Ao exigir a participação de Lula nas sabatinas presidenciais, o Partido dos Trabalhadores presta um serviço ao país e a democracia.
Explico. Em nenhuma parte do mundo é aceitável imaginar que aquele candidato que lidera todas as pesquisas de opinião, em todas as simulações, seja excluído das sabatinas que são oferecidas a maioria competitiva dos concorrentes e mesmo àqueles que só parecem ser ouvidos porque são amigos do dono da casa.
Embora esteja preso e condenado a 12 anos e um mês, neste momento Lula é tão candidato quanto qualquer um dos demais concorrentes convidados a falar a Folha, ao SBT ou qualquer outro veículo interessado na cobertura eleitoral. Como Ciro Gomes e Guilherme Boulos, Geraldo Alckmin, Jair Bolsonaro e quem mais você se quiser, todos são auto-candidatos -- como Lula.
Não há nenhuma diferença política ou jurídica entre eles.
Todos contam, apenas, com o apoio teórico de seus partidos -- mas só se tornarão candidatos, efetivamente, depois de cumprir várias etapas legais. Primeiro, seus nomes devem ser aprovados em convenção. Depois que isso acontecer, a respectiva candidatura precisa ser registrada e aprovada -- ou recusada, sabemos todos - pelo Tribunal Superior Eleitoral. Até lá, todos são pré-candidatos, passíveis de impugnação ou desistência por motivos mais variados. Podemos até especular qualquer coisa a respeito de qualquer um deles.
Quem iria adivinhar, por exemplo, que Joaquim Barbosa iria jogar a toalha antes de entrar no ringue? Quem pode apostar de olhos fechados que Geraldo Alckmin não pode cair fulminado por uma delação de Paulo Preto e ser abandonado na estrada por seu partido?
Essas hipóteses mostram como seria injusto e absurdo um veículo de comunicação dar um tratamento diferenciado a qualquer um dos atuais candidatos. Não é seu papel. Ainda mais, quando se trata do preferido pela população.
Lembrando que a cobertura eleitoral envolve o interesse público, e não se trata de um simples evento privado, como a crítica de um filme ou lançamento de um produto comercial, Lula tem o direito de ser convidado a participar das sabatinas e decidir, por conta própria, se participa ou não.
Pode aceitar todos os convites, ou só alguns. Ou nenhum. Caberá a seus assessores e advogados encaminhar o convite e aguardar por sua decisão. Lula, o principal interessado, e só ele, tem o direito a palavra final.
Como se trata de uma pena em regime fechado, não podemos imaginar a hipótese de Lula deixar a cela solitária para dirigir-se aos estúdios do SBT ou sede da Folha.
Cabe, no entanto, outra possibilidade. Solicitar que as portas da cadeia sejam abertas para que Lula possa ser ouvido ali mesmo, em entrevista -- hipótese prevista nas regras de todas as prisões do país.
A Lei de Execução Penal, no parágrafo XV do artigo 41, diz que constitui direito do preso "manter contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes".
Há antecedentes. Em função do parágrafo XV do artigo 41, periodicamente podemos ler nos jornais, ouvir no rádio e ver na televisão reportagens e entrevistas com prisioneiros. Mesmo criminosos de alto calibre costumam dar seu depoimento, vez por outra. Ninguém acha ruim.
Não se trata de uma garantia absoluta, é certo. Como acontece com qualquer cidadão, o prisioneiro só será ouvido em entrevista se autorizar. Não pode ser obrigado a falar, claro.
A mesma Lei de Execução Penal prevê, no parágrafo único do artigo XVI, que estes direitos poderão ser "suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento".
Isso quer dizer que a juíza Carolina Lebbos -- ou o responsável pela carceragem da Polícia Federal -- têm até o direito de impedir uma possível entrevista de Lula a Folha, ou mesmo o ingresso de câmaras de TV do SBT ou qualquer outra emissora na sede da PF em Curitiba para que seja ouvido. Não se trata, porém, de um simples ato de vontade, ao sabor das conveniências da autoridade. Como você pode ler, a decisão deve ser "ato motivado", conforme do mesmo parágrafo do artigo XVI da Lei 7210.
Isso quer dizer que a decisão precisa ser explicada e justificada do ponto de vista legal. Também quer dizer que pode ser contestada em instâncias superiores.
De qualquer modo, cabe lembrar que a Lei de Execução Penal foi assinada em 1984, quando o general João Figueiredo ocupava a presidência da República e o país vivia sob uma ditadura militar. Quer dizer: mesmo nessa situação, sob um regime cuja marca era a intolerância e o despeito às garantias democráticas, a lei reconhecia o direito de todo prisioneiro manter "contato com o mundo exterior".
Conhecendo as incertezas e inseguranças da República de Curitiba, podemos até imaginar que essa tentativa legítima de assegurar que Lula exerça um direito previsto em lei seja vetada pela autoridade responsável, seja a juíza Carolina Lebbos ou quem for. Pode ser.
Mesmo neste caso, não cabe a um veículo de comunicação, a Folha, o SBT ou qualquer outro, assumir as funções de carcereiro de Lula e negar-lhe um direito que a lei prevê. Seria um vexame inesquecível num período histórico pelo qual a mídia já tem muitas contas a prestar, desde o apoio ao impeachment sem prova de Dilma Rousseff.
A questão é saber o que fazer numa hora como a atual.
Em vez de auto-censura, cabe fazer o possível para assegurar o direito de informação aos brasileiros e brasileiras. É uma obrigação do jornalismo e dos jornalistas. Do ponto de vista dos eleitores e da democracia, não há dúvida sobre o que fazer.
Na dúvida, basta ouvir as palavras de Ricardo Lewandovski, do STF, em jantar no qual foi homenageado:
"Nós precisamos voltar a ser cidadãos, a tomar parte na política, a defender o Estado Democrático de Direito, as garantias fundamentais que estão na Constituição, sejamos nós advogados, juízes, jornalistas ou profissionais de outras áreas. Precisamos tomar partido porque hoje vivemos dias sombrios, difíceis. Temos que tomar partido nesta luta"
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