Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
A imprensa comercial brasileira vai mal das pernas. E não é de hoje. No conjunto das crises pelas quais passa o setor estão questões ligadas à tecnologia, ao novo mercado publicitário, à economia contemporânea da informação. Sem falar da crise econômica, que teria na diminuição das receitas das empresas uma primeira correia de transmissão. Mas tudo isso é apenas consequência de uma perda muito maior: a da credibilidade.
As empresas de comunicação podem tentar jogar a responsabilidade para todos os lados. Culpar as redes sociais – que elas tentam imitar num jogo autodestrutivo de seu patrimônio de relevância – e moralizar a concorrência da mídia popular. Mas não se trata apenas de uma crise do negócio.
No que diz respeito à sustentabilidade, deixou de lado a alegada imparcialidade para se filiar abertamente às pautas partidárias. Em matéria de linguagem, trocou a relevância social pela audiência espetacular, corrompendo sua missão básica de informar para assumir o papel misto de animador de auditório e fiador ideológico do mercado.
A cada dia a crise do jornalismo hegemônico exibe novas manchetes possíveis, mas que não frequentam as páginas dos jornalões. Nos últimos dias, foi divulgado mais um capítulo do ocaso da Editora Abril, que prepara nova onda de demissão e fechamento de publicações. A ideia é salvar a revista Veja, que se tornou ao mesmo tempo o motor da crise e justificação da empresa.
Desde que assumiu a ponta de lança do jornalismo de guerrilha conservador, a revista vem fazendo mal ao país. Ajudou a desestruturar a economia, investiu na intolerância política, hasteou a bandeira do pensamento único. Mente, destrói pessoas e instituições públicas e encabeça ações antipopulares.
No entanto, ao capitanear o pensamento conservador para o grande público, com uma espécie de porta-voz da reação, viu sua receita publicitária inchar além dos resultados, como paga por seu alinhamento conservador com setores do mercado e, principalmente, do governo de exceção. Com isso, ficou refém do mal que fez à sua própria editora. Com a economia em frangalhos (mérito para o qual colaborou de forma determinada), sem a Veja, a Abril não se sustenta; com ela, deixou de fazer jornalismo.
Outra notícia que espelha a crise da imprensa – essa estampada nas páginas do próprio jornal – foi a edição do AI-5 das organizações Globo. Num adendo de seus princípios editoriais, a empresa instituiu a mordaça para todos os seus colaboradores. Ficam os jornalistas e articulistas submetidos ao silêncio obsequioso nas redes sociais, inclusive as mais pessoais, até mesmo o sempre antipático “grupo da família”.
A notícia foi justificada buscando proximidade com ações semelhantes de outros veículos internacionais de prestígio, que tomaram medidas parecidas. O que é, no mínimo, cabotino. Os argumentos apresentados fazem apelo ao papel do jornalista como formador de opinião, que seria incentivado a trocar a liberdade de manifestar suas posições pessoais pelo mérito de professar em maior escala as ideias do patrão. No entanto, parece ser um tiro de canhão para pegar poucas moscas, entre elas o jornalista Chico Pinheiro, que protestou contra a prisão do ex-presidente Lula em gravação enviada a amigos. Não por acaso, o prolixo receituário da empresa ganhou popularmente o nome do jornalista.
A censura, agora oficial à livre manifestação de pensamento, vai incomodar poucos profissionais e colaboradores, já que a empresa vem selecionando há muitos anos sua voz uníssona. Para cada Chico há dezenas de Mervais. A maioria dos jornalistas das organizações Globo tem se manifestado sempre de forma conivente com a pauta da empresa. Não são donos da voz, mas orgulhosos papagaios da voz do dono.
Na realidade, é fácil constatar essa identidade. Em todos os produtos da empresa, com mais clareza no jornal impresso, pouco se distingue o noticiário dos editoriais. Estes quase sempre apenas reiteram as informações de reportagens fortemente editorializadas e opiniões seletivas. A Globonews deu uma tradução audiovisual ao método, com seu jogral das 22h.
As estrelas do jornalismo da casa, impedidas eticamente de fazer publicidade, há muito complementam (na verdade multiplicam) o soldo com palestras, talk-shows, treinamentos e em encontros de empresários. Não propagandeiam sabonetes, estão no patamar superior de venalidade.
Outra não notícia dos últimos dias vai na mesma direção da composição de um cenário crítico para a boa informação. A arquiteta e urbanista Ermínia Maricato, professora aposentada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, uma das maiores especialistas brasileiras em questões urbanas, recusou-se a dar entrevista para o Fantástico, dominical da Globo.
Em mensagem enviada ao produtor, que ela mesma divulgou, esclareceu sua posição: “Não acredito que vocês terão coragem de criticar os especuladores, as prefeituras dominadas por interesses de proprietários de imóveis e incorporadores, o judiciário que desconhece a legislação urbanística e a função social da propriedade”. E completou: “Não quero ser usada para criticar o PT. Os problemas são bem mais profundos”. O grande problema da imprensa, mais que a habitual crítica que antecede os fatos, é a recusa à profundidade.
Mídia e direita
A professora, a levar em consideração a análise da cobertura política e econômica dos meios de comunicação dominantes no mercado, está certa. O mais recente boletim do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), identificou que mais uma vez o PT é o partido mais criticado pela imprensa. Para isso vale tudo, até mesmo pegar carona em entrevistas descontextualizadas com intelectuais progressistas.
O estudo é feito a partir da análise de jornais e noticiários de TV considerados de maior abrangência e circulação (Folha, Estadão, Globo e Jornal Nacional). Instrumento de pesquisa sem filiação partidária, mais conhecido como Manchetômetro, a plataforma classifica cientificamente o viés da cobertura. Os resultados são publicados semanalmente na internet e se tornaram uma ferramenta de referência no campo da ciência política.
A metodologia dos pesquisadores é trabalhosa. Todos os textos são analisados e a abordagem do tema em pauta é classificada como favorável, contrária, neutra ou ambígua. No mundo angélico da teoria da comunicação liberal, com sua propalada liturgia dos fatos, o correto seria o domínio da neutralidade.
No entanto, e não se trata de achismo, a conclusão da plataforma é transparente: a imprensa comercial brasileira é de direita. O Manchetômetro vem acompanhando há alguns anos esse comportamento, em assuntos como eleições, impeachment, debates parlamentares e aprovação de projetos. Há um mapa que vem sendo desenhado na formação da opinião pública brasileira. Nesse processo, a imprensa tradicional vem prestando, objetivamente, um desserviço à democracia.
Por isso é preciso ficar atento ao cenário da informação. Os chamados “grandes veículos” a cada dia perdem seu principal ativo, como mostram os fatos acima: não se sustentam sem mentiras, perderam a dimensão da objetividade, ostentam pautas partidárias, carregam a desconfiança de fontes de qualidade, reduzem a pluralidade ao pensamento único sem contraste. Além disso, a batalha da comunicação pública e da regulação econômica dos meios patina como pauta secundária.
O que se desenha é um novo modelo, para o qual a disputa de atenção vem sendo fortalecida pelo lado da comunicação popular e independente. Há um caminho aberto para a informação de qualidade. O desafio é ocupá-lo.
As empresas de comunicação podem tentar jogar a responsabilidade para todos os lados. Culpar as redes sociais – que elas tentam imitar num jogo autodestrutivo de seu patrimônio de relevância – e moralizar a concorrência da mídia popular. Mas não se trata apenas de uma crise do negócio.
No que diz respeito à sustentabilidade, deixou de lado a alegada imparcialidade para se filiar abertamente às pautas partidárias. Em matéria de linguagem, trocou a relevância social pela audiência espetacular, corrompendo sua missão básica de informar para assumir o papel misto de animador de auditório e fiador ideológico do mercado.
A cada dia a crise do jornalismo hegemônico exibe novas manchetes possíveis, mas que não frequentam as páginas dos jornalões. Nos últimos dias, foi divulgado mais um capítulo do ocaso da Editora Abril, que prepara nova onda de demissão e fechamento de publicações. A ideia é salvar a revista Veja, que se tornou ao mesmo tempo o motor da crise e justificação da empresa.
Desde que assumiu a ponta de lança do jornalismo de guerrilha conservador, a revista vem fazendo mal ao país. Ajudou a desestruturar a economia, investiu na intolerância política, hasteou a bandeira do pensamento único. Mente, destrói pessoas e instituições públicas e encabeça ações antipopulares.
No entanto, ao capitanear o pensamento conservador para o grande público, com uma espécie de porta-voz da reação, viu sua receita publicitária inchar além dos resultados, como paga por seu alinhamento conservador com setores do mercado e, principalmente, do governo de exceção. Com isso, ficou refém do mal que fez à sua própria editora. Com a economia em frangalhos (mérito para o qual colaborou de forma determinada), sem a Veja, a Abril não se sustenta; com ela, deixou de fazer jornalismo.
Outra notícia que espelha a crise da imprensa – essa estampada nas páginas do próprio jornal – foi a edição do AI-5 das organizações Globo. Num adendo de seus princípios editoriais, a empresa instituiu a mordaça para todos os seus colaboradores. Ficam os jornalistas e articulistas submetidos ao silêncio obsequioso nas redes sociais, inclusive as mais pessoais, até mesmo o sempre antipático “grupo da família”.
A notícia foi justificada buscando proximidade com ações semelhantes de outros veículos internacionais de prestígio, que tomaram medidas parecidas. O que é, no mínimo, cabotino. Os argumentos apresentados fazem apelo ao papel do jornalista como formador de opinião, que seria incentivado a trocar a liberdade de manifestar suas posições pessoais pelo mérito de professar em maior escala as ideias do patrão. No entanto, parece ser um tiro de canhão para pegar poucas moscas, entre elas o jornalista Chico Pinheiro, que protestou contra a prisão do ex-presidente Lula em gravação enviada a amigos. Não por acaso, o prolixo receituário da empresa ganhou popularmente o nome do jornalista.
A censura, agora oficial à livre manifestação de pensamento, vai incomodar poucos profissionais e colaboradores, já que a empresa vem selecionando há muitos anos sua voz uníssona. Para cada Chico há dezenas de Mervais. A maioria dos jornalistas das organizações Globo tem se manifestado sempre de forma conivente com a pauta da empresa. Não são donos da voz, mas orgulhosos papagaios da voz do dono.
Na realidade, é fácil constatar essa identidade. Em todos os produtos da empresa, com mais clareza no jornal impresso, pouco se distingue o noticiário dos editoriais. Estes quase sempre apenas reiteram as informações de reportagens fortemente editorializadas e opiniões seletivas. A Globonews deu uma tradução audiovisual ao método, com seu jogral das 22h.
As estrelas do jornalismo da casa, impedidas eticamente de fazer publicidade, há muito complementam (na verdade multiplicam) o soldo com palestras, talk-shows, treinamentos e em encontros de empresários. Não propagandeiam sabonetes, estão no patamar superior de venalidade.
Outra não notícia dos últimos dias vai na mesma direção da composição de um cenário crítico para a boa informação. A arquiteta e urbanista Ermínia Maricato, professora aposentada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, uma das maiores especialistas brasileiras em questões urbanas, recusou-se a dar entrevista para o Fantástico, dominical da Globo.
Em mensagem enviada ao produtor, que ela mesma divulgou, esclareceu sua posição: “Não acredito que vocês terão coragem de criticar os especuladores, as prefeituras dominadas por interesses de proprietários de imóveis e incorporadores, o judiciário que desconhece a legislação urbanística e a função social da propriedade”. E completou: “Não quero ser usada para criticar o PT. Os problemas são bem mais profundos”. O grande problema da imprensa, mais que a habitual crítica que antecede os fatos, é a recusa à profundidade.
Mídia e direita
A professora, a levar em consideração a análise da cobertura política e econômica dos meios de comunicação dominantes no mercado, está certa. O mais recente boletim do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), identificou que mais uma vez o PT é o partido mais criticado pela imprensa. Para isso vale tudo, até mesmo pegar carona em entrevistas descontextualizadas com intelectuais progressistas.
O estudo é feito a partir da análise de jornais e noticiários de TV considerados de maior abrangência e circulação (Folha, Estadão, Globo e Jornal Nacional). Instrumento de pesquisa sem filiação partidária, mais conhecido como Manchetômetro, a plataforma classifica cientificamente o viés da cobertura. Os resultados são publicados semanalmente na internet e se tornaram uma ferramenta de referência no campo da ciência política.
A metodologia dos pesquisadores é trabalhosa. Todos os textos são analisados e a abordagem do tema em pauta é classificada como favorável, contrária, neutra ou ambígua. No mundo angélico da teoria da comunicação liberal, com sua propalada liturgia dos fatos, o correto seria o domínio da neutralidade.
No entanto, e não se trata de achismo, a conclusão da plataforma é transparente: a imprensa comercial brasileira é de direita. O Manchetômetro vem acompanhando há alguns anos esse comportamento, em assuntos como eleições, impeachment, debates parlamentares e aprovação de projetos. Há um mapa que vem sendo desenhado na formação da opinião pública brasileira. Nesse processo, a imprensa tradicional vem prestando, objetivamente, um desserviço à democracia.
Por isso é preciso ficar atento ao cenário da informação. Os chamados “grandes veículos” a cada dia perdem seu principal ativo, como mostram os fatos acima: não se sustentam sem mentiras, perderam a dimensão da objetividade, ostentam pautas partidárias, carregam a desconfiança de fontes de qualidade, reduzem a pluralidade ao pensamento único sem contraste. Além disso, a batalha da comunicação pública e da regulação econômica dos meios patina como pauta secundária.
O que se desenha é um novo modelo, para o qual a disputa de atenção vem sendo fortalecida pelo lado da comunicação popular e independente. Há um caminho aberto para a informação de qualidade. O desafio é ocupá-lo.
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