Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Acabo de participar, na Câmara de Deputados, de uma audiência sobre fake news, uma iniciativa bastante oportuna do deputado Hildo Rocha (MDB-MA).
A palavra oportuna se justifica por uma razão óbvia.
Num momento no qual o ministro Luiz Fux, do TSE, anuncia o projeto de criar um conselho para monitorar a divulgação de notícias pela internet, identificar notícias falsas e exigir que sejam retiradas de sites, portais e blogues, o debate real é outro.
Envolve a defesa do artigo 5/IX da Constituição brasileira, onde se diz que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença."
Impossível deixar de reconhecer a nova cena do filme. Após a AP 470 e a Lava Jato, o golpe que afastou Dilma, a intervenção militar no Rio de Janeiro e condenação de Lula, que contraria todas as provas documentais disponíveis, o novo passo para a consolidação de um regime de exceção é a censura.
Sua estréia foi um vexame espetacular, envolvendo uma tentativa de impedir a divulgação da notícia de que um consultor do Vaticano foi proibido de encontrar-se com Lula em seu cárcere de Curitiba, a quem pretendia entregar um terço abençoado pelo Papa Francisco, além de lhe transmitir uma mensagem pessoal do Sumo Pontífice. A alegação, com base no serviço de duas agências de monitoramento de notícias, era que se tratava de informação falsa. Errado -- como o próprio Vaticano iria esclarecer depois.
Embora convidado para a audiência na Câmara, o próprio Fux não compareceu. Reunindo parlamentares, acadêmicos, vários jornalistas, um represente das empresas de comunicação e uma executiva do Facebook, o debate permitiu esclarecer opiniões e formar um quadro do debate real.
Reconhecendo que erros e notícias falsas fazem parte da história do jornalismo desde os tempos de Gutemberg, não há dúvida de que toda tentativa de impedir a publicação de uma notícia com o argumento de que se trata de fake news é uma forma de censura. Há uma complicação suplementar.
Considerando que a liberdade de expressão faz parte dos direitos e garantias individuais, e que estes integram o bloco de cláusulas pétreas, que não podem ser modificadas nem por emenda aprovada por 2/3 do plenário, mas apenas por uma nova Constituição, é fácil entender que o debate sobre proibir fake news tem sido travado de forma irresponsável.
"Censura travestida", define a Folha de S. Paulo em editorial publicado neste domingo, na mesma edição na qual, em artigo assinado, Octávio Frias Filho, dono do jornal, rejeita a hipótese de uma intervenção militar como um projeto inviável para o país: "Uma intervenção militar demandaria, além de condições históricas que hoje não parecem presentes, uma sociedade mais simples, mais rudimentar e primitiva, que já desapareceu entre nós há várias décadas".
Mesmo que a censura - traço indiscutível do regime militar de 64 - fosse restabelecida com argumentos geniais, irrespondíveis, seria uma decisão a margem da lei e da Constituição. Inaplicável, portanto. O raciocínio empregado para tentar justificar a censura prévia sem o emprego dessa palavra constitucionalmente proibida é só um pouco sinuoso, como se viu na Câmara.
Fux já chegou a falar que o eleitor não pode votar desinformado.
Ontem, na Câmara, seus defensores sustentavam argumentos na mesma linha. Diziam que, no Brasil, num país onde a má qualidade da educação é um fato inegável, os eleitores são cidadãos sempre disponíveis a toda manipulação, em especial a partir de notícias falsas divulgadas como se verdadeiras fossem.
Esta é a questão. A censura sempre se apresentar como uma atividade destinada a fazer bem. No passado, a finalidade era impedir a propagação de ideias consideradas subversivas ou proteger a moral e os bons costumes. Imaturos, mal educados, os brasileiros não eram capazes de tomar a decisão sozinhos, conforme sua consciência. Aliás, durante 25 anos não estavam preparados nem para votar, não é mesmo?
O problema desse falso paternalismo, que pretende tutelar a consciência do eleitor com o argumento de que as escolas do país são ruins, é que a tese não dobra a esquina. O escândalo das fake news nasceu na eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, onde a educação possui muitos defeitos -- mas não pode ser considerada ruim pela média mundial. Outro país é a Inglaterra, na qual culpa-se a fake news espalhadas pelos adversários da União Européia pelo Brexit.
Um dos progressos inegáveis do jornalismo de nosso época foi reconhecer que se trata de uma atividade subjetiva, sujeita às opiniões, competências e mesmo faltas involuntárias de repórteres e editores. Longe de ser a manifestação de uma verdade quimicamente pura, produto de uma linha de montagem, constitui aquilo que se chama "expressão possível da verdade".
Esta noção permite compatibilizar artigos e textos que têm pontos de vista opostos, capazes de chegar a conclusões diversas sobre um mesmo tema, como exemplos de bom jornalismo, desde que produzidos conforme métodos e padrões aceitáveis.
Essa realidade mostra um fato inegável. Se é sempre um desafio alcançar a "expressão possível da verdade", é até mais complicado, demonstrar que uma notícia é uma fake news. O esforço é duplo. Além de possuir um conhecimento completo dos fatos e personagens em discussão, é preciso fazer uma segunda investigação -- para demonstrar que foram estruturadas numa narrativa falsa, de má fé.
Para dar um exemplo fácil de entender. Em 1971, quando precisava esconder que o empresário Rubens Paiva fora assassinato sob tortura em dependências militares, o comando da ditadura fabricou uma versão absurda e tenebrosa. Divulgou que um automóvel que transportava Rubens Paiva pelo Rio de Janeiro foi interceptado por um comando terrorista, de onde o empresário foi retirado e conduzido para um paradeiro desconhecido. Embora fosse um relato sem pé nem cabeça, foi preciso aguardar mais de quatro décadas para que a verdade fosse esclarecida e até hoje não se tem informações definitivas sobre seu corpo.
Não há dúvida que notícias falsas sempre são prejudiciais a um país, pois distorcem a visão da realidade e modificam artificialmente o debate político. O remédio para isso, no entanto, não é menos liberdade, mas mais democracia. Vale uma regra elementar: quando mais fechado for o sistema de comunicação de um país, menos será o debate de ideias, o confronto de posições. Mais fácil será manipular os cidadãos.
Nascido em meio a campanha eleitoral norte-americana, é muito possível que, no futuro, o termo fake news seja reconhecido como mais uma palavra no xingatório geral das campanhas eleitorais.
Até hoje os Democratas que acusaram Trump de produzir notícias falsas para destruir a candidatura de Hillary Clinton e virar a campanha presidencial de 2016 não conseguiram provar seu ponto. Ao menos em teoria, pode-se até concluir no futuro que tudo não passou de uma fake fake news -- como a lorota de que o terço do papa a Lula era uma invenção de três portais de esquerda -- 247, Diário do Centro do Mundo, Fórum -- com auxílio de um malandro portenho.
Ainda assim, ninguém imagina, nos Estados Unidos, que na próxima eleição presidencial, em 2020, as autoridades eleitorais daquele país irão submeter os portais e sites dos EUA a censura prévia para impedir a divulgação de notícias falsas.
Alguma dúvida?
Acabo de participar, na Câmara de Deputados, de uma audiência sobre fake news, uma iniciativa bastante oportuna do deputado Hildo Rocha (MDB-MA).
A palavra oportuna se justifica por uma razão óbvia.
Num momento no qual o ministro Luiz Fux, do TSE, anuncia o projeto de criar um conselho para monitorar a divulgação de notícias pela internet, identificar notícias falsas e exigir que sejam retiradas de sites, portais e blogues, o debate real é outro.
Envolve a defesa do artigo 5/IX da Constituição brasileira, onde se diz que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença."
Impossível deixar de reconhecer a nova cena do filme. Após a AP 470 e a Lava Jato, o golpe que afastou Dilma, a intervenção militar no Rio de Janeiro e condenação de Lula, que contraria todas as provas documentais disponíveis, o novo passo para a consolidação de um regime de exceção é a censura.
Sua estréia foi um vexame espetacular, envolvendo uma tentativa de impedir a divulgação da notícia de que um consultor do Vaticano foi proibido de encontrar-se com Lula em seu cárcere de Curitiba, a quem pretendia entregar um terço abençoado pelo Papa Francisco, além de lhe transmitir uma mensagem pessoal do Sumo Pontífice. A alegação, com base no serviço de duas agências de monitoramento de notícias, era que se tratava de informação falsa. Errado -- como o próprio Vaticano iria esclarecer depois.
Embora convidado para a audiência na Câmara, o próprio Fux não compareceu. Reunindo parlamentares, acadêmicos, vários jornalistas, um represente das empresas de comunicação e uma executiva do Facebook, o debate permitiu esclarecer opiniões e formar um quadro do debate real.
Reconhecendo que erros e notícias falsas fazem parte da história do jornalismo desde os tempos de Gutemberg, não há dúvida de que toda tentativa de impedir a publicação de uma notícia com o argumento de que se trata de fake news é uma forma de censura. Há uma complicação suplementar.
Considerando que a liberdade de expressão faz parte dos direitos e garantias individuais, e que estes integram o bloco de cláusulas pétreas, que não podem ser modificadas nem por emenda aprovada por 2/3 do plenário, mas apenas por uma nova Constituição, é fácil entender que o debate sobre proibir fake news tem sido travado de forma irresponsável.
"Censura travestida", define a Folha de S. Paulo em editorial publicado neste domingo, na mesma edição na qual, em artigo assinado, Octávio Frias Filho, dono do jornal, rejeita a hipótese de uma intervenção militar como um projeto inviável para o país: "Uma intervenção militar demandaria, além de condições históricas que hoje não parecem presentes, uma sociedade mais simples, mais rudimentar e primitiva, que já desapareceu entre nós há várias décadas".
Mesmo que a censura - traço indiscutível do regime militar de 64 - fosse restabelecida com argumentos geniais, irrespondíveis, seria uma decisão a margem da lei e da Constituição. Inaplicável, portanto. O raciocínio empregado para tentar justificar a censura prévia sem o emprego dessa palavra constitucionalmente proibida é só um pouco sinuoso, como se viu na Câmara.
Fux já chegou a falar que o eleitor não pode votar desinformado.
Ontem, na Câmara, seus defensores sustentavam argumentos na mesma linha. Diziam que, no Brasil, num país onde a má qualidade da educação é um fato inegável, os eleitores são cidadãos sempre disponíveis a toda manipulação, em especial a partir de notícias falsas divulgadas como se verdadeiras fossem.
Esta é a questão. A censura sempre se apresentar como uma atividade destinada a fazer bem. No passado, a finalidade era impedir a propagação de ideias consideradas subversivas ou proteger a moral e os bons costumes. Imaturos, mal educados, os brasileiros não eram capazes de tomar a decisão sozinhos, conforme sua consciência. Aliás, durante 25 anos não estavam preparados nem para votar, não é mesmo?
O problema desse falso paternalismo, que pretende tutelar a consciência do eleitor com o argumento de que as escolas do país são ruins, é que a tese não dobra a esquina. O escândalo das fake news nasceu na eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, onde a educação possui muitos defeitos -- mas não pode ser considerada ruim pela média mundial. Outro país é a Inglaterra, na qual culpa-se a fake news espalhadas pelos adversários da União Européia pelo Brexit.
Um dos progressos inegáveis do jornalismo de nosso época foi reconhecer que se trata de uma atividade subjetiva, sujeita às opiniões, competências e mesmo faltas involuntárias de repórteres e editores. Longe de ser a manifestação de uma verdade quimicamente pura, produto de uma linha de montagem, constitui aquilo que se chama "expressão possível da verdade".
Esta noção permite compatibilizar artigos e textos que têm pontos de vista opostos, capazes de chegar a conclusões diversas sobre um mesmo tema, como exemplos de bom jornalismo, desde que produzidos conforme métodos e padrões aceitáveis.
Essa realidade mostra um fato inegável. Se é sempre um desafio alcançar a "expressão possível da verdade", é até mais complicado, demonstrar que uma notícia é uma fake news. O esforço é duplo. Além de possuir um conhecimento completo dos fatos e personagens em discussão, é preciso fazer uma segunda investigação -- para demonstrar que foram estruturadas numa narrativa falsa, de má fé.
Para dar um exemplo fácil de entender. Em 1971, quando precisava esconder que o empresário Rubens Paiva fora assassinato sob tortura em dependências militares, o comando da ditadura fabricou uma versão absurda e tenebrosa. Divulgou que um automóvel que transportava Rubens Paiva pelo Rio de Janeiro foi interceptado por um comando terrorista, de onde o empresário foi retirado e conduzido para um paradeiro desconhecido. Embora fosse um relato sem pé nem cabeça, foi preciso aguardar mais de quatro décadas para que a verdade fosse esclarecida e até hoje não se tem informações definitivas sobre seu corpo.
Não há dúvida que notícias falsas sempre são prejudiciais a um país, pois distorcem a visão da realidade e modificam artificialmente o debate político. O remédio para isso, no entanto, não é menos liberdade, mas mais democracia. Vale uma regra elementar: quando mais fechado for o sistema de comunicação de um país, menos será o debate de ideias, o confronto de posições. Mais fácil será manipular os cidadãos.
Nascido em meio a campanha eleitoral norte-americana, é muito possível que, no futuro, o termo fake news seja reconhecido como mais uma palavra no xingatório geral das campanhas eleitorais.
Até hoje os Democratas que acusaram Trump de produzir notícias falsas para destruir a candidatura de Hillary Clinton e virar a campanha presidencial de 2016 não conseguiram provar seu ponto. Ao menos em teoria, pode-se até concluir no futuro que tudo não passou de uma fake fake news -- como a lorota de que o terço do papa a Lula era uma invenção de três portais de esquerda -- 247, Diário do Centro do Mundo, Fórum -- com auxílio de um malandro portenho.
Ainda assim, ninguém imagina, nos Estados Unidos, que na próxima eleição presidencial, em 2020, as autoridades eleitorais daquele país irão submeter os portais e sites dos EUA a censura prévia para impedir a divulgação de notícias falsas.
Alguma dúvida?
0 comentários:
Postar um comentário