Por Eric Nepomuceno, no site Carta Maior:
A assombrosa capacidade de Jair Bolsonaro – e de parte de seus ministros – de disparar estupidezes e um imenso repertorio de atitudes patéticas é o dado mais visível do que ocorre no Brasil. Bolsonaro tem Donald Trump como modelo a seguir. E em ao menos um aspecto ele conseguiu superar seu ídolo: em seus primeiros 68 dias como presidente, o primata brasileiro mentiu 82 vezes em suas declarações oficiais. Trump precisou de três longos meses para alcançar essa marca.
Os dois também possuem outro ponto em comum, com outra vitória do brasileiro: o peso de seus familiares na administração. Quando comparado ao clã Bolsonaro – o capitão e seus três hidrofóbicos filhos – o clã de Trump se transforma em um exemplo de equilíbrio e serenidade.
Enquanto o capitão dedica seu tempo a despejar ódio e rancor pelo Twitter, alguns dos seus ministros travam uma feroz disputa para saber quem é o mais bizarro. O de Relaciones Exteriores se define como um guerreiro da luta contra a contaminação marxista que sufoca a humanidade. A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, uma evangélica fundamentalista, diz ter adotado uma menina indígena (hoje uma jovem de 20 anos) apesar de jamais ter realizado os trâmites previstos na lei: se apoderou dela e pronto. O de Educação, um colombiano que ninguém jamais havia ouvido falar, vê a ameaça comunista muito próxima. O do Meio Ambiente apresentou em seu currículo um mestrado em Harvard, sem jamais ter posto o pé em uma classe em tal universidade.
A lista de aberrações traz novidades todos os dias, mas o epicentro dessas sandices vem do guru do clã Bolsonaro, um astrólogo que se apresenta como filósofo e professor, embora não tenha terminado sequer o primeiro grau.
A grande ameaça, em todo caso, não está na parte mais visível do que, por delicadeza, se costuma chamar “governo”: está no que começa a gotear dos integrantes da equipe econômico encabeçada por Paulo Guedes, um especulador do mercado que tem como ponto máximo de sua carreira uma colaboração com um governo que considera paradigmático, o do general Pinochet, no Chile.
Por estes dias essa tropa celebrou o sucesso do primeiro leilão do programa de privatizações, o dos aeroportos brasileiros. O troféu máximo foi entregue à espanhola Aena, que pagou 500 milhões de dólares pelo bloco mais atraente. Detalhe: 51% das ações da Aena pertencem ao Estado. Ou seja, uma estatal espanhola “privatizou” uma estatal brasileira.
Guedes anunciou que “nos próximos anos” entre 40% e 50% dos funcionários públicos se aposentarão, e não serão abertos novos concursos para substituir essas vagas. “Vamos investir na digitalização”, disse. No Brasil, o total de funcionários públicos ativos representa 1,6% da população. Para fundamentalistas do neoliberalismo, como Guedes, essa é uma fonte dos males que padecemos. Talvez se esqueça – ou não saiba – que na Alemanha, essa proporção é de 10,6%, nos Estados Unidos é de 15,3%, na França: 21,4%, na Suécia: 28,6%, e na Noruega é de exatos 30%.
Os bancos públicos vão sendo desmantelados aos poucos. A Caixa Econômica Federal, com mais de um século de vida, venderá os serviços de cartões de crédito e uma de suas enormes fontes de lucro, as loterias. Se dependesse do presidente do Banco do Brasil, o destino da instituição seria a morte súbita. Também o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, daria à empresa – e a todas as estatais – idêntico destino.
Castello Branco sabe que não pode realizar seu sonho numa única jogada. Então, o fará pouco a pouco: começará vendendo a distribuidora BR. Os alvos seguintes serão as refinarias, e há muito sendo “cuidadosamente estudado”. Em outros âmbitos, as universidades federais caminham para a guilhotina. Ou seja: enquanto o país se distrai com aberrações escandalosas, outros escândalos – muito mais devastadores – são tramados nas sombras.
Os mercadores já sabiam: Bolsonaro é a receita perfeita.
* Publicado originalmente no jornal argentino Página-12.
A assombrosa capacidade de Jair Bolsonaro – e de parte de seus ministros – de disparar estupidezes e um imenso repertorio de atitudes patéticas é o dado mais visível do que ocorre no Brasil. Bolsonaro tem Donald Trump como modelo a seguir. E em ao menos um aspecto ele conseguiu superar seu ídolo: em seus primeiros 68 dias como presidente, o primata brasileiro mentiu 82 vezes em suas declarações oficiais. Trump precisou de três longos meses para alcançar essa marca.
Os dois também possuem outro ponto em comum, com outra vitória do brasileiro: o peso de seus familiares na administração. Quando comparado ao clã Bolsonaro – o capitão e seus três hidrofóbicos filhos – o clã de Trump se transforma em um exemplo de equilíbrio e serenidade.
Enquanto o capitão dedica seu tempo a despejar ódio e rancor pelo Twitter, alguns dos seus ministros travam uma feroz disputa para saber quem é o mais bizarro. O de Relaciones Exteriores se define como um guerreiro da luta contra a contaminação marxista que sufoca a humanidade. A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, uma evangélica fundamentalista, diz ter adotado uma menina indígena (hoje uma jovem de 20 anos) apesar de jamais ter realizado os trâmites previstos na lei: se apoderou dela e pronto. O de Educação, um colombiano que ninguém jamais havia ouvido falar, vê a ameaça comunista muito próxima. O do Meio Ambiente apresentou em seu currículo um mestrado em Harvard, sem jamais ter posto o pé em uma classe em tal universidade.
A lista de aberrações traz novidades todos os dias, mas o epicentro dessas sandices vem do guru do clã Bolsonaro, um astrólogo que se apresenta como filósofo e professor, embora não tenha terminado sequer o primeiro grau.
A grande ameaça, em todo caso, não está na parte mais visível do que, por delicadeza, se costuma chamar “governo”: está no que começa a gotear dos integrantes da equipe econômico encabeçada por Paulo Guedes, um especulador do mercado que tem como ponto máximo de sua carreira uma colaboração com um governo que considera paradigmático, o do general Pinochet, no Chile.
Por estes dias essa tropa celebrou o sucesso do primeiro leilão do programa de privatizações, o dos aeroportos brasileiros. O troféu máximo foi entregue à espanhola Aena, que pagou 500 milhões de dólares pelo bloco mais atraente. Detalhe: 51% das ações da Aena pertencem ao Estado. Ou seja, uma estatal espanhola “privatizou” uma estatal brasileira.
Guedes anunciou que “nos próximos anos” entre 40% e 50% dos funcionários públicos se aposentarão, e não serão abertos novos concursos para substituir essas vagas. “Vamos investir na digitalização”, disse. No Brasil, o total de funcionários públicos ativos representa 1,6% da população. Para fundamentalistas do neoliberalismo, como Guedes, essa é uma fonte dos males que padecemos. Talvez se esqueça – ou não saiba – que na Alemanha, essa proporção é de 10,6%, nos Estados Unidos é de 15,3%, na França: 21,4%, na Suécia: 28,6%, e na Noruega é de exatos 30%.
Os bancos públicos vão sendo desmantelados aos poucos. A Caixa Econômica Federal, com mais de um século de vida, venderá os serviços de cartões de crédito e uma de suas enormes fontes de lucro, as loterias. Se dependesse do presidente do Banco do Brasil, o destino da instituição seria a morte súbita. Também o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, daria à empresa – e a todas as estatais – idêntico destino.
Castello Branco sabe que não pode realizar seu sonho numa única jogada. Então, o fará pouco a pouco: começará vendendo a distribuidora BR. Os alvos seguintes serão as refinarias, e há muito sendo “cuidadosamente estudado”. Em outros âmbitos, as universidades federais caminham para a guilhotina. Ou seja: enquanto o país se distrai com aberrações escandalosas, outros escândalos – muito mais devastadores – são tramados nas sombras.
Os mercadores já sabiam: Bolsonaro é a receita perfeita.
* Publicado originalmente no jornal argentino Página-12.
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