Por Geraldo Galindo
A grande maioria dos articulistas a serviço da mídia empresarial escreve seus textos tendo como referência o objetivo político dos patrões (e deles próprios), não levando em consideração a realidade objetiva. Quantas vezes eles decretaram o fim de Luiz Inácio? Quantas vezes previram o sucesso do governo Temer, com a derrubada da Dilma? Quantas vezes anunciaram a retomada do crescimento econômico? Nestes três casos citados, os escribas conservadores produziram milhares de artigos, reportagens, vídeos, para fazer crer que suas previsões eram corretas, quando na verdade eram apenas o desejo das classes dominantes. Neste momento, estão todos a exaltar a suposta dificuldade de Lula para transferir votos a Haddad/Manuela, quando, na verdade, é a própria vontade de que não haja a transferência que os move.
Feita essa premissa, registro que parcela do nosso campo cometeu deslizes semelhantes, ou talvez, precipitação. Muitos fizeram previsões catastróficas do desenlace da eleição de outubro, tendo por base aquilo que consideravam o caminho mais fácil a seguir, ignorando ou não compreendendo, em alguma medida, a realidade posta. Por isso, é sempre bom ter os pés no chão na avaliação do quadro conjuntural e, principalmente, prudência ao apontar os rumos. Falhas neste terreno podem nos empurrar para a derrota. Não é um desafio menor indicar a alternativa mais viável para a forças populares num ambiente tão conturbado e complexo como o que vivemos no Brasil – qualquer movimento implica riscos e possibilidades. Não soa bem, portanto, alguns arautos da sabedoria apresentarem suas receitas prontas e desdenharem de alternativas outras, especial mente quando avalizadas por uma liderança de estatura política reconhecida internacionalmente.
O que aconteceu em 2014? Derrotadas pela quarta vez seguida, as classes dominantes brasileiras decidiram tomar o governo na marra, e promoveram um golpe de estado em 2016. Imaginavam que, depois de mais quatro de anos de Dilma, Lula voltaria e assim seriam vinte anos de governo democrático – quadro inaceitável para a elite tupiniquim. Qual era o plano seguinte? Fazer um governo que, afinal, superaria a crise a que fomos empurrados, e, depois, viria uma candidatura natural de suas hostes para vencer a eleição. E para fechar com chave de ouro, colocar na cadeia aquele que poderia ser um empecilho para sucessão de 2018, a maior liderança popular do país, que saiu aprovado do Palácio do Planalto por 87% dos brasileiros.
Ocorre que o resultado do golpe é um desastre moral, político e econômico avassalador. A abjeta figura de Michel Temer é a mais rejeitada da nossa história, e seus comparsas sofrem desgaste semelhante. A principal vedete por trás do cerco jurídico a Lula, o juiz Sérgio Moro, tem hoje rejeição maior e prestígio menor do que aquele que perseguiu com requintes de crueldade. E Lula se transformou no símbolo da resistência aos golpistas ao ser preso injustamente por aqueles que aparelharam o Estado para fins partidários. Logo depois de condenado, foi confirmado candidato à presidência pela direção do PT. Desde então, se estabeleceu o debate se era correto manter a candidatura ou se seria uma melhor alternativa indicar outro nome do próprio PT, ou de outro partido. Existiram argumentos consistentes para as duas hipóteses, mas n ão tenhamos dúvidas de que a retirada do nome de Lula por iniciativa própria da esquerda era tudo que a direita queria – seria um enorme favor aos inimigos. Eles desejavam um processo eleitoral com o principal cabo eleitoral do país isolado, humilhado, silenciado nas masmorras de Curitiba.
Mas não é isso que está a acontecer. A candidatura de Lula foi registrada e se fortalece cada vez mais – ele venceria provavelmente no primeiro turno se não estivesse preso, e bateria qualquer adversário no segundo com larga vantagem. Mesmo personalidades da direita brasileira reconhecem que Lula é o principal protagonista da eleição, especialmente depois de ser oficializado enquanto candidato. Caso a justiça casse a candidatura – hipótese mais provável -, temos uma chapa afinada (Haddad e Manuela) que já está em campo para substituí-la, com potencial para empolgar milhões na campanha eleitoral.
Na semana passada, foi publicado um artigo no El País, bastante compartilhado, responsabilizando Lula por uma “provável” derrota da esquerda, por supostamente ser o presidente uma pessoa centralizadora – uma espécie de caudilho – que não aceita renovação no partido e que estaria condenando a esquerda ao isolamento e ao abismo. Nas redes sociais, tivemos acesso a dezenas de publicações dando conta de que a eleição estava perdida, insinuando que a esquerda só iria marcar posição – um clima de derrotismo assustador. O argumento central era de que nossa coligação ficara estreita, como se sua ampliação dependesse apenas de nossa vontade. Outros chegaram a afirmar que o interesse de Lula era apenas eleger bancada, deixando a disputa presidencial para 2022.
Quando o tucano Geraldo Alckmin recebeu o apoio do Centrão, alguns chegaram a decretar que a esquerda estaria fora do segundo turno, que teria o nome do tucano e de Bolsonaro na rodada final. E disseram mais: que numa remota hipótese de passarmos ao segundo turno, seríamos esmagados pela poderosa máquina golpista – uma subestimação da capacidade de mobilização do campo popular e do acúmulo de forças conquistado na resistência ao golpe.
É possível que não estejamos no segundo turno? Sim, mas não nos parece a hipótese mais provável no momento, na medida em que 31% dos eleitores de Lula afirmam que votam no candidato indicado por ele. A transferência de voto para Haddad é simples? Não, mas com a campanha na TV, nas ruas e nas redes temos potencial para fazê-la. O prazo não é muito curto para essa transferência? É, mas nada nos assegura também que fosse de outra forma – sem Lula inscrito – seria mais fácil. A Lava Jato e a Globo vão fazer o serviço sujo que sempre fizeram? Vão, mas boa parte do público eleitor de Lula e da esquerda já está vacinado contra essa manipulação. A justiça eleitoral pode fazer manobras? Pode, mas o mundo está acompanhando e não é tão simples assim aprofundarem as ilegalidades. Devemos ter ilusões de que teremos uma eleição limpa? Não, mas vamos participar dela denunciando toda e qualquer nova fraude. A máquina da direita é muito forte? É, mas vamos enfrentá-la com militância, criatividade e ousadia. Há riscos na tática adotada? Há, por isso devemos redobrar os cuidados políticos e jurídicos nos próximos passos para evitar situações de alto risco.
A esquerda brasileira, em que pese ter sofrido uma derrota histórica com os acontecimentos de 2016, terminou por vencer a disputa da narrativa do golpe – demos a volta por cima, em certa medida. A maioria do povo tem consciência de que os golpistas levaram o país ao caos, ao desemprego, à violência e ao corte de direitos. E se lembra de que no governo Lula suas vidas eram melhores, mais promissoras. Isso não significa dizer que venceremos a eleição, mas estão dadas as condições para fazermos o debate em um cenário bem mais favorável. Da mesma forma que alguns precipitados vaticinaram nossa não ida ao segundo turno, seria precipitado agora apostar em vitória numa disputa que será duríssima, de resultado imprevisível.
Na semana que passou, um conhecido jornalista fez autocrítica por ter sido contra a candidatura de Lula. Não acho isso necessário. O importante é que todos entrem de cabeça na campanha que vai proporcionar – e já está proporcionando – uma mobilização de ponta a ponta do país para recuperar a democracia e o crescimento econômico. Essa é a real autocrítica para os que, bem-intencionados, se iludiram com a ideia de que afastar Lula do centro da disputa política era o caminho mais fácil para derrotar os golpistas.
* Geraldo Galindo é secretário de Comunicação do PCdoB Bahia.
Feita essa premissa, registro que parcela do nosso campo cometeu deslizes semelhantes, ou talvez, precipitação. Muitos fizeram previsões catastróficas do desenlace da eleição de outubro, tendo por base aquilo que consideravam o caminho mais fácil a seguir, ignorando ou não compreendendo, em alguma medida, a realidade posta. Por isso, é sempre bom ter os pés no chão na avaliação do quadro conjuntural e, principalmente, prudência ao apontar os rumos. Falhas neste terreno podem nos empurrar para a derrota. Não é um desafio menor indicar a alternativa mais viável para a forças populares num ambiente tão conturbado e complexo como o que vivemos no Brasil – qualquer movimento implica riscos e possibilidades. Não soa bem, portanto, alguns arautos da sabedoria apresentarem suas receitas prontas e desdenharem de alternativas outras, especial mente quando avalizadas por uma liderança de estatura política reconhecida internacionalmente.
O que aconteceu em 2014? Derrotadas pela quarta vez seguida, as classes dominantes brasileiras decidiram tomar o governo na marra, e promoveram um golpe de estado em 2016. Imaginavam que, depois de mais quatro de anos de Dilma, Lula voltaria e assim seriam vinte anos de governo democrático – quadro inaceitável para a elite tupiniquim. Qual era o plano seguinte? Fazer um governo que, afinal, superaria a crise a que fomos empurrados, e, depois, viria uma candidatura natural de suas hostes para vencer a eleição. E para fechar com chave de ouro, colocar na cadeia aquele que poderia ser um empecilho para sucessão de 2018, a maior liderança popular do país, que saiu aprovado do Palácio do Planalto por 87% dos brasileiros.
Ocorre que o resultado do golpe é um desastre moral, político e econômico avassalador. A abjeta figura de Michel Temer é a mais rejeitada da nossa história, e seus comparsas sofrem desgaste semelhante. A principal vedete por trás do cerco jurídico a Lula, o juiz Sérgio Moro, tem hoje rejeição maior e prestígio menor do que aquele que perseguiu com requintes de crueldade. E Lula se transformou no símbolo da resistência aos golpistas ao ser preso injustamente por aqueles que aparelharam o Estado para fins partidários. Logo depois de condenado, foi confirmado candidato à presidência pela direção do PT. Desde então, se estabeleceu o debate se era correto manter a candidatura ou se seria uma melhor alternativa indicar outro nome do próprio PT, ou de outro partido. Existiram argumentos consistentes para as duas hipóteses, mas n ão tenhamos dúvidas de que a retirada do nome de Lula por iniciativa própria da esquerda era tudo que a direita queria – seria um enorme favor aos inimigos. Eles desejavam um processo eleitoral com o principal cabo eleitoral do país isolado, humilhado, silenciado nas masmorras de Curitiba.
Mas não é isso que está a acontecer. A candidatura de Lula foi registrada e se fortalece cada vez mais – ele venceria provavelmente no primeiro turno se não estivesse preso, e bateria qualquer adversário no segundo com larga vantagem. Mesmo personalidades da direita brasileira reconhecem que Lula é o principal protagonista da eleição, especialmente depois de ser oficializado enquanto candidato. Caso a justiça casse a candidatura – hipótese mais provável -, temos uma chapa afinada (Haddad e Manuela) que já está em campo para substituí-la, com potencial para empolgar milhões na campanha eleitoral.
Na semana passada, foi publicado um artigo no El País, bastante compartilhado, responsabilizando Lula por uma “provável” derrota da esquerda, por supostamente ser o presidente uma pessoa centralizadora – uma espécie de caudilho – que não aceita renovação no partido e que estaria condenando a esquerda ao isolamento e ao abismo. Nas redes sociais, tivemos acesso a dezenas de publicações dando conta de que a eleição estava perdida, insinuando que a esquerda só iria marcar posição – um clima de derrotismo assustador. O argumento central era de que nossa coligação ficara estreita, como se sua ampliação dependesse apenas de nossa vontade. Outros chegaram a afirmar que o interesse de Lula era apenas eleger bancada, deixando a disputa presidencial para 2022.
Quando o tucano Geraldo Alckmin recebeu o apoio do Centrão, alguns chegaram a decretar que a esquerda estaria fora do segundo turno, que teria o nome do tucano e de Bolsonaro na rodada final. E disseram mais: que numa remota hipótese de passarmos ao segundo turno, seríamos esmagados pela poderosa máquina golpista – uma subestimação da capacidade de mobilização do campo popular e do acúmulo de forças conquistado na resistência ao golpe.
É possível que não estejamos no segundo turno? Sim, mas não nos parece a hipótese mais provável no momento, na medida em que 31% dos eleitores de Lula afirmam que votam no candidato indicado por ele. A transferência de voto para Haddad é simples? Não, mas com a campanha na TV, nas ruas e nas redes temos potencial para fazê-la. O prazo não é muito curto para essa transferência? É, mas nada nos assegura também que fosse de outra forma – sem Lula inscrito – seria mais fácil. A Lava Jato e a Globo vão fazer o serviço sujo que sempre fizeram? Vão, mas boa parte do público eleitor de Lula e da esquerda já está vacinado contra essa manipulação. A justiça eleitoral pode fazer manobras? Pode, mas o mundo está acompanhando e não é tão simples assim aprofundarem as ilegalidades. Devemos ter ilusões de que teremos uma eleição limpa? Não, mas vamos participar dela denunciando toda e qualquer nova fraude. A máquina da direita é muito forte? É, mas vamos enfrentá-la com militância, criatividade e ousadia. Há riscos na tática adotada? Há, por isso devemos redobrar os cuidados políticos e jurídicos nos próximos passos para evitar situações de alto risco.
A esquerda brasileira, em que pese ter sofrido uma derrota histórica com os acontecimentos de 2016, terminou por vencer a disputa da narrativa do golpe – demos a volta por cima, em certa medida. A maioria do povo tem consciência de que os golpistas levaram o país ao caos, ao desemprego, à violência e ao corte de direitos. E se lembra de que no governo Lula suas vidas eram melhores, mais promissoras. Isso não significa dizer que venceremos a eleição, mas estão dadas as condições para fazermos o debate em um cenário bem mais favorável. Da mesma forma que alguns precipitados vaticinaram nossa não ida ao segundo turno, seria precipitado agora apostar em vitória numa disputa que será duríssima, de resultado imprevisível.
Na semana que passou, um conhecido jornalista fez autocrítica por ter sido contra a candidatura de Lula. Não acho isso necessário. O importante é que todos entrem de cabeça na campanha que vai proporcionar – e já está proporcionando – uma mobilização de ponta a ponta do país para recuperar a democracia e o crescimento econômico. Essa é a real autocrítica para os que, bem-intencionados, se iludiram com a ideia de que afastar Lula do centro da disputa política era o caminho mais fácil para derrotar os golpistas.
* Geraldo Galindo é secretário de Comunicação do PCdoB Bahia.
0 comentários:
Postar um comentário