Por Marcelo Zero
E quando pensávamos que a coisa não poderia mais piorar vem a notícia: Bolsonaro nomeia como ministro das Relações Exteriores o embaixador Ernesto Henrique Fraga Araújo, atual Diretor do Departamento dos Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos do MRE, cargo de terceiro escalão do Itamaraty.
Recém-promovido a embaixador, o diplomata agraciado com o cargo não tem muita experiência.
Nunca foi chefe de missão diplomática e jamais foi sabatinado pelo Senado. Embora a escolha de um embaixador “júnior” de terceiro escalão para o principal cargo da diplomacia não tenha agradado ao Itamaraty, casa acostumada a uma hierarquia rígida, talvez isso não deva nos preocupar tanto.
Afinal, consta que ele foi sabatinado pelos filhos do capitão, os quais, como se sabe, possuem vasta expertise no espinhoso campo da política externa.
Também foi avalizado e indicado pelo insigne filósofo (?) e astrólogo Olavo de Carvalho, grande luminar do pensamento geoestratégico, repeitado em todo o mundo.
Preocupam, no entanto, as “ideias” do diplomata.
Ele é um defensor ardoroso de Donald Trump, o controverso presidente norte-americano, que costuma distribuir grosseiras patadas até mesmo nos aliados históricos dos EUA.
No segundo semestre do ano passado, o diplomata premiado publicou, nos "Cadernos de Política Exterior," um inacreditável artigo intitulado "Trump e o Ocidente”, no qual, em tom messiânico, descreve Trump como uma espécie de novo Salvador da Civilização Ocidental.
O resumo é o seguinte: “O presidente Donald Trump propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal, mas na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais. A visão de Trump tem lastro em uma longa tradição intelectual e sentimental, que vai de Ésquilo a Oswald Spengler, e mostra o nacionalismo como indissociável da essência do Ocidente. Em seu centro, está não uma doutrina econômica e política, mas o anseio por Deus, o Deus que age na história. Não se trata tampouco de uma proposta de expansionismo ocidental, mas de um pan‑nacionalismo. O Brasil necessita refletir e definir se faz parte desse Ocidente.”
O artigo, mal-escrito e confuso, contém “pérolas” que precisam ser destacadas.
Segundo ele, “Trump desafia nossa maneira usual de pensar. Aceitemos esse desafio. Não nos satisfaçamos com uma caricatura, com as matérias de 30 segundos que aparecem no Jornal Nacional e tentam sempre mostrar um Trump desconexo, arbitrário, caótico.”
De fato, Trump nos desafia. A nós é à lógica.
É difícil perceber consistência e coerência num “pensamento” tão tosco e primitivo.
Mas sigamos.
Segundo o diplomata: “Assim como Ronald Reagan – formado por uma universidade insignificante no meio dos milharais de Illinois, narrador esportivo medíocre, ator de pouco talento – conseguiu aquilo em que gerações de políticos sofisticados e aristocratas da Ivy League falharam, isto é, derrotar o comunismo, assim também Donald Trump – esse bilionário com ternos um pouco largos demais, incorporador de cassinos e clubes de golfe – parece ter hoje uma visão de mundo que ultrapassa em muitas léguas, em profundidade e extensão, as visões da elite hiperintelectualizada e cosmopolita que o despreza.”
Perceberam o apelo ao “homem comum”, ao anti-intelectualismo e ao anticosmopolitismo, tão caros ao ideário do nacional-socialismo alemão?
O preclaro diplomata praticamente chega às lágrimas, quando analisa um discurso de Trump, feito em Varsóvia, no dia 6 de julho de 2017.
Segundo ele, “Trump pronunciou um discurso marcante em defesa do Ocidente, um discurso que nenhum outro estadista no mundo hoje teria a coragem ou a capacidade de pronunciar.”
O tema central do discurso de Trump “é a visão de que o Ocidente está mortalmente ameaçado desde o interior, e somente sobreviverá se recuperar o seu espírito.”
Segundo o embaixador, “há muito tempo um líder mundial não falava dessa maneira; Trump aqui se aproxima de Reagan e de Churchill (que se viam como os grandes defensores da liberdade e da civilização diante da barbárie e da opressão).”
Para o novo chanceler brasileiro, “a Europa pós‑moderna – junto com os Estados Unidos que, até Obama, cada vez mais se assemelhavam à Europa – viviam ultimamente numa espécie de tanque de isolamento histórico, viviam já fora da história, depois da história, num estado de espírito (ou falta de espírito) onde o passado é um território estranho. Desde o “iluminismo” toda a tradição liberal e revolucionária constituiu‑se numa rejeição do passado – em suas várias facetas de rejeição dos heróis, rejeição do culto religioso e rejeição da família (a família, esse indispensável microcosmo da história, que liga o indivíduo ao tempo assim como a nação liga um povo a um tempo). De repente “os ancestrais” aparecem no discurso do mandatário do país que vinha liderando a “ordem liberal”, essa mesma “ordem” que rejeitava o passado, os heróis, a fé e a família.”
Ele escreve que “o homem pós‑moderno não tem ancestrais, as sociedades pós‑modernas não têm heróis. Trump, ao falar de alma, desafia frontalmente o homem pós‑moderno, que não tem alma, que tem apenas processos químicos ocorrendo aleatoriamente entre seus neurônios. Trump fala de Deus, e nada é mais ofensivo para o homem pós‑moderno, que matou Deus há muito tempo e não gosta que lhe recordem o crime.”(!!!!)
O embaixador, que rejeita até o iluminismo, parece ter saudades de um mundo pré-Revolução Francesa, ou talvez até pré-Revolução Americana, também caudatária do iluminismo.
Um mundo sem Estado laico e sem democracia, mas com muita tradição, muita religiosidade e muitos heróis míticos. Um mundo com um Deus imanente na história. Um mundo, como diria Weber, ainda “encantado”. Enfim, um mundo irracional e pré-científico.
A “redenção” do Ocidente estaria, assim, na volta a Deus, à religião cristã e aos valores tradicionais, que incluem o culto aos heróis, à família, à nação, ao passado e aos ancestrais.
Para tanto, seria necessário se combater o “marxismo cultural”, que, segundo o novo chanceler, conduz hoje o “globalismo anticristão”.
No plano interno, isso implicaria combater o PT, um “partido terrorista”, e todas as forças progressistas que compõem o “marxismo cultural”, como as empenhadas no feminismo, na luta contra o racismo, na afirmação dos direitos dos gays, na criação de sociedades multiculturais, etc.
No plano externo, tal opção ideológica significaria um alinhamento às diretrizes de Trump e dos EUA e uma rejeição à ameaça da “China maoista”, dos BRICS, da integração regional, do “bolivarianismo”, etc.
Não há nada de original nessas, assim digamos, “reflexões” mal-escritas e confusas.
Trata-se apenas de mero aggiornamento das ideias da extrema direita norte-americana, as quais remontam à década de 1960, quando a Escola de Frankfurt (Marcuse, Adorno, Horkheimer, entre outros) foi identificada, pelos conservadores, como o epicentro intelectual dos protestos estudantis e da contestação do status quo.
Já naquela época, o “marxismo cultural” da Escola de Frankfurt era visto como uma grande ameaça à nação americana e aos seus valores tradicionais.
Na década de 1980, William S. Lind escreveu que a Escola de Frankfurt estava na origem do “politicamente correto”, que subvertia a sociedade americana “por dentro”.
Hoje em dia, tais ideias foram recicladas por gente como Steve Bannon e Andrew Breitbart, muito próximos a Trump. No Brasil, essas ideias já foram esgrimidas, em essência, por grupos antigos, como o da TFP (Tradição, Família e Propriedade) e o movimento integralista.
Assim, as ideias do embaixador são a reciclagem da reciclagem. Mas isso é tema para outro artigo.
O que interessa aqui é que essa clara e total subordinação política e ideológica a Trump e à extrema direita norte-americana, que chega ao desvario, deveria inviabilizar o folclórico embaixador como nosso ministro das relações exteriores. Com efeito, como o Brasil pode ter um chanceler que vê o controverso presidente norte-americano como uma adolescente veria um ídolo pop?
Ter como chanceler alguém que é fã incondicional de Trump, que o vê como uma espécie de Messias do Ocidente, é algo extremamente embaraçoso, para dizer o mínimo.
Não se trata de antiamericanismo, trata-se de bom senso.
O chanceler de um país como o Brasil, que tem interesses próprios e diversos, não pode ser intelectual e politicamente subordinado a um chefe de Estado de outro país. Seja qual país for.
Suponhamos que o diplomata em questão tivesse escrito um artigo, no mesmo tom messiânico e desvairado, no qual manifestasse a opinião de que Putin ou Xi Jinping fossem novos Messias que estariam destinados a salvar a humanidade.
Obviamente, isso também o desqualificaria para ser chanceler do Brasil.
É preciso compreender que o chanceler tem de cuidar dos interesses diversos e de longo prazo do país, que se espraiam pelo mundo.
Ao manifestar de forma tão subalterna a sua admiração por Trump, e sua hostilidade para com a China, a Europa integrada e o mundo islâmico, o novo chanceler não apenas compromete as relações do Brasil com vastas porções do planeta, como até o próprio relacionamento de longo prazo com os EUA.
Daqui a dois anos, teremos novas eleições nos EUA. E se o candidato democrata ganhar, como que vocês acham que o novo governo norte-americano veria o chanceler brasileiro e o presidente Bolsonaro, também um fã declarado de Tump? É evidente que não seriam vistos com muita simpatia.
Não tenham dúvidas. Essa designação do novo chanceler tende a isolar ainda mais o Brasil, que, desde o golpe, goza de péssima imagem no exterior.
Em poucas semanas de eleita, a armada Bolsoleone já conseguiu comprar briga com a China, nosso principal parceiro comercial, com o Mercosul, bloco estratégico para o Brasil, com todo o mundo árabe e até com a pacífica e pacata Noruega.
Com a desastrada nomeação do novo chanceler abrem-se novas fontes de conflito com a Rússia, com o mundo islâmico e até com a União Europeia, que é descrita, pelo novo chanceler, como uma região onde não há mais “espírito” e na qual prevalece o globalismo anti-humano e anticristão.
Também teremos conflito com todo o movimento ambientalista do mundo, pois, para o novo chanceler, o aquecimento global é apenas uma ‘ideologia”, tal qual supõe Trump.
Tudo isso para quê?
Para bajular um presidente efêmero e controverso que nos impõe medidas protecionistas descabidas, que já prendeu crianças brasileiras e que nutre evidente desprezo por toda América Latina.
E se enganam aqueles que acham que o novo chanceler e Bolsonaro serão protecionistas. Não serão.
O nacionalismo de que fala o chanceler é um nacionalismo de valores arcaicos, que luta contra os valores progressistas impostos, segundo sua visão paranoica, pelo “marxismo cultural globalizante”.
Em economia, serão decididamente entreguistas. Isso já foi decidido por seus ídolos externos.
Não poderia haver desastre maior para nossa política externa.
Um desastre que nos leva a tempos medievais. A armada Bolsoleone, tal qual a ridícula armada Brancaleone do filme de Monicelli, parece realmente saída da Idade Média.
Trevas nos esperam.
E quando pensávamos que a coisa não poderia mais piorar vem a notícia: Bolsonaro nomeia como ministro das Relações Exteriores o embaixador Ernesto Henrique Fraga Araújo, atual Diretor do Departamento dos Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos do MRE, cargo de terceiro escalão do Itamaraty.
Recém-promovido a embaixador, o diplomata agraciado com o cargo não tem muita experiência.
Nunca foi chefe de missão diplomática e jamais foi sabatinado pelo Senado. Embora a escolha de um embaixador “júnior” de terceiro escalão para o principal cargo da diplomacia não tenha agradado ao Itamaraty, casa acostumada a uma hierarquia rígida, talvez isso não deva nos preocupar tanto.
Afinal, consta que ele foi sabatinado pelos filhos do capitão, os quais, como se sabe, possuem vasta expertise no espinhoso campo da política externa.
Também foi avalizado e indicado pelo insigne filósofo (?) e astrólogo Olavo de Carvalho, grande luminar do pensamento geoestratégico, repeitado em todo o mundo.
Preocupam, no entanto, as “ideias” do diplomata.
Ele é um defensor ardoroso de Donald Trump, o controverso presidente norte-americano, que costuma distribuir grosseiras patadas até mesmo nos aliados históricos dos EUA.
No segundo semestre do ano passado, o diplomata premiado publicou, nos "Cadernos de Política Exterior," um inacreditável artigo intitulado "Trump e o Ocidente”, no qual, em tom messiânico, descreve Trump como uma espécie de novo Salvador da Civilização Ocidental.
O resumo é o seguinte: “O presidente Donald Trump propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal, mas na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais. A visão de Trump tem lastro em uma longa tradição intelectual e sentimental, que vai de Ésquilo a Oswald Spengler, e mostra o nacionalismo como indissociável da essência do Ocidente. Em seu centro, está não uma doutrina econômica e política, mas o anseio por Deus, o Deus que age na história. Não se trata tampouco de uma proposta de expansionismo ocidental, mas de um pan‑nacionalismo. O Brasil necessita refletir e definir se faz parte desse Ocidente.”
O artigo, mal-escrito e confuso, contém “pérolas” que precisam ser destacadas.
Segundo ele, “Trump desafia nossa maneira usual de pensar. Aceitemos esse desafio. Não nos satisfaçamos com uma caricatura, com as matérias de 30 segundos que aparecem no Jornal Nacional e tentam sempre mostrar um Trump desconexo, arbitrário, caótico.”
De fato, Trump nos desafia. A nós é à lógica.
É difícil perceber consistência e coerência num “pensamento” tão tosco e primitivo.
Mas sigamos.
Segundo o diplomata: “Assim como Ronald Reagan – formado por uma universidade insignificante no meio dos milharais de Illinois, narrador esportivo medíocre, ator de pouco talento – conseguiu aquilo em que gerações de políticos sofisticados e aristocratas da Ivy League falharam, isto é, derrotar o comunismo, assim também Donald Trump – esse bilionário com ternos um pouco largos demais, incorporador de cassinos e clubes de golfe – parece ter hoje uma visão de mundo que ultrapassa em muitas léguas, em profundidade e extensão, as visões da elite hiperintelectualizada e cosmopolita que o despreza.”
Perceberam o apelo ao “homem comum”, ao anti-intelectualismo e ao anticosmopolitismo, tão caros ao ideário do nacional-socialismo alemão?
O preclaro diplomata praticamente chega às lágrimas, quando analisa um discurso de Trump, feito em Varsóvia, no dia 6 de julho de 2017.
Segundo ele, “Trump pronunciou um discurso marcante em defesa do Ocidente, um discurso que nenhum outro estadista no mundo hoje teria a coragem ou a capacidade de pronunciar.”
O tema central do discurso de Trump “é a visão de que o Ocidente está mortalmente ameaçado desde o interior, e somente sobreviverá se recuperar o seu espírito.”
Segundo o embaixador, “há muito tempo um líder mundial não falava dessa maneira; Trump aqui se aproxima de Reagan e de Churchill (que se viam como os grandes defensores da liberdade e da civilização diante da barbárie e da opressão).”
Para o novo chanceler brasileiro, “a Europa pós‑moderna – junto com os Estados Unidos que, até Obama, cada vez mais se assemelhavam à Europa – viviam ultimamente numa espécie de tanque de isolamento histórico, viviam já fora da história, depois da história, num estado de espírito (ou falta de espírito) onde o passado é um território estranho. Desde o “iluminismo” toda a tradição liberal e revolucionária constituiu‑se numa rejeição do passado – em suas várias facetas de rejeição dos heróis, rejeição do culto religioso e rejeição da família (a família, esse indispensável microcosmo da história, que liga o indivíduo ao tempo assim como a nação liga um povo a um tempo). De repente “os ancestrais” aparecem no discurso do mandatário do país que vinha liderando a “ordem liberal”, essa mesma “ordem” que rejeitava o passado, os heróis, a fé e a família.”
Ele escreve que “o homem pós‑moderno não tem ancestrais, as sociedades pós‑modernas não têm heróis. Trump, ao falar de alma, desafia frontalmente o homem pós‑moderno, que não tem alma, que tem apenas processos químicos ocorrendo aleatoriamente entre seus neurônios. Trump fala de Deus, e nada é mais ofensivo para o homem pós‑moderno, que matou Deus há muito tempo e não gosta que lhe recordem o crime.”(!!!!)
O embaixador, que rejeita até o iluminismo, parece ter saudades de um mundo pré-Revolução Francesa, ou talvez até pré-Revolução Americana, também caudatária do iluminismo.
Um mundo sem Estado laico e sem democracia, mas com muita tradição, muita religiosidade e muitos heróis míticos. Um mundo com um Deus imanente na história. Um mundo, como diria Weber, ainda “encantado”. Enfim, um mundo irracional e pré-científico.
A “redenção” do Ocidente estaria, assim, na volta a Deus, à religião cristã e aos valores tradicionais, que incluem o culto aos heróis, à família, à nação, ao passado e aos ancestrais.
Para tanto, seria necessário se combater o “marxismo cultural”, que, segundo o novo chanceler, conduz hoje o “globalismo anticristão”.
No plano interno, isso implicaria combater o PT, um “partido terrorista”, e todas as forças progressistas que compõem o “marxismo cultural”, como as empenhadas no feminismo, na luta contra o racismo, na afirmação dos direitos dos gays, na criação de sociedades multiculturais, etc.
No plano externo, tal opção ideológica significaria um alinhamento às diretrizes de Trump e dos EUA e uma rejeição à ameaça da “China maoista”, dos BRICS, da integração regional, do “bolivarianismo”, etc.
Não há nada de original nessas, assim digamos, “reflexões” mal-escritas e confusas.
Trata-se apenas de mero aggiornamento das ideias da extrema direita norte-americana, as quais remontam à década de 1960, quando a Escola de Frankfurt (Marcuse, Adorno, Horkheimer, entre outros) foi identificada, pelos conservadores, como o epicentro intelectual dos protestos estudantis e da contestação do status quo.
Já naquela época, o “marxismo cultural” da Escola de Frankfurt era visto como uma grande ameaça à nação americana e aos seus valores tradicionais.
Na década de 1980, William S. Lind escreveu que a Escola de Frankfurt estava na origem do “politicamente correto”, que subvertia a sociedade americana “por dentro”.
Hoje em dia, tais ideias foram recicladas por gente como Steve Bannon e Andrew Breitbart, muito próximos a Trump. No Brasil, essas ideias já foram esgrimidas, em essência, por grupos antigos, como o da TFP (Tradição, Família e Propriedade) e o movimento integralista.
Assim, as ideias do embaixador são a reciclagem da reciclagem. Mas isso é tema para outro artigo.
O que interessa aqui é que essa clara e total subordinação política e ideológica a Trump e à extrema direita norte-americana, que chega ao desvario, deveria inviabilizar o folclórico embaixador como nosso ministro das relações exteriores. Com efeito, como o Brasil pode ter um chanceler que vê o controverso presidente norte-americano como uma adolescente veria um ídolo pop?
Ter como chanceler alguém que é fã incondicional de Trump, que o vê como uma espécie de Messias do Ocidente, é algo extremamente embaraçoso, para dizer o mínimo.
Não se trata de antiamericanismo, trata-se de bom senso.
O chanceler de um país como o Brasil, que tem interesses próprios e diversos, não pode ser intelectual e politicamente subordinado a um chefe de Estado de outro país. Seja qual país for.
Suponhamos que o diplomata em questão tivesse escrito um artigo, no mesmo tom messiânico e desvairado, no qual manifestasse a opinião de que Putin ou Xi Jinping fossem novos Messias que estariam destinados a salvar a humanidade.
Obviamente, isso também o desqualificaria para ser chanceler do Brasil.
É preciso compreender que o chanceler tem de cuidar dos interesses diversos e de longo prazo do país, que se espraiam pelo mundo.
Ao manifestar de forma tão subalterna a sua admiração por Trump, e sua hostilidade para com a China, a Europa integrada e o mundo islâmico, o novo chanceler não apenas compromete as relações do Brasil com vastas porções do planeta, como até o próprio relacionamento de longo prazo com os EUA.
Daqui a dois anos, teremos novas eleições nos EUA. E se o candidato democrata ganhar, como que vocês acham que o novo governo norte-americano veria o chanceler brasileiro e o presidente Bolsonaro, também um fã declarado de Tump? É evidente que não seriam vistos com muita simpatia.
Não tenham dúvidas. Essa designação do novo chanceler tende a isolar ainda mais o Brasil, que, desde o golpe, goza de péssima imagem no exterior.
Em poucas semanas de eleita, a armada Bolsoleone já conseguiu comprar briga com a China, nosso principal parceiro comercial, com o Mercosul, bloco estratégico para o Brasil, com todo o mundo árabe e até com a pacífica e pacata Noruega.
Com a desastrada nomeação do novo chanceler abrem-se novas fontes de conflito com a Rússia, com o mundo islâmico e até com a União Europeia, que é descrita, pelo novo chanceler, como uma região onde não há mais “espírito” e na qual prevalece o globalismo anti-humano e anticristão.
Também teremos conflito com todo o movimento ambientalista do mundo, pois, para o novo chanceler, o aquecimento global é apenas uma ‘ideologia”, tal qual supõe Trump.
Tudo isso para quê?
Para bajular um presidente efêmero e controverso que nos impõe medidas protecionistas descabidas, que já prendeu crianças brasileiras e que nutre evidente desprezo por toda América Latina.
E se enganam aqueles que acham que o novo chanceler e Bolsonaro serão protecionistas. Não serão.
O nacionalismo de que fala o chanceler é um nacionalismo de valores arcaicos, que luta contra os valores progressistas impostos, segundo sua visão paranoica, pelo “marxismo cultural globalizante”.
Em economia, serão decididamente entreguistas. Isso já foi decidido por seus ídolos externos.
Não poderia haver desastre maior para nossa política externa.
Um desastre que nos leva a tempos medievais. A armada Bolsoleone, tal qual a ridícula armada Brancaleone do filme de Monicelli, parece realmente saída da Idade Média.
Trevas nos esperam.
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