Por Caio Paes, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:
Às voltas com os 55 anos do golpe civil-militar, completos neste dia 1º de abril, juízes, procuradores e ministros do STF se viram no centro das atenções. Tudo por conta das provocações do governo de Jair Bolsonaro, que reviveu a questão da ditadura mais uma vez ao determinar que quartéis celebrassem a data. Entre falas pomposas e decisões a favor e contra a recomendação do governo, a Justiça brasileira parece ter conseguido esconder seu papel principal nessa história: manter a impunidade dos crimes da ditadura.
O fato é que a Justiça tem se negado sistematicamente a condenar – e até mesmo a julgar – crimes políticos cometidos durante a ditadura. É o que se nota a partir do raro acolhimento a ações penais sobre o tema.
Segundo levantamento do Ministério Público Federal, atualmente há 39 processos movidos contra ex-membros do regime militar. A maior parte encontra-se barrada por juízes de 1a e 2a instância com argumentos baseados na Lei de Anistia.
Em 2010, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela possibilidade de aplicação da lei em favor de agentes da repressão mesmo em processos, casos e inquéritos relativos aos chamados “crimes de sangue”. Assim, a decisão do STF tornou-se uma salvaguarda para os acusados.
“Tive reuniões com ministros da Corte para debater a revisão da lei [de Anistia] há alguns anos. Me disseram que o mérito não seria relatado. Isso é um problema grave, que dificulta o esclarecimento dos crimes da ditadura e, por fim, favorece o esquecimento da população sobre o período”, conta a presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e procuradora da República, Eugênia Augusta Gonzaga.
O argumento da prescrição dos crimes da ditadura também tem sido usado; em 17 de outubro, o Tribunal de Justiça de São Paulo isentou o ex-coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra da condenação pela tortura e morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino; os desembargadores decidiram de forma unânime que o crime prescreveu.
Para se ter ideia, só em 2018 nove denúncias foram propostas por procuradores do MPF; dessas, apenas uma ruma para julgamento, aceita pela vara da Justiça Federal em São Paulo. Já em 2019, uma nova denúncia foi apresentada em março e também segue em aberto. Só depois de acatadas é que as denúncias tornam-se ações que podem resultar em condenações.
Sequestro de militante desaparecido há 47 anos segue em trâmite
A única ação penal proposta em 2018 que segue em curso refere-se ao sequestro de Aylton Adalberto Mortati. O Ministério Público Federal em São Paulo acusa o ex-policial Walter Lang e os ex-delegados Cyrino Francisco de Paula Filho e Dirceu Gravina pelo crime, cometido em 4 de novembro de 1971. Os três atuavam sob comando de Ustra no DOI-Codi paulista.
Lang e Cyrino eram os policiais destacados para uma tocaia no imóvel onde Aylton se escondia com integrantes do Movimento de Libertação Popular (Molipo). Depois de um mês de vigilância, foi dada a ordem para a derrubada do aparelho clandestino. Ali, os dois policiais fizeram a abordagem e o levaram preso para as dependências do DOI-Codi – onde foi torturado por Lang, Cyrino e por Gravina, muito conhecido por sua crueldade. O ex-delegado tinha a fama de entrar nas celas clamando ter “o poder da vida e da morte” sobre os presos políticos.
A prisão de Aylton nunca foi assumida pelos órgãos de repressão. Nas décadas seguintes, foram encontradas referências sobre o falecimento do ex-militante em documentos do Ministério Público Militar e também em um relatório da Aeronáutica, encaminhado ao Ministério da Justiça nos anos 1990.
“À época dos fatos, o advogado da família de Aylton, Virgílio Lopes Enei, durante o seu trabalho na sede da Auditoria Militar, viu sobre a mesa do juiz Militar a certidão de óbito de Aylton e tentou pegá-la, quando foi surpreendido e acabou detido e encaminhado para a Oban, onde passou quinze dias preso”, contextualiza o procurador da República responsável pela denúncia, Andrey Borges de Mendonça.
Mortati era uma das lideranças do Molipo e participou do sequestro de um avião da Varig durante o trajeto Buenos Aires-Santiago, juntamente com outros oito membros da ALN; eles desviaram a rota de voo para Cuba em 4 de novembro de 1969. Ele foi um dos 28 militantes que participaram de treinamento de guerrilha no país, tendo retornado clandestinamente ao Brasil no início dos anos 1970. O grupo foi ferozmente caçado pelos agentes de repressão.
A mãe de Aylton, Carmen Mortati, contou à Comissão de Justiça e Paz, ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o tormento vivido entre 1970 e 1971 graças à vigilância da ditadura.
“Agentes de segurança estacionavam carros à frente de minha residência, subiam no telhado da casa, usavam o banheiro existente no fundo do quintal, revistavam compras de supermercado, censuravam o telefone, espancaram meus sobrinhos menores e, ao que pude deduzir, provocaram um início de incêndio em minha residência/pensionato. Os agentes que vigiavam minha residência e meus passos por duas vezes atentaram contra minha vida, jogando o carro em minha direção”, declarou à ocasião.
Não há confirmação sobre onde estão os restos mortais de Aylton Adalberto Mortati. A hipótese defendida pelo relatório final da Comissão Estadual da Verdade em São Paulo é que ele foi enterrado como indigente no cemitério Dom Bosco, em Perus, na periferia da capital paulista.
A ditadura se utilizou amplamente da técnica de enterrar vítimas da repressão em cemitérios de indigentes sob nomes falsos e desconhecidos. É justamente no cemitério Dom Bosco que se encontra a vala clandestina mais conhecida do período, a vala comum de Perus, descoberta em 1990.
Aylton, porém, ainda não foi reconhecido pelo Grupo de Trabalho de Perus (GTP), que realiza a análise das ossadas. Até agora, cinco militantes foram identificados entre as mais de mil pessoas enterradas na vala: Aluísio Palhano Pedreira Ferreira, Frederico Eduardo Mayr, Flávio Molina e os irmãos Dênis e Dimas Casemiro.
Palhano foi a vítima identificada mais recentemente, em dezembro de 2018, por meio de intrincado trabalho de análise conduzido pelo GTP em parceria com a International Commission on Missing Persons (ICMP), com sedes na Bósnia e na Holanda.
Major Curió é novamente denunciado por crimes no Araguaia
Já em 2019, outro notório torturador da ditadura viu-se novamente denunciado pelo MPF: trata-se do coronel da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o major Curió, um dos grandes responsáveis pela brutal repressão na Guerrilha do Araguaia.
Esta é a terceira denúncia contra o militar, acusado em outros casos de homicídio, tortura e ocultação de cadáveres pelo trabalho no coração da Amazônia. Ele teve protagonismo em ações violentas na região quando atuou como comandante de campo em operações como Sucuri e Marajoara, entre maio de 1973 e outubro de 1974. Depois, ainda atuou na repressão a acampamentos da reforma agrária no Rio Grande do Sul, além de ter sido escolhido pelos militares para comandar a exploração de ouro em Serra Pelada.
A denúncia foi apresentada em 14 de março de 2019 e é assinada por uma equipe de oito procuradores da República, boa parte lotada no MPF do Pará. Nela, Curió é acusado pelos crimes de homicídio qualificado e ocultação dos cadáveres de Cilon da Cunha Brum, o “Simão” (também conhecido como “Comprido”), e Antonio Teodoro de Castro, o “Raul”.
Ambos estão na lista de 62 desaparecidos após a guerrilha, publicada na lei que criou a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. Estudantes à época, os dois fugiam da repressão política quando foram ao Pará para unirem-se à resistência armada coordenada pelo PCdoB. Simão e Raul foram presos, torturados e mortos na Operação Marajoara e seus restos mortais permanecem ocultos até o momento.
“Essa última campanha caracterizou-se pelo intenso grau de violência, especialmente por dois aspectos: (i) eliminação definitiva dos militantes, mesmo quando rendidos ou presos com vida, e (ii) forte repressão aos moradores locais como forma de obter informações, obstar a ação de supostos apoiadores e fazer cessar o movimento dissidente”, apontam os procuradores da República na denúncia.
Na denúncia, a equipe do MPF lembra que havia um extenso aparato para a repressão de militantes e moradores durante a guerrilha no Araguaia. Imóveis como a “Casa Azul”, na antiga sede do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, e a sede do Incra, em Marabá, além de outros em Araguaína, Araguatins, Bacaba – às beiras da Transamazônica –, São Domingos e Xambioá foram usados para tortura e assassinatos.
Curió foi o primeiro agente da repressão a ser denunciado no Brasil por crimes cometidos durante a ditadura, em 2012, em uma ação penal ajuizada pelo sequestro de militantes do PCdoB no Araguaia. O caso foi trancado por um habeas corpus concedido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região; o MPF recorreu ao Superior Tribunal de Justiça e o recurso ainda aguarda julgamento.
Acusações envolvem militares, médicos, policiais e membros do Judiciário
Entre janeiro e outubro de 2018, as nove denúncias propostas pelo MPF apontam ex-membros do governo, IML, Polícia Civil, Judiciário, Exército e civis como culpados por diversos crimes. Os processos referem-se a graves violações cometidas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Tocantins. As informações são do grupo de trabalho de Justiça de Transição do Ministério Público.
A maioria desses casos foi proposta pela equipe do MPF em São Paulo: no total, são 6 denúncias referentes a crimes de falsificação de laudos de necropsia, homicídio qualificado, prevaricação, sequestro, tortura e ocultação de cadáver.
“Em geral, as denúncias se baseiam nas condenações da Corte Interamericana – em especial a partir da negligência do Brasil quanto às violações cometidas durante a Guerrilha do Araguaia [no Caso Gomes Lund, em 2011] –, e pela natureza desses crimes, que são permanentes e envolvem o uso deliberado da violência”, contextualiza o procurador da República Ivan Marx, membro do grupo de trabalho do MPF.
O órgão tem participado de ações penais ligadas a esses crimes desde a década passada. Em 2007, o procurador italiano Giancarlo Capaldo pediu colaboração do governo brasileiro em referência a crimes cometidos durante a Operação Condor contra cidadãos do país europeu; no Brasil, havia a suspeita de pelo menos cinco mortes de italianos em consequência da operação.
“Desde 2008 o MPF tem intensificado sua participação em denúncias sobre as violações cometidas pela ditadura. A decisão da Corte Interamericana foi um reforço importante nessa empreitada, mas a negativa dos tribunais impede uma verdadeira justiça de transição no país”, diz Ivan Marx.
Em 2018, a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, pediu à presidência do STF a reabertura do caso Rubens Paiva, morto e desaparecido desde janeiro de 1971. O pedido tenta reabrir o debate sobre o alcance da anistia; caso sua aplicação seja revista, há mais chances de punir judicialmente militares e agentes da repressão.
A possibilidade, porém, segue nebulosa. Desde 2011, um recurso do Psol contra a decisão do Supremo está parado; o relator que pode destravar os casos é o ministro Luiz Fux, que não deu sinais de levar a discussão para a corte.
O argumento da prescrição dos crimes da ditadura também tem sido usado; em 17 de outubro, o Tribunal de Justiça de São Paulo isentou o ex-coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra da condenação pela tortura e morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino; os desembargadores decidiram de forma unânime que o crime prescreveu.
Para se ter ideia, só em 2018 nove denúncias foram propostas por procuradores do MPF; dessas, apenas uma ruma para julgamento, aceita pela vara da Justiça Federal em São Paulo. Já em 2019, uma nova denúncia foi apresentada em março e também segue em aberto. Só depois de acatadas é que as denúncias tornam-se ações que podem resultar em condenações.
Sequestro de militante desaparecido há 47 anos segue em trâmite
A única ação penal proposta em 2018 que segue em curso refere-se ao sequestro de Aylton Adalberto Mortati. O Ministério Público Federal em São Paulo acusa o ex-policial Walter Lang e os ex-delegados Cyrino Francisco de Paula Filho e Dirceu Gravina pelo crime, cometido em 4 de novembro de 1971. Os três atuavam sob comando de Ustra no DOI-Codi paulista.
Lang e Cyrino eram os policiais destacados para uma tocaia no imóvel onde Aylton se escondia com integrantes do Movimento de Libertação Popular (Molipo). Depois de um mês de vigilância, foi dada a ordem para a derrubada do aparelho clandestino. Ali, os dois policiais fizeram a abordagem e o levaram preso para as dependências do DOI-Codi – onde foi torturado por Lang, Cyrino e por Gravina, muito conhecido por sua crueldade. O ex-delegado tinha a fama de entrar nas celas clamando ter “o poder da vida e da morte” sobre os presos políticos.
A prisão de Aylton nunca foi assumida pelos órgãos de repressão. Nas décadas seguintes, foram encontradas referências sobre o falecimento do ex-militante em documentos do Ministério Público Militar e também em um relatório da Aeronáutica, encaminhado ao Ministério da Justiça nos anos 1990.
“À época dos fatos, o advogado da família de Aylton, Virgílio Lopes Enei, durante o seu trabalho na sede da Auditoria Militar, viu sobre a mesa do juiz Militar a certidão de óbito de Aylton e tentou pegá-la, quando foi surpreendido e acabou detido e encaminhado para a Oban, onde passou quinze dias preso”, contextualiza o procurador da República responsável pela denúncia, Andrey Borges de Mendonça.
Mortati era uma das lideranças do Molipo e participou do sequestro de um avião da Varig durante o trajeto Buenos Aires-Santiago, juntamente com outros oito membros da ALN; eles desviaram a rota de voo para Cuba em 4 de novembro de 1969. Ele foi um dos 28 militantes que participaram de treinamento de guerrilha no país, tendo retornado clandestinamente ao Brasil no início dos anos 1970. O grupo foi ferozmente caçado pelos agentes de repressão.
A mãe de Aylton, Carmen Mortati, contou à Comissão de Justiça e Paz, ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o tormento vivido entre 1970 e 1971 graças à vigilância da ditadura.
“Agentes de segurança estacionavam carros à frente de minha residência, subiam no telhado da casa, usavam o banheiro existente no fundo do quintal, revistavam compras de supermercado, censuravam o telefone, espancaram meus sobrinhos menores e, ao que pude deduzir, provocaram um início de incêndio em minha residência/pensionato. Os agentes que vigiavam minha residência e meus passos por duas vezes atentaram contra minha vida, jogando o carro em minha direção”, declarou à ocasião.
Não há confirmação sobre onde estão os restos mortais de Aylton Adalberto Mortati. A hipótese defendida pelo relatório final da Comissão Estadual da Verdade em São Paulo é que ele foi enterrado como indigente no cemitério Dom Bosco, em Perus, na periferia da capital paulista.
A ditadura se utilizou amplamente da técnica de enterrar vítimas da repressão em cemitérios de indigentes sob nomes falsos e desconhecidos. É justamente no cemitério Dom Bosco que se encontra a vala clandestina mais conhecida do período, a vala comum de Perus, descoberta em 1990.
Aylton, porém, ainda não foi reconhecido pelo Grupo de Trabalho de Perus (GTP), que realiza a análise das ossadas. Até agora, cinco militantes foram identificados entre as mais de mil pessoas enterradas na vala: Aluísio Palhano Pedreira Ferreira, Frederico Eduardo Mayr, Flávio Molina e os irmãos Dênis e Dimas Casemiro.
Palhano foi a vítima identificada mais recentemente, em dezembro de 2018, por meio de intrincado trabalho de análise conduzido pelo GTP em parceria com a International Commission on Missing Persons (ICMP), com sedes na Bósnia e na Holanda.
Major Curió é novamente denunciado por crimes no Araguaia
Já em 2019, outro notório torturador da ditadura viu-se novamente denunciado pelo MPF: trata-se do coronel da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o major Curió, um dos grandes responsáveis pela brutal repressão na Guerrilha do Araguaia.
Esta é a terceira denúncia contra o militar, acusado em outros casos de homicídio, tortura e ocultação de cadáveres pelo trabalho no coração da Amazônia. Ele teve protagonismo em ações violentas na região quando atuou como comandante de campo em operações como Sucuri e Marajoara, entre maio de 1973 e outubro de 1974. Depois, ainda atuou na repressão a acampamentos da reforma agrária no Rio Grande do Sul, além de ter sido escolhido pelos militares para comandar a exploração de ouro em Serra Pelada.
A denúncia foi apresentada em 14 de março de 2019 e é assinada por uma equipe de oito procuradores da República, boa parte lotada no MPF do Pará. Nela, Curió é acusado pelos crimes de homicídio qualificado e ocultação dos cadáveres de Cilon da Cunha Brum, o “Simão” (também conhecido como “Comprido”), e Antonio Teodoro de Castro, o “Raul”.
Ambos estão na lista de 62 desaparecidos após a guerrilha, publicada na lei que criou a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. Estudantes à época, os dois fugiam da repressão política quando foram ao Pará para unirem-se à resistência armada coordenada pelo PCdoB. Simão e Raul foram presos, torturados e mortos na Operação Marajoara e seus restos mortais permanecem ocultos até o momento.
“Essa última campanha caracterizou-se pelo intenso grau de violência, especialmente por dois aspectos: (i) eliminação definitiva dos militantes, mesmo quando rendidos ou presos com vida, e (ii) forte repressão aos moradores locais como forma de obter informações, obstar a ação de supostos apoiadores e fazer cessar o movimento dissidente”, apontam os procuradores da República na denúncia.
Na denúncia, a equipe do MPF lembra que havia um extenso aparato para a repressão de militantes e moradores durante a guerrilha no Araguaia. Imóveis como a “Casa Azul”, na antiga sede do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, e a sede do Incra, em Marabá, além de outros em Araguaína, Araguatins, Bacaba – às beiras da Transamazônica –, São Domingos e Xambioá foram usados para tortura e assassinatos.
Curió foi o primeiro agente da repressão a ser denunciado no Brasil por crimes cometidos durante a ditadura, em 2012, em uma ação penal ajuizada pelo sequestro de militantes do PCdoB no Araguaia. O caso foi trancado por um habeas corpus concedido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região; o MPF recorreu ao Superior Tribunal de Justiça e o recurso ainda aguarda julgamento.
Acusações envolvem militares, médicos, policiais e membros do Judiciário
Entre janeiro e outubro de 2018, as nove denúncias propostas pelo MPF apontam ex-membros do governo, IML, Polícia Civil, Judiciário, Exército e civis como culpados por diversos crimes. Os processos referem-se a graves violações cometidas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Tocantins. As informações são do grupo de trabalho de Justiça de Transição do Ministério Público.
A maioria desses casos foi proposta pela equipe do MPF em São Paulo: no total, são 6 denúncias referentes a crimes de falsificação de laudos de necropsia, homicídio qualificado, prevaricação, sequestro, tortura e ocultação de cadáver.
“Em geral, as denúncias se baseiam nas condenações da Corte Interamericana – em especial a partir da negligência do Brasil quanto às violações cometidas durante a Guerrilha do Araguaia [no Caso Gomes Lund, em 2011] –, e pela natureza desses crimes, que são permanentes e envolvem o uso deliberado da violência”, contextualiza o procurador da República Ivan Marx, membro do grupo de trabalho do MPF.
O órgão tem participado de ações penais ligadas a esses crimes desde a década passada. Em 2007, o procurador italiano Giancarlo Capaldo pediu colaboração do governo brasileiro em referência a crimes cometidos durante a Operação Condor contra cidadãos do país europeu; no Brasil, havia a suspeita de pelo menos cinco mortes de italianos em consequência da operação.
“Desde 2008 o MPF tem intensificado sua participação em denúncias sobre as violações cometidas pela ditadura. A decisão da Corte Interamericana foi um reforço importante nessa empreitada, mas a negativa dos tribunais impede uma verdadeira justiça de transição no país”, diz Ivan Marx.
Em 2018, a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, pediu à presidência do STF a reabertura do caso Rubens Paiva, morto e desaparecido desde janeiro de 1971. O pedido tenta reabrir o debate sobre o alcance da anistia; caso sua aplicação seja revista, há mais chances de punir judicialmente militares e agentes da repressão.
A possibilidade, porém, segue nebulosa. Desde 2011, um recurso do Psol contra a decisão do Supremo está parado; o relator que pode destravar os casos é o ministro Luiz Fux, que não deu sinais de levar a discussão para a corte.
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