Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Enquanto a campanha de Jair Bolsonaro tem feito o possível para mobilizar a fé religiosa como argumento fundamental para a escolha de candidato a presidente no segundo turno, é conveniente debater questões de natureza política e econômica que alimentam a vida cotidiana dos 215 milhões de brasileiros, sejam evangélicos, católicos, muçulmanos, judeus ou praticantes do candomblé.
Estamos falando de decisões que envolvem a criação de empregos e condições de trabalho, crescimento econômico e combate a pobreza, sempre essenciais num país que possui as desigualdades que todos conhecemos e agora enfrenta uma das piores crises de sua história. Um bom exemplo encontra-se na reforma trabalhista.
Um levantamento do Brasil-247 junto ao imenso contingente de deputados que o eleitor mandou para casa em 7 de outubro mostra a importância do assunto. Esquece a conversa de "velha" e "nova" política tão ao gosto de quem enxerga o debate político como uma sucessão do mercado de consumo.
O debate aqui envolve reivindicações e direitos que foram de milhões de brasileiros, perdidos por decisão dos parlamentares, que agora são chamados a pagar a conta.
Entre os 157 deputados que não conseguiram renovar o mandato em 2018, um total de 118 - mais de 70% - eram filiados aos partidos que apoiaram a reforma trabalhista de Temer-Meirelles, que transformou a CLT em peça de museu, a Justiça do Trabalho numa triste lembrança e colocou a sobrevivência dos sindicatos brasileiros em risco permanente.
Deputado pelo PTB gaúcho, o ex-ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira, que fez a versão final do projeto, foi mandado para casa pelo eleitor, da mesma forma que o relator, Rogério Marinho, do PSDB do Rio Grande do Norte. (O tucano José Fogaça, que relatou a reforma no Senado, também foi aposentado pelo voto popular).
Um dado importante é que em tempo de vacas esqueléticas a bancada a favor da reforma pode contar com um reforço financeiro para ajudar suas campanhas e nem isso adiantou. Como vários deputados admitiram em entrevista a Folha, não faltaram empresários de mão generosa, hoje integrantes do cordão financeiro de Bolsonaro, dispostos a sustentar quem defendeu seus interesses numa questão tão delicada. Um dos mais agudos estudiosos da vida brasileira, o professor Wanderley Guilherme dos Santos sempre entendeu que o fim da CLT era a única questão capaz de unificar o conjunto da elite brasileira.
Personagem destacado em toda decisão tomada pela Câmara depois que veio a suceder Eduardo Cunha na presidência da Casa, recebendo um tratamento benigno por parte dos meios de comunicação, Rodrigo Maia, conservou o mandato, com 70.000 votos - marca de pura sobrevivência num parlamentar que chegou a frequentar a lista de presidenciáveis para 2018.
Aliado da reforma trabalhista de 2017, Bolsonaro livrou-se do constrangimento de falar sobre o assunto no primeiro turno da campanha presidencial graças a facada de Juiz de Fora. Em julho, em entrevista a Rede TV, a apresentadora Mariana Godoy quis saber se, caso vier a ser eleito presidente, Bolsonaro pretendia fazer uma revisão da reforma trabalhista aprovada pelo Congresso. Ele deixou claro que nem pensa nisso. Citando empresários com quem mantém conversas privadas, o candidato definiu seu lado no conflito permanente entre capital e trabalho: "o trabalhador vai ter de decidir um dia entre menos direitos e emprego; ou todos os direitos e desemprego".
Reforçando o argumento, na mesma linha de raciocínio Bolsonaro também condenou a multa de 40% sobre o FGTS que o trabalhador tem direito a receber na hora em que é demitido. "Quanto mais direitos você quer dar para alguém pior fica", disse, numa linha de pensamento que pode ser útil para enfraquecer a resistência dos trabalhadores, mas não se comprova na realidade.
Durante os governos Lula-Dilma, quando vários de direitos de trabalhadores foram ampliados, e o salário mínimo passou a ter reajustes automáticos, cravando um uma elevação de 70% acima da inflação em 12 anos, a informalidade do mercado de trabalho foi reduzida e a taxa de desemprego atingiu o patamar mais baixo em décadas.
Sabemos que o apoio de pastores como Edir Macedo e Silas Malafaia, que lideram grandes denominações evangélicas, é uma alavanca importante da candidatura de Bolsonaro e as mensagens de teor religioso constituem um ponto básico da propaganda politica. "Deus, pátria e família" é um dos mandamentos favoritos. Outro: "Pátria acima de tudo. Deus acima de todos".
É fácil explicar a razão que leva Bolsonaro a misturar indevidamente dois aspectos diversos e separados da existência humana, a religião e a política, e tentar ganhar votos em cima disso.
Mesmo num país no qual todos têm direito a seguir a religião de sua escolha, e até não seguir religião alguma, ocorre uma situação conhecida nas campanhas eleitorais. Toda vez que o debate político envolve questões religiosas, a fé torna-se um argumento que tende a ganhar um peso desproporcional na decisão de voto e escolha dos candidatos, o que aumenta o poder das lideranças correspondentes e seu poder de barganha junto aos podres políticos.
A influência da Igreja Católica no período colonial, quando a religião era empregada como instrumento de dominação e pacificação interna, constitui um dado definitivo a respeito.
Em abril de 64, quando a cúpula da Igreja mobilizou os fiéis ao lado de generais que preparavam um golpe para derrubar governo constitucional, o lema de suas mobilizações era "Marcha da Família com Deus pela Liberdade".
Uma década depois, a Igreja Católica do Papa Paulo VI e dom Paulo Evaristo Arns, uniu-se ao Conselho Mundial de Igrejas, protestante, como o reverendo Jayme Wright, na resistência à ditadura. Unidas, produziram o "Brasil: Nunca Mais," documento histórico sobre a tortura e tiveram um papel relevante na luta pela democratização do país. O culto ecumênico sobre a morte de Vladimir Herzog contou com a presença de ambos, acrescentada pelo rabino Henry Sobel.
É fácil entender o ponto principal. Quando o debate limita-se à vida real, o resultado é outro. Prevalecem os interesses gerais, que envolvem católicos e protestantes, muçulmanos, seguidores do candomblé e judeus, todos irmanados pela condição humana e a vontade de viver num mundo melhor. O destino merecido dos parlamentares que traíram o povo com o voto a favor da reforma trabalhista mostra isso.
Alguma dúvida?
Enquanto a campanha de Jair Bolsonaro tem feito o possível para mobilizar a fé religiosa como argumento fundamental para a escolha de candidato a presidente no segundo turno, é conveniente debater questões de natureza política e econômica que alimentam a vida cotidiana dos 215 milhões de brasileiros, sejam evangélicos, católicos, muçulmanos, judeus ou praticantes do candomblé.
Estamos falando de decisões que envolvem a criação de empregos e condições de trabalho, crescimento econômico e combate a pobreza, sempre essenciais num país que possui as desigualdades que todos conhecemos e agora enfrenta uma das piores crises de sua história. Um bom exemplo encontra-se na reforma trabalhista.
Um levantamento do Brasil-247 junto ao imenso contingente de deputados que o eleitor mandou para casa em 7 de outubro mostra a importância do assunto. Esquece a conversa de "velha" e "nova" política tão ao gosto de quem enxerga o debate político como uma sucessão do mercado de consumo.
O debate aqui envolve reivindicações e direitos que foram de milhões de brasileiros, perdidos por decisão dos parlamentares, que agora são chamados a pagar a conta.
Entre os 157 deputados que não conseguiram renovar o mandato em 2018, um total de 118 - mais de 70% - eram filiados aos partidos que apoiaram a reforma trabalhista de Temer-Meirelles, que transformou a CLT em peça de museu, a Justiça do Trabalho numa triste lembrança e colocou a sobrevivência dos sindicatos brasileiros em risco permanente.
Deputado pelo PTB gaúcho, o ex-ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira, que fez a versão final do projeto, foi mandado para casa pelo eleitor, da mesma forma que o relator, Rogério Marinho, do PSDB do Rio Grande do Norte. (O tucano José Fogaça, que relatou a reforma no Senado, também foi aposentado pelo voto popular).
Um dado importante é que em tempo de vacas esqueléticas a bancada a favor da reforma pode contar com um reforço financeiro para ajudar suas campanhas e nem isso adiantou. Como vários deputados admitiram em entrevista a Folha, não faltaram empresários de mão generosa, hoje integrantes do cordão financeiro de Bolsonaro, dispostos a sustentar quem defendeu seus interesses numa questão tão delicada. Um dos mais agudos estudiosos da vida brasileira, o professor Wanderley Guilherme dos Santos sempre entendeu que o fim da CLT era a única questão capaz de unificar o conjunto da elite brasileira.
Personagem destacado em toda decisão tomada pela Câmara depois que veio a suceder Eduardo Cunha na presidência da Casa, recebendo um tratamento benigno por parte dos meios de comunicação, Rodrigo Maia, conservou o mandato, com 70.000 votos - marca de pura sobrevivência num parlamentar que chegou a frequentar a lista de presidenciáveis para 2018.
Aliado da reforma trabalhista de 2017, Bolsonaro livrou-se do constrangimento de falar sobre o assunto no primeiro turno da campanha presidencial graças a facada de Juiz de Fora. Em julho, em entrevista a Rede TV, a apresentadora Mariana Godoy quis saber se, caso vier a ser eleito presidente, Bolsonaro pretendia fazer uma revisão da reforma trabalhista aprovada pelo Congresso. Ele deixou claro que nem pensa nisso. Citando empresários com quem mantém conversas privadas, o candidato definiu seu lado no conflito permanente entre capital e trabalho: "o trabalhador vai ter de decidir um dia entre menos direitos e emprego; ou todos os direitos e desemprego".
Reforçando o argumento, na mesma linha de raciocínio Bolsonaro também condenou a multa de 40% sobre o FGTS que o trabalhador tem direito a receber na hora em que é demitido. "Quanto mais direitos você quer dar para alguém pior fica", disse, numa linha de pensamento que pode ser útil para enfraquecer a resistência dos trabalhadores, mas não se comprova na realidade.
Durante os governos Lula-Dilma, quando vários de direitos de trabalhadores foram ampliados, e o salário mínimo passou a ter reajustes automáticos, cravando um uma elevação de 70% acima da inflação em 12 anos, a informalidade do mercado de trabalho foi reduzida e a taxa de desemprego atingiu o patamar mais baixo em décadas.
Sabemos que o apoio de pastores como Edir Macedo e Silas Malafaia, que lideram grandes denominações evangélicas, é uma alavanca importante da candidatura de Bolsonaro e as mensagens de teor religioso constituem um ponto básico da propaganda politica. "Deus, pátria e família" é um dos mandamentos favoritos. Outro: "Pátria acima de tudo. Deus acima de todos".
É fácil explicar a razão que leva Bolsonaro a misturar indevidamente dois aspectos diversos e separados da existência humana, a religião e a política, e tentar ganhar votos em cima disso.
Mesmo num país no qual todos têm direito a seguir a religião de sua escolha, e até não seguir religião alguma, ocorre uma situação conhecida nas campanhas eleitorais. Toda vez que o debate político envolve questões religiosas, a fé torna-se um argumento que tende a ganhar um peso desproporcional na decisão de voto e escolha dos candidatos, o que aumenta o poder das lideranças correspondentes e seu poder de barganha junto aos podres políticos.
A influência da Igreja Católica no período colonial, quando a religião era empregada como instrumento de dominação e pacificação interna, constitui um dado definitivo a respeito.
Em abril de 64, quando a cúpula da Igreja mobilizou os fiéis ao lado de generais que preparavam um golpe para derrubar governo constitucional, o lema de suas mobilizações era "Marcha da Família com Deus pela Liberdade".
Uma década depois, a Igreja Católica do Papa Paulo VI e dom Paulo Evaristo Arns, uniu-se ao Conselho Mundial de Igrejas, protestante, como o reverendo Jayme Wright, na resistência à ditadura. Unidas, produziram o "Brasil: Nunca Mais," documento histórico sobre a tortura e tiveram um papel relevante na luta pela democratização do país. O culto ecumênico sobre a morte de Vladimir Herzog contou com a presença de ambos, acrescentada pelo rabino Henry Sobel.
É fácil entender o ponto principal. Quando o debate limita-se à vida real, o resultado é outro. Prevalecem os interesses gerais, que envolvem católicos e protestantes, muçulmanos, seguidores do candomblé e judeus, todos irmanados pela condição humana e a vontade de viver num mundo melhor. O destino merecido dos parlamentares que traíram o povo com o voto a favor da reforma trabalhista mostra isso.
Alguma dúvida?
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