Por Joan Edesson de Oliveira, no site Vermelho:
“E Nhô Augusto fechou os olhos, de gastura, porque ele sabia que capiau de testa peluda, com o cabelo quase nos olhos, é uma raça de homem capaz de guardar o passado em casa, em lugar fresco perto do pote, e ir buscar da rua outras raivas pequenas, tudo para ajuntar à massa-mãe do ódio grande, até chegar o dia de tirar vingança.” João Guimarães Rosa, em A hora e a vez de Augusto Matraga
Mestre João Guimarães sabia de coisas. O que vivemos hoje no Brasil combina perfeitamente com a sua descrição. Setores cada vez mais agressivos babam de ódio enquanto aguardam pelo dia de tirar vingança. Essa vingança só se consumará com a prisão de Lula ou com coisa pior, a julgar pelos ataques recentes contra a sua caravana. A massa-mãe do ódio grande é alimentada diariamente pelas outras raivas pequenas.
Há uma escalada nesse ódio. É como se, nos últimos anos, ele perdesse o pudor, a vergonha. Não é que ele não existisse antes. Esse ódio é antigo. Comparem a fotografia de um homem com um relho na mão açoitando um manifestante e vejam uma das gravuras de Jean-Baptiste Debret do açoite de escravos. As imagens são muito parecidas. O ódio de hoje é descendente direto daquele ódio do passado. Se compararmos as duas imagens, veremos ali a comprovação da afirmação do sociólogo Jessé Souza, de que “o ódio ao pobre é a versão moderna do ódio ao escravo”.
Há uma máquina em funcionamento para alimentar e fomentar esse ódio. Não podemos achar que ele se resume aos que estão nas ruas, seja o agroboy bem-nascido, louro e de olhos azuis, seja o mulato remediado que ignora que aquele ódio se voltará contra ele cedo ou tarde. Por trás desses há uma engrenagem de fabricação do ódio, em grandes conglomerados empresariais, em redações de jornais e emissoras de televisão, em agrupamentos políticos.
Há um ódio desgrenhado, ensandecido, de pedras e paus e relhos na mão, que toma as ruas. E há um ódio comportado, disfarçado, escondido sob ternos bem cortados e habitando em salões requintados. O segundo manipula os cordéis que põem os primeiros em movimento. Mas eles são um só, a sua matriz é a mesma.
O nome do ódio é fascismo, essa é a sua alcunha. Alguns amigos reclamam do uso da palavra. Dizem que assim banalizamos o fascismo, que não é bem isso, que é outra coisa, que não devemos usar o termo em vão. Temem a palavra fascismo. Querem caracterizar o que há como episódios banais de violência, da violência nossa de cada dia, e não como violência política, explicitamente política, com claro lastro ideológico. Agem como os bruxinhos de Hogwarts, que não pronunciavam o nome de Voldemort, achando que assim estariam a salvo das suas maldades.
Mas não há outro nome. O ódio que vimos hoje, essa massa-mãe de ódio grande da qual falava o mestre João, atende por esse nome, responde pelo nome de fascismo. Para quem duvida, recomendo a leitura do texto “O fascismo eterno”, de Umberto Eco, facilmente encontrado em rápida pesquisa na internet. Ali, ele elenca quatorze características do fascismo contemporâneo, afirmando que basta a existência de uma delas para que em seu redor se forme uma “nebulosa fascista”. Leiam o texto e garanto que encontrarão pelo menos metade daquelas características no Brasil de hoje.
Se esse ódio é representação do fascismo, não há outro caminho senão combatê-lo e derrotá-lo. E só podemos derrotá-lo com unidade e luta. Sem a combinação dessas duas variáveis não há como chegar a vitória. Uma grande e ampla frente em defesa da democracia pode barrar o avanço do fascismo. Para isso, é necessário primeiro reconhecer que há uma ameaça fascista, sem tergiversar, sem tentar lhe dar outros nomes.
Ou reconhecemos que há uma ameaça e nos dispomos a construir a unidade para o seu enfrentamento, ou sucumbiremos tal como nhô Augusto frente aos porretes dos cacundeiros do Major Consilva. Os cacundeiros, já vimos, estão nas ruas, com relhos, pedras, porretes e revólveres nas mãos.
“E Nhô Augusto fechou os olhos, de gastura, porque ele sabia que capiau de testa peluda, com o cabelo quase nos olhos, é uma raça de homem capaz de guardar o passado em casa, em lugar fresco perto do pote, e ir buscar da rua outras raivas pequenas, tudo para ajuntar à massa-mãe do ódio grande, até chegar o dia de tirar vingança.” João Guimarães Rosa, em A hora e a vez de Augusto Matraga
Mestre João Guimarães sabia de coisas. O que vivemos hoje no Brasil combina perfeitamente com a sua descrição. Setores cada vez mais agressivos babam de ódio enquanto aguardam pelo dia de tirar vingança. Essa vingança só se consumará com a prisão de Lula ou com coisa pior, a julgar pelos ataques recentes contra a sua caravana. A massa-mãe do ódio grande é alimentada diariamente pelas outras raivas pequenas.
Há uma escalada nesse ódio. É como se, nos últimos anos, ele perdesse o pudor, a vergonha. Não é que ele não existisse antes. Esse ódio é antigo. Comparem a fotografia de um homem com um relho na mão açoitando um manifestante e vejam uma das gravuras de Jean-Baptiste Debret do açoite de escravos. As imagens são muito parecidas. O ódio de hoje é descendente direto daquele ódio do passado. Se compararmos as duas imagens, veremos ali a comprovação da afirmação do sociólogo Jessé Souza, de que “o ódio ao pobre é a versão moderna do ódio ao escravo”.
Há uma máquina em funcionamento para alimentar e fomentar esse ódio. Não podemos achar que ele se resume aos que estão nas ruas, seja o agroboy bem-nascido, louro e de olhos azuis, seja o mulato remediado que ignora que aquele ódio se voltará contra ele cedo ou tarde. Por trás desses há uma engrenagem de fabricação do ódio, em grandes conglomerados empresariais, em redações de jornais e emissoras de televisão, em agrupamentos políticos.
Há um ódio desgrenhado, ensandecido, de pedras e paus e relhos na mão, que toma as ruas. E há um ódio comportado, disfarçado, escondido sob ternos bem cortados e habitando em salões requintados. O segundo manipula os cordéis que põem os primeiros em movimento. Mas eles são um só, a sua matriz é a mesma.
O nome do ódio é fascismo, essa é a sua alcunha. Alguns amigos reclamam do uso da palavra. Dizem que assim banalizamos o fascismo, que não é bem isso, que é outra coisa, que não devemos usar o termo em vão. Temem a palavra fascismo. Querem caracterizar o que há como episódios banais de violência, da violência nossa de cada dia, e não como violência política, explicitamente política, com claro lastro ideológico. Agem como os bruxinhos de Hogwarts, que não pronunciavam o nome de Voldemort, achando que assim estariam a salvo das suas maldades.
Mas não há outro nome. O ódio que vimos hoje, essa massa-mãe de ódio grande da qual falava o mestre João, atende por esse nome, responde pelo nome de fascismo. Para quem duvida, recomendo a leitura do texto “O fascismo eterno”, de Umberto Eco, facilmente encontrado em rápida pesquisa na internet. Ali, ele elenca quatorze características do fascismo contemporâneo, afirmando que basta a existência de uma delas para que em seu redor se forme uma “nebulosa fascista”. Leiam o texto e garanto que encontrarão pelo menos metade daquelas características no Brasil de hoje.
Se esse ódio é representação do fascismo, não há outro caminho senão combatê-lo e derrotá-lo. E só podemos derrotá-lo com unidade e luta. Sem a combinação dessas duas variáveis não há como chegar a vitória. Uma grande e ampla frente em defesa da democracia pode barrar o avanço do fascismo. Para isso, é necessário primeiro reconhecer que há uma ameaça fascista, sem tergiversar, sem tentar lhe dar outros nomes.
Ou reconhecemos que há uma ameaça e nos dispomos a construir a unidade para o seu enfrentamento, ou sucumbiremos tal como nhô Augusto frente aos porretes dos cacundeiros do Major Consilva. Os cacundeiros, já vimos, estão nas ruas, com relhos, pedras, porretes e revólveres nas mãos.
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