Por Tarso Genro, no site Sul-21:
O Presidente FHC disse esta semana que findou, em Portugal, que “ainda não sabe” se Bolsonaro é de extrema direita. Ciro Gomes manifestou, logo depois do resultado eleitoral, que não admite mais “fazer campanhas eleitorais ao lado do PT”. Magno Malta pode ser “Ministro da Família” e Moro estará ao lado do Presidente eleito como Super ministro. Até aqui são contingências da política – más ou boas – que podem ser criticadas ou apoiadas, dentro de uma certa relação com a democracia e que permitem que os seus protagonistas possam mudar ou não de posição, no curso dos contenciosos ordinários da democracia e assim serem julgados, politicamente, pelos seus aliados ou adversários.
O Presidente eleito, todavia, por gestos e palavras, ao invés de pelo menos formalmente propor um diálogo político – mesmo que exclua a esquerda – para que seus próprios aliados possam vislumbrar um mínimo de racionalidade na relação do Estado de Direito com seu Governo (cujos rumos econômicos são nebulosos), reafirma o seu apelo à violência. Isso é grave. O estímulo ao ódio contra quem não votou na sua proposta delirante – que conquistou o “mercado” sem explicitá-la – nada de braçadas na “exceção” , pois neste contexto de enfraquecimento do nosso Sistema de Justiça, nenhum tipo de responsabilização penal se erguerá contra ele: Lula como prisioneiro da exceção e Aécio livre e solto são sinais seguros que permitem que as redes continuem exalando bafos fétidos e programados de intolerância fascista, que percorrem todos os poros da sociedade.
Os instrumentos de análise com que estávamos acostumados a medir as pulsões sociais, os movimentos dos partidos tanto à esquerda como à direita, as manifestações de expoentes originários da academia, os pleitos eleitorais e a formação da opinião – aqueles instrumento de análise – de repente se mostraram impotentes e evasivos. Hoje vê-se com clareza, na derrota eleitoral de Haddad, que os porões do inconsciente da maioria foram invadidos e ordenados por um trabalho programado da grande mídia oligopólica, para que os seus impulsos mais primários não fossem filtrados pela reflexão e por testes mínimos de veracidade: para que as suas decisões na política assimilassem só o que fosse coerente com os dogmas que já estavam ali depositadas, por vários anos de propaganda da repulsa ao diferente.
O que dizer, por exemplo, de pessoas que até ontem eram consideradas “normais” e passaram a cultuar um “filósofo” que assevera – numa entrevista recente – que “os estudantes estão na Universidade apenas para fazer surubas e fumar maconha”? Como entender pessoas que consideram correto um indivíduo defender a tortura, porque “alguém para ser torturado deve ter feito alguma coisa muito grave”? O que dizer de jornalistas e políticos, que até ontem defendiam o Estado de Direito e brindavam a luta contra a corrupção, mas agora se transladam para o mesmo campo dos que que defendem a contratação de “snipers” para “abater” pessoas, sem julgamento e sem processo, nas favelas do Rio?
Assim como no nazismo foi necessário identificar a comunidade judia como depositária dos males que causavam a decadência da Alemanha, no Brasil de hoje a extrema-direita conseguiu, pelo menos na metade da população – atravessando todas as classes sociais – estabelecer na “política”, nas esquerdas, no PT, nos nordestinos, nas mulheres liberadas e em parte da comunidade negra, a responsabilidade pela “decadência” dos nossos costumes e as causas da crise econômica. Isso terminou por criar uma cultura de “resistência” sectária, disseminada em parte nas classes populares, que estabeleceu uma nova identidade pela negação: negação do outro, negação da política, negação da democracia, negação do direito à diferença, negação do direito à vida, promovendo uma “Guerra Desnecessária”. Assim designou Churchill, a Segunda Guerra Mundial, quando Roosevelt pediu publicamente sugestões sobre como ela deveria ser classificada. As guerras são consideradas desnecessárias pelos países soberanos, quando eles podem acordar soluções razoáveis para os mais fortes, sem o sacrifício dos mais fracos, que depois serão seu botim.
As guerras internas “desnecessárias” são encetadas por quem é vitorioso e não precisa mais delas, para se impor aos adversários ou inimigos. Em 1996 recebi de presente um magnífico livro da querida Professora Nize Pellanda, que às vezes recorro para compreender um pouco mais – ou para descompreender um pouco menos – os tempos que vamos vivendo. Trata-se da obra escrita a várias mãos, organizada por ela e pelo Professor Luiz Ernesto Pellanda, “Psicanálise hoje uma revolução no olhar” (Ed.Vozes, 734 pgs), que tem textos lapidares para compreender os infortúnios da política, quando ela não leva em conta as raízes das personalidades narcísicas. O domínio destas, em determinados cenários históricos, ocorre sempre em condições favoráveis, em termos sócio-econômicos, seja para tentar expandir o que o narcisista entende por Humanismo e Justiça, seja para bloquear as virtudes mínimas da razão.
Lá está no texto do Professor e Psicanalista americano Otto Kernberg, no ensaio “Uma teoria psicanalítica das desordens da personalidade”, uma lição esclarecedora: “Quando a patologia intensa de agressão domina em uma estrutura de personalidade narcisista, o “self” grandioso patológico pode se tornar infiltrado por agressão sintônica do ego, com o desenvolvimento de uma grandiosidade combinada com crueldade, sadismo ou ódio, que traduzem a síndrome de narcisismo maligno, que é uma combinação de personalidade narcisista, comportamento anti-social, agressão sintônica do ego e tendências paranoides.” O “mito”, composto por qualquer lado da História, faz a síntese de toda esta grandiosidade, que sempre vai apoiar-se numa narrativa histórica falsificada de um país ou de um Homem abstrato. Apresenta-se heroica e histórica para poder oprimir, no cotidiano, países e homens concretos dos quais é feita toda a humanidade real.
O Presidente FHC disse esta semana que findou, em Portugal, que “ainda não sabe” se Bolsonaro é de extrema direita. Ciro Gomes manifestou, logo depois do resultado eleitoral, que não admite mais “fazer campanhas eleitorais ao lado do PT”. Magno Malta pode ser “Ministro da Família” e Moro estará ao lado do Presidente eleito como Super ministro. Até aqui são contingências da política – más ou boas – que podem ser criticadas ou apoiadas, dentro de uma certa relação com a democracia e que permitem que os seus protagonistas possam mudar ou não de posição, no curso dos contenciosos ordinários da democracia e assim serem julgados, politicamente, pelos seus aliados ou adversários.
O Presidente eleito, todavia, por gestos e palavras, ao invés de pelo menos formalmente propor um diálogo político – mesmo que exclua a esquerda – para que seus próprios aliados possam vislumbrar um mínimo de racionalidade na relação do Estado de Direito com seu Governo (cujos rumos econômicos são nebulosos), reafirma o seu apelo à violência. Isso é grave. O estímulo ao ódio contra quem não votou na sua proposta delirante – que conquistou o “mercado” sem explicitá-la – nada de braçadas na “exceção” , pois neste contexto de enfraquecimento do nosso Sistema de Justiça, nenhum tipo de responsabilização penal se erguerá contra ele: Lula como prisioneiro da exceção e Aécio livre e solto são sinais seguros que permitem que as redes continuem exalando bafos fétidos e programados de intolerância fascista, que percorrem todos os poros da sociedade.
Os instrumentos de análise com que estávamos acostumados a medir as pulsões sociais, os movimentos dos partidos tanto à esquerda como à direita, as manifestações de expoentes originários da academia, os pleitos eleitorais e a formação da opinião – aqueles instrumento de análise – de repente se mostraram impotentes e evasivos. Hoje vê-se com clareza, na derrota eleitoral de Haddad, que os porões do inconsciente da maioria foram invadidos e ordenados por um trabalho programado da grande mídia oligopólica, para que os seus impulsos mais primários não fossem filtrados pela reflexão e por testes mínimos de veracidade: para que as suas decisões na política assimilassem só o que fosse coerente com os dogmas que já estavam ali depositadas, por vários anos de propaganda da repulsa ao diferente.
O que dizer, por exemplo, de pessoas que até ontem eram consideradas “normais” e passaram a cultuar um “filósofo” que assevera – numa entrevista recente – que “os estudantes estão na Universidade apenas para fazer surubas e fumar maconha”? Como entender pessoas que consideram correto um indivíduo defender a tortura, porque “alguém para ser torturado deve ter feito alguma coisa muito grave”? O que dizer de jornalistas e políticos, que até ontem defendiam o Estado de Direito e brindavam a luta contra a corrupção, mas agora se transladam para o mesmo campo dos que que defendem a contratação de “snipers” para “abater” pessoas, sem julgamento e sem processo, nas favelas do Rio?
Assim como no nazismo foi necessário identificar a comunidade judia como depositária dos males que causavam a decadência da Alemanha, no Brasil de hoje a extrema-direita conseguiu, pelo menos na metade da população – atravessando todas as classes sociais – estabelecer na “política”, nas esquerdas, no PT, nos nordestinos, nas mulheres liberadas e em parte da comunidade negra, a responsabilidade pela “decadência” dos nossos costumes e as causas da crise econômica. Isso terminou por criar uma cultura de “resistência” sectária, disseminada em parte nas classes populares, que estabeleceu uma nova identidade pela negação: negação do outro, negação da política, negação da democracia, negação do direito à diferença, negação do direito à vida, promovendo uma “Guerra Desnecessária”. Assim designou Churchill, a Segunda Guerra Mundial, quando Roosevelt pediu publicamente sugestões sobre como ela deveria ser classificada. As guerras são consideradas desnecessárias pelos países soberanos, quando eles podem acordar soluções razoáveis para os mais fortes, sem o sacrifício dos mais fracos, que depois serão seu botim.
As guerras internas “desnecessárias” são encetadas por quem é vitorioso e não precisa mais delas, para se impor aos adversários ou inimigos. Em 1996 recebi de presente um magnífico livro da querida Professora Nize Pellanda, que às vezes recorro para compreender um pouco mais – ou para descompreender um pouco menos – os tempos que vamos vivendo. Trata-se da obra escrita a várias mãos, organizada por ela e pelo Professor Luiz Ernesto Pellanda, “Psicanálise hoje uma revolução no olhar” (Ed.Vozes, 734 pgs), que tem textos lapidares para compreender os infortúnios da política, quando ela não leva em conta as raízes das personalidades narcísicas. O domínio destas, em determinados cenários históricos, ocorre sempre em condições favoráveis, em termos sócio-econômicos, seja para tentar expandir o que o narcisista entende por Humanismo e Justiça, seja para bloquear as virtudes mínimas da razão.
Lá está no texto do Professor e Psicanalista americano Otto Kernberg, no ensaio “Uma teoria psicanalítica das desordens da personalidade”, uma lição esclarecedora: “Quando a patologia intensa de agressão domina em uma estrutura de personalidade narcisista, o “self” grandioso patológico pode se tornar infiltrado por agressão sintônica do ego, com o desenvolvimento de uma grandiosidade combinada com crueldade, sadismo ou ódio, que traduzem a síndrome de narcisismo maligno, que é uma combinação de personalidade narcisista, comportamento anti-social, agressão sintônica do ego e tendências paranoides.” O “mito”, composto por qualquer lado da História, faz a síntese de toda esta grandiosidade, que sempre vai apoiar-se numa narrativa histórica falsificada de um país ou de um Homem abstrato. Apresenta-se heroica e histórica para poder oprimir, no cotidiano, países e homens concretos dos quais é feita toda a humanidade real.
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