Por Laurindo Lalo Leal Filho, na Rede Brasil Atual:
O papel de parte da Justiça brasileira em várias etapas do processo golpista deverá, no futuro, ser objeto de profundas análises críticas. Com certeza, num momento histórico menos intoxicado como o atual, as escolas de Direito poderão produzir trabalhos alentados sobre os desvios jurídicos vividos atualmente. Pesquisas a se desdobrarem internacionalmente na medida em que sobram evidências sobre a atuação de agentes externos ao Brasil em todo o processo. Juízes brasileiros e de outras nações latino-americanas têm estreitado laços de cooperação com instituições estadunidenses, substituindo os militares que antigamente lá se especializavam para atuar por aqui em ações golpistas típicas.
A ação jurídica vem sendo cuidadosamente articulada com a mídia desde os primeiros momentos. Basta lembrar as declarações do juiz de Curitiba, líder da chamada operação lava-jato, ao pedir apoio público ao seu trabalho a ser obtido através dos meios de comunicação. Apoio que não faltou em nenhum momento. Ao contrário. Tornaram o juiz herói nacional e a ele serviram oferecendo informações nem sempre confiáveis para que delas surgissem denúncias e processos. O caso mais evidente foi o do triplex do Guarujá que brotou de reportagem inconsistente do jornal O Globo.
Em linha paralela com esses setores da Justiça a mídia seguiu fazendo o seu trabalho político-eleitoral. As entrevistas dos candidatos ao Jornal Nacional e à Globonews são exemplos marcantes. A forma de tratamento dado aos candidatos alinhados com a posição política da casa foi totalmente distinta dos que a confrontavam. O candidato Fernando Haddad, por exemplo, foi verbalmente agredido pelos apresentadores do Jornal Nacional.
O curioso é que o tiro saiu pela culatra. A fúria dos entrevistadores teve efeito inverso ao pretendido pela família proprietária das Organizações Globo. Pelo menos é que se pode deduzir de comentários postados nas redes sociais e ouvidos em conversas aleatórias pela cidade. Não foi o conteúdo das perguntas que impactou os telespectadores. O que os deixou estarrecidos foi a arrogância e a falta de educação dos apresentadores.
Setores amplos da sociedade brasileira ainda têm como valor o respeito ao próximo, a importância do diálogo como instrumento para resolução de divergências e a humildade para ouvir o que o outro fala. Em termos mais simples seria o que podemos chamar de “boa conversa”, um prazer para uma enormidade de gente.
Os linguistas teorizaram sobre isso. O pernambucano Luiz Antonio Marcuschi, por exemplo, discorreu sobre a “tomada de turno” nas conversações e mostra algumas regras para a passagem da fala de um interlocutor para outro. Refere-se também as “falas simultâneas e as sobreposições de vozes” quando “o sistema pode entrar em colapso”. Seria interessante que os entrevistadores de TV lessem o livro de Marcuschi chamado Análise da Conversação. Aprenderiam muito e deixariam de passar por vexames.
Durante dez anos dirigi e apresentei o programa VerTV, na TV Brasil. O elogio que eu mais recebia do público era sobre a possibilidade de deixar os convidados falarem. A comparação com apresentadores de programas das TVs comerciais conhecidos por suas interrupções constantes aos entrevistados era inevitável. Prática que irrita o telespectador desejoso de conhecer pelo menos um raciocínio inteiro de quem responde a uma pergunta e não sobre o que pensa o entrevistador.
Se isso já era comum nos chamados talk-shows das TVs comerciais, com a campanha eleitoral as interrupções contaminaram até uma TV pública, a Cultura de São Paulo. O interrogatório sofrido pela candidata à vice-presidência da República Manuela D’Avila, no programa Roda Viva, irá para os anais acadêmicos das escolas de comunicação. Acreditava-se que ali estava o auge do mau jornalismo.
Mas o Jornal Nacional superou todas as expectativas. Houve momentos do programa que também se tornarão históricos. Um deles quando o entrevistador torna-se entrevistado discorrendo sobre um tema por longo tempo diante de um telespectador ensimesmado: afinal quem era o candidato, ele ou Fernando Haddad?
Dúvida que faz todo o sentido já que as Organizações Globo são, desde as suas origens, um partido político e seus apresentadores e jornalistas porta-vozes dos programas de governo desse partido. No governo Sarney, por exemplo, o ministro da Fazenda só era confirmado no cargo depois de ser sabatinado pelo dono da empresa, na prática o presidente do partido. Foi assim com Mailson da Nóbrega.
Para não irmos tão longe basta lembrar as eleições de 2014. No mesmo Jornal Nacional, e com o mesmo tipo de sabatina, a presidenta Dilma Rousseff se viu diante do bombardeio do partido global, sempre contrário aos interesses populares, à inclusão social e à libertação do Brasil do domínio estadunidense.
No mesmo estilo agressivo de hoje, o apresentador do programa enfiou, praticamente a cada pergunta, a palavra “corrupção”. As respostas pouco importavam. A tática eleitoral usada pela empresa era grudar no telespectador o termo negativo mesmo que não ouvisse a candidata.
Batalha midiática
Neste ano a coisas ficaram mais complicadas para o partido global, tornando os apresentadores do jornal ainda mais irascíveis. O grupo Globo se viu diante de algo novo: a proposta concreta do programa do governo do PT de enviar ao Congresso Nacional, em até seis meses depois da posse, um projeto de regulação dos meios de comunicação.
A Globo não admite tal ousadia, daí o furor dos ataques ao candidato petista. Em quase um século de existência nenhum governo teve coragem de impor algum limite ao poder global. Por isso ela se tornou o principal partido político do país, capaz de eleger e destituir presidentes da República, fazer ministros, apoiar oligarquias regionais, dominar ideologicamente o Brasil.
As 66 interrupções sofridas pelo candidato Fernando Haddad, na entrevista concedida ao Jornal Nacional, foram evidência do temor da Globo diante da possível eleição de um governo que não se dobre aos seus interesses. Dados errados sobre o problema da habitação em São Paulo foram apresentados sem nenhum pudor, como se verdades fossem.
Foi preciso que o secretário responsável pela área na gestão Haddad, João Whitaker, viesse a público para apresentar os dados corretos. Além do conteúdo, a postura corporal dos entrevistadores mostrava que eles viviam uma batalha, prontos para destruir o inimigo que estava à sua frente. Tornaram-se a face visível do partido global.
Agora a Justiça abre as portas da cela do acusado de tentativa de homicídio para que ele dê a sua versão dos fatos. Nada contra. Mas num Estado de direito seria justo também que um ex-presidente da República, preso sem provas, pudesse também falar ao público. De preferência através das mídias alternativas para garantir um mínimo de fidelidade às suas palavras.
O golpe de 2016 recebe a cada momento novos ingredientes. Os mais recentes são as autorizações dadas ao agressor do candidato da extrema-direita, preso no Mato Grosso do Sul, para conceder entrevistas à mídia conservadora. Ao mesmo tempo em que pedidos semelhantes feitos em relação ao ex-presidente Lula continuam negados. O autor de uma tentativa de homicídio pode falar ao público, um ex-presidente da República não.
O papel de parte da Justiça brasileira em várias etapas do processo golpista deverá, no futuro, ser objeto de profundas análises críticas. Com certeza, num momento histórico menos intoxicado como o atual, as escolas de Direito poderão produzir trabalhos alentados sobre os desvios jurídicos vividos atualmente. Pesquisas a se desdobrarem internacionalmente na medida em que sobram evidências sobre a atuação de agentes externos ao Brasil em todo o processo. Juízes brasileiros e de outras nações latino-americanas têm estreitado laços de cooperação com instituições estadunidenses, substituindo os militares que antigamente lá se especializavam para atuar por aqui em ações golpistas típicas.
A ação jurídica vem sendo cuidadosamente articulada com a mídia desde os primeiros momentos. Basta lembrar as declarações do juiz de Curitiba, líder da chamada operação lava-jato, ao pedir apoio público ao seu trabalho a ser obtido através dos meios de comunicação. Apoio que não faltou em nenhum momento. Ao contrário. Tornaram o juiz herói nacional e a ele serviram oferecendo informações nem sempre confiáveis para que delas surgissem denúncias e processos. O caso mais evidente foi o do triplex do Guarujá que brotou de reportagem inconsistente do jornal O Globo.
Em linha paralela com esses setores da Justiça a mídia seguiu fazendo o seu trabalho político-eleitoral. As entrevistas dos candidatos ao Jornal Nacional e à Globonews são exemplos marcantes. A forma de tratamento dado aos candidatos alinhados com a posição política da casa foi totalmente distinta dos que a confrontavam. O candidato Fernando Haddad, por exemplo, foi verbalmente agredido pelos apresentadores do Jornal Nacional.
O curioso é que o tiro saiu pela culatra. A fúria dos entrevistadores teve efeito inverso ao pretendido pela família proprietária das Organizações Globo. Pelo menos é que se pode deduzir de comentários postados nas redes sociais e ouvidos em conversas aleatórias pela cidade. Não foi o conteúdo das perguntas que impactou os telespectadores. O que os deixou estarrecidos foi a arrogância e a falta de educação dos apresentadores.
Setores amplos da sociedade brasileira ainda têm como valor o respeito ao próximo, a importância do diálogo como instrumento para resolução de divergências e a humildade para ouvir o que o outro fala. Em termos mais simples seria o que podemos chamar de “boa conversa”, um prazer para uma enormidade de gente.
Os linguistas teorizaram sobre isso. O pernambucano Luiz Antonio Marcuschi, por exemplo, discorreu sobre a “tomada de turno” nas conversações e mostra algumas regras para a passagem da fala de um interlocutor para outro. Refere-se também as “falas simultâneas e as sobreposições de vozes” quando “o sistema pode entrar em colapso”. Seria interessante que os entrevistadores de TV lessem o livro de Marcuschi chamado Análise da Conversação. Aprenderiam muito e deixariam de passar por vexames.
Durante dez anos dirigi e apresentei o programa VerTV, na TV Brasil. O elogio que eu mais recebia do público era sobre a possibilidade de deixar os convidados falarem. A comparação com apresentadores de programas das TVs comerciais conhecidos por suas interrupções constantes aos entrevistados era inevitável. Prática que irrita o telespectador desejoso de conhecer pelo menos um raciocínio inteiro de quem responde a uma pergunta e não sobre o que pensa o entrevistador.
Se isso já era comum nos chamados talk-shows das TVs comerciais, com a campanha eleitoral as interrupções contaminaram até uma TV pública, a Cultura de São Paulo. O interrogatório sofrido pela candidata à vice-presidência da República Manuela D’Avila, no programa Roda Viva, irá para os anais acadêmicos das escolas de comunicação. Acreditava-se que ali estava o auge do mau jornalismo.
Mas o Jornal Nacional superou todas as expectativas. Houve momentos do programa que também se tornarão históricos. Um deles quando o entrevistador torna-se entrevistado discorrendo sobre um tema por longo tempo diante de um telespectador ensimesmado: afinal quem era o candidato, ele ou Fernando Haddad?
Dúvida que faz todo o sentido já que as Organizações Globo são, desde as suas origens, um partido político e seus apresentadores e jornalistas porta-vozes dos programas de governo desse partido. No governo Sarney, por exemplo, o ministro da Fazenda só era confirmado no cargo depois de ser sabatinado pelo dono da empresa, na prática o presidente do partido. Foi assim com Mailson da Nóbrega.
Para não irmos tão longe basta lembrar as eleições de 2014. No mesmo Jornal Nacional, e com o mesmo tipo de sabatina, a presidenta Dilma Rousseff se viu diante do bombardeio do partido global, sempre contrário aos interesses populares, à inclusão social e à libertação do Brasil do domínio estadunidense.
No mesmo estilo agressivo de hoje, o apresentador do programa enfiou, praticamente a cada pergunta, a palavra “corrupção”. As respostas pouco importavam. A tática eleitoral usada pela empresa era grudar no telespectador o termo negativo mesmo que não ouvisse a candidata.
Batalha midiática
Neste ano a coisas ficaram mais complicadas para o partido global, tornando os apresentadores do jornal ainda mais irascíveis. O grupo Globo se viu diante de algo novo: a proposta concreta do programa do governo do PT de enviar ao Congresso Nacional, em até seis meses depois da posse, um projeto de regulação dos meios de comunicação.
A Globo não admite tal ousadia, daí o furor dos ataques ao candidato petista. Em quase um século de existência nenhum governo teve coragem de impor algum limite ao poder global. Por isso ela se tornou o principal partido político do país, capaz de eleger e destituir presidentes da República, fazer ministros, apoiar oligarquias regionais, dominar ideologicamente o Brasil.
As 66 interrupções sofridas pelo candidato Fernando Haddad, na entrevista concedida ao Jornal Nacional, foram evidência do temor da Globo diante da possível eleição de um governo que não se dobre aos seus interesses. Dados errados sobre o problema da habitação em São Paulo foram apresentados sem nenhum pudor, como se verdades fossem.
Foi preciso que o secretário responsável pela área na gestão Haddad, João Whitaker, viesse a público para apresentar os dados corretos. Além do conteúdo, a postura corporal dos entrevistadores mostrava que eles viviam uma batalha, prontos para destruir o inimigo que estava à sua frente. Tornaram-se a face visível do partido global.
Agora a Justiça abre as portas da cela do acusado de tentativa de homicídio para que ele dê a sua versão dos fatos. Nada contra. Mas num Estado de direito seria justo também que um ex-presidente da República, preso sem provas, pudesse também falar ao público. De preferência através das mídias alternativas para garantir um mínimo de fidelidade às suas palavras.
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