que pode conviver com o mais amplo período de liberdades de nossa história republicana, com eleições livres e regulares, já se deu conta de que há um retrocesso em curso, com incertezas e temores que há muito não se via.
Não é possível ignorar que a judicialização da luta política -- da qual as prisões fazem parte como novo capítulo de um imenso folhetim -- abriu as portas para um processo de recolonização.
Assim ocorreu a entrega de nossas riquezas a potencias estrangeiras, em particular os Estados Unidos. Aqui as coisas se esclarecem.
Tratado publicamente como parceiro e homem de confiança de Kenneth Blanco, vice-procurador-geral de Justiça do governo norte-americano, instituição responsável pelas grandes operações anticorrupção em todo planeta, que trouxeram inegáveis ganhos financeiros e novos mercados para os EUA, o ex-PGR Rodrigo Janot não escondeu a alegria com as prisões dos amigos de Temer ao compartilhar uma reportagem com amigos: "Começou? Acho que sim", disse.
Dois anos depois da primeira operação da Lava Jato, tivemos a deposição sem prova de uma presidente eleita e agora enfrentamos um calendário eleitoral ameaçado pela truculência - que tenta impedir a candidatura Lula - e pela impotência de setores conservadores para apresentar um concorrente viável. Este é o ponto central da situação política, a disputa que mobiliza a todos. Porque essa é a saída.
Não vamos pensar em teorias conspiratórias. Mas é obvio que um esforço para derrubar um presidente da República, quando faltam poucos meses para a eleição presidencial, irá produzir a encenação necessária para quem trabalha para conseguir, no mínimo, uma mudança nas regras que permita o adiamento do pleito. Assoprado por assessores assombrados pela perspectiva de uma derrota inevitável nas urnas, a conversa está todos os dias nas colunas informativas de jornais.
As prisões dos super-aliados de Temer ocorrem nesse processo e foram celebradas pela colunista Miriam Leitão em termos festivos, como demonstração de que a guerra continua. Em tom de revanche, lembrando as duas tentativas de investigar Temer derrubadas no Congresso, Miriam Leitão avaliou: "pode ter conseguido livrar-se no Congresso de duas denúncias feitas pela Procuradoria-Geral da República, mas não se blindou contra as investigações. E o processo não está para ser arquivado".
Difícil imaginar que quadros tão qualificados e competentes na defesa dos pontos de vista da ordem vigente não tenham uma noção clara de seus interesses.
Os prisioneiros são personagens sob medida para o papel que devem cumprir no Brasil no final de março de 2018. Atingidos por denúncias de todo tipo, são homens de confiança de um presidente impopular como poucos, atolado em denúncias de corrupção como raras vezes se viu. Quem terá ânimo levantar um dedo em sua defesa? Quem será solidário com Temer, capaz de trair os ideais de democracia e compromissos públicos sempre que era conveniente?
No centro do espetáculo, seu papel é ilustrar a batalha de longo curso que se desenvolve no mundo político-jurídico do país. Aqui está, invisível, o processo que importa.
O mesmo Barroso que autorizou as prisões irá enfrentar, nesta quarta-feira, no plenário do STF, uma batalha que, tudo indica, pode representar uma vitória importante na reconstrução do Estado Democrático de Direito – a votação do habeas corpus apresentado pela defesa de Lula, para garantir sua presunção de inocência após uma denúncia absurda em torno de um apartamento que nunca foi seu. Como sabemos, a Barroso está reservada uma derrota nessa batalha. Cármen Lúcia é aliada de Barroso e tem se empenhado em impedir que o plenário vote ações de inconstitucionalidade que poderiam permitir uma mudança mais ampla.
As prisões são uma via para que, mesmo derrotado na batalha, Barroso não seja derrotado e seu esforço para consolidar poderes excepcionais do Poder Judiciário sobre a democracia. O horizonte não é Temer mas quem vier por aí.
O que está em curso é a consolidação de um regime de tutela judicial sobre presidentes eleitos, que, em vez de representantes da soberania popular sejam transformados em bibelôs dos órgãos de controle.
A prisão do coronel Lima, do advogado José Yunes e outros personagens da cozinha de Michel Teme deve ser vista de duas formas.
A primeira, como um novo lance das investigações em torno de esquemas de corrupção em torno de Michel Temer, que levaram para a cadeia personagens como Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves. Nada mais justo que essas denuncias sejam apuradas e investigadas.
A hipótese de que o passo seguinte será o julgamento, condenação e impeachment de Michel Temer, reapareceu em muitas mentes, ainda que, pelo calendário eleitoral, lhe reste uma vida útil de oito meses na Presidência - se tudo andar nos trilhos, em alta velocidade.
Já podemos até imaginar o rufar de frigideiras e panelas - jamais com a mesma estridência do passado, contudo, pois a certeza do logro moralista foi evidente demais para ser esquecida.
Ninguém é a favor da corrupção.
Num país no qual o desencanto com a Lava Jato abriu uma conjuntura de decomposição da democracia e destruição do sistema econômico produtivo, é preciso reconhecer que há outro horizonte mais amplo na paisagem. E é produtivo prestar atenção em outros pontos a nossa frente.
Não é mais possível fingir inocência nem acreditar em contos de fada.
Depois do sempre inesquecível Paraíso Tuiuti, tampouco podemos aceitar o papel de imbecilizados pela Elite do Atraso, como ensinou Jessé de Souza.
Não dá para ter uma dupla consciência. Criticar a operação nos dias em que ela está de folga - e aplaudir freneticamente cada nova prisão, como se não soubéssemos que é apenas parte de um espetáculo manjado, previsível.
A quem gosta de amaldiçoar a herança ibérica e explicar nossos males pelo chamado patrimonialismo, aqui vai uma dica. Após séculos de inquisição contra os infiéis - equivalente aos corruptos de nossa época - portugueses e espanhóis deixaram de ser a vanguarda do progresso da Europa das navegações para se transformar na retaguarda absoluta da democracia e do capitalismo. Creio que poucas culturas pagaram uma lição tão cara pela submissão a um poder totalitário, cimento do absolutismo mais tacanho.
Só conseguiram recuperar algum atraso na segunda metade do século XX. Claro que nem toda semelhança é simples coincidência.
Vamos lembrar o básico. A privilegiada geração de brasileiros que pode conviver com o mais amplo período de liberdades de nossa história republicana, com eleições livres e regulares, já se deu conta de que há um retrocesso em curso, com incertezas e temores que há muito não se via.
Não é possível ignorar que a judicialização da luta política -- da qual as prisões fazem parte como novo capítulo de um imenso folhetim -- abriu as portas para um processo de recolonização.
Assim ocorreu a entrega de nossas riquezas a potencias estrangeiras, em particular os Estados Unidos. Aqui as coisas se esclarecem.
Tratado publicamente como parceiro e homem de confiança de Kenneth Blanco, vice-procurador-geral de Justiça do governo norte-americano, instituição responsável pelas grandes operações anticorrupção em todo planeta, que trouxeram inegáveis ganhos financeiros e novos mercados para os EUA, o ex-PGR Rodrigo Janot não escondeu a alegria com as prisões dos amigos de Temer ao compartilhar uma reportagem com amigos: "Começou? Acho que sim", disse.
Dois anos depois da primeira operação da Lava Jato, tivemos a deposição sem prova de uma presidente eleita e agora enfrentamos um calendário eleitoral ameaçado pela truculência - que tenta impedir a candidatura Lula - e pela impotência de setores conservadores para apresentar um concorrente viável. Este é o ponto central da situação política, a disputa que mobiliza a todos. Porque essa é a saída.
Não vamos pensar em teorias conspiratórias. Mas é obvio que um esforço para derrubar um presidente da República, quando faltam poucos meses para a eleição presidencial, irá produzir a encenação necessária para quem trabalha para conseguir, no mínimo, uma mudança nas regras que permita o adiamento do pleito. Assoprado por assessores assombrados pela perspectiva de uma derrota inevitável nas urnas, a conversa está todos os dias nas colunas informativas de jornais.
As prisões dos super-aliados de Temer ocorrem nesse processo e foram celebradas pela colunista Miriam Leitão em termos festivos, como demonstração de que a guerra continua. Em tom de revanche, lembrando as duas tentativas de investigar Temer derrubadas no Congresso, Miriam Leitão avaliou: "pode ter conseguido livrar-se no Congresso de duas denúncias feitas pela Procuradoria-Geral da República, mas não se blindou contra as investigações. E o processo não está para ser arquivado".
Difícil imaginar que quadros tão qualificados e competentes na defesa dos pontos de vista da ordem vigente não tenham uma noção clara de seus interesses.
Os prisioneiros são personagens sob medida para o papel que devem cumprir no Brasil no final de março de 2018. Atingidos por denúncias de todo tipo, são homens de confiança de um presidente impopular como poucos, atolado em denúncias de corrupção como raras vezes se viu. Quem terá ânimo levantar um dedo em sua defesa? Quem será solidário com Temer, capaz de trair os ideais de democracia e compromissos públicos sempre que era conveniente?
No centro do espetáculo, seu papel é ilustrar a batalha de longo curso que se desenvolve no mundo político-jurídico do país. Aqui está, invisível, o processo que importa.
O mesmo Barroso que autorizou as prisões irá enfrentar, nesta quarta-feira, no plenário do STF, uma batalha que, tudo indica, pode representar uma vitória importante na reconstrução do Estado Democrático de Direito – a votação do habeas corpus apresentado pela defesa de Lula, para garantir sua presunção de inocência após uma denúncia absurda em torno de um apartamento que nunca foi seu. Como sabemos, a Barroso está reservada uma derrota nessa batalha. Cármen Lúcia é aliada de Barroso e tem se empenhado em impedir que o plenário vote ações de inconstitucionalidade que poderiam permitir uma mudança mais ampla.
As prisões são uma via para que, mesmo derrotado na batalha, Barroso não seja derrotado e seu esforço para consolidar poderes excepcionais do Poder Judiciário sobre a democracia. O horizonte não é Temer mas quem vier por aí.
O que está em curso é a consolidação de um regime de tutela judicial sobre presidentes eleitos, que, em vez de representantes da soberania popular sejam transformados em bibelôs dos órgãos de controle.
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