Por Paulo Kliass, no site Carta Maior:
O Supremo Tribunal Federal (STF) adotou uma decisão bastante polêmica na quinta-feira, dia 6 de junho. O pleno foi chamado a se manifestar a respeito da necessidade de autorização legal prévia para que seja levada à privatização qualquer empresa estatal.
A corte surpreendeu ao oferecer uma solução que contraria aspectos essenciais do processo jurídico previsto na nossa legislação no que se refere à alienação de patrimônio público, por meio de processo de privatização. A interpretação vigente até então entendia que a exigência de autorização legal prévia deriva do fato de que as empresas estatais só podem ser criadas por meio de lei. Assim, para que sua transferência ao setor privado se efetivasse, seria necessária também uma autorização legal para tanto.
No entanto, o STF resolveu oferecer uma abordagem “criativa”, para dizer o mínimo a respeito da decisão. Assim, foi estabelecida uma distinção entre os procedimentos a serem adotados no caso das empresas matrizes e das empresas subsidiárias. Uma loucura! A interpretação que vinha sendo adotada desde sempre deve ser aplicada apenas para as empresas “mãe”. Já no caso das subsidiárias - empresas cujo poder original é a matriz - vale a regra do liberou geral.
Além de autorizar o Poder Executivo a levar a cabo a venda de suas empresas sem a necessidade de submeter o processo ao crivo do Poder Legislativo, o STF ainda ofereceu uma outra “ajudinha” ao governo Bolsonaro. Segundo a deliberação da mesma sessão, o processo de alienação patrimonial não necessita de licitação. Basta que a empresa siga as definições previstas em seu estatuto. Oura insanidade!
Não precisa de lei para privatizar as subsidiárias
Na verdade, uma decisão tão excêntrica como essa tem toda a cara de uma encomenda solicitada por um governo que não conta com apoio parlamentar seguro para levar em frente sua empreitada entreguista e privatizante. Tendo em vista a dificuldade em avançar com essa pauta que liquida elementos essenciais de nossa soberania nacional no interior do Congresso, Bolsonaro e Guedes optaram por uma via que não apresente obstáculos. Assim, basta uma decisão dos órgãos dirigentes da empresa estatal para que ela seja vendida ao capital privado. Ou seja, o STF permite que esses indivíduos atuem como se estivessem se desfazendo de seu próprio patrimônio pessoal. Na verdade, uma completa inversão de valores. Um verdadeiro crime de lesa Pátria!
Quando o STF se ampara nessa firula jurídica, ele abre o caminho para a liquidação de parte significativa de nosso patrimônio público sem nenhum debate na sociedade, por meio de seus representantes no Parlamento. Afinal, não faz sentido promover essa distinção entre matrizes e subsidiárias no que diz respeito à privatização das empresas estatais. Ao fazer uso desse subterfúgio, deixa-se de apontar para elementos essenciais como magnitude da empresa, áreas estratégicas de atuação, importância de preservação de segurança nacional, entre tantos outros.
O universo total das empresas estatais do governo federal pode ser acessado por meio de relatórios e boletins elaborados pela equipe da atual Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais, vinculada ao Ministério da Economia. Na verdade, ela é uma sequência institucional da antiga Secretaria de Controle das Empresas Estatais (SEST), que tinha por objetivo promover e aperfeiçoar o “controle” das empresas do governo federal. Ocorre que, desde 2016, após o golpeachment, os titulares do órgão se auto proclamam portadores da missão de privatização. A Secretaria fica encarrega, portanto, de “preparar as empresas para o processo privatizante”. Nas palavras do responsável pela área:
"Notamos que faltavam normas, no ordenamento jurídico brasileiro para a dissolução de estatais"
O sentimento da missão cumprida do funcionário público a serviço dos interesses do capital passa pelo orgulho exibido de estar promovendo a redução do número de empresas sob o controle de sua pasta. Isso porque a cada ano que passa, mais e mais empresas estão sendo encerradas ou vendidas para o setor privado. Em 2016, eram 154 empresas e o “raio privatizador” logrou a proeza de eliminar 20 ao longo de 2 anos.
Greve geral contra a privatização
Atualmente existem 134 empresas estatais sob controle do governo federal. Nesse amplo conjunto heterogêneo, há empresas de setores diversos, como financeiro, energia elétrica, serviços, petróleo e gás, saúde, etc. Porém, existe também um grande número de empresas subsidiárias, pertencentes a um grupo coordenado pela matriz. Assim, por exemplo, desse total mencionado acima, 88 são subsidiárias. Apenas a Petrobrás tem 35 e a Eletrobrás possui 30 subsidiárias no interior de seu conglomerado. O Banco do Brasil apresenta 16, a Caixa Econômica Federal tem 3 e o BNDES também conta com 3 subsidiárias.
Ora, com essa deliberação do STF, fica aberta uma nova temporada livre de privatizações. Vale ressaltar que apenas esses 5 grupos de empresas acima mencionados representam o equivalente a 94% do patrimônio do total das empresas estatais federais. Com isso, aumenta o apetite do capital privado em busca de oportunidades de aquisições a preços desvalorizados. Qualquer livro básico de economia nos ensina que o valor dos ativos é reduzido em momentos de crise e recessão. Na conjuntura atual, com PIB em queda há quatro anos e atravessando a maior recessão de nossa História, adquirir patrimônio brasileiro converte-se um dos melhores alternativas de investimento do mundo. Se for empresa estatal operando em setores estratégicos, melhor ainda.
Assim, a sociedade brasileira está correndo o sério de risco ver ainda mais comprometida sua já fragilizada soberania nacional. Afinal, dada a carência de recursos dos grupos nacionais para dar conta desse tipo de aquisição, a maior probabilidade é que se repitam os eventos ocorridos recentemente, quando a maior parte dos leilões de privatização e de concessão foi adquirida por gigantes internacionais das áreas leiloadas ou por grandes grupos do financismo internacional.
Mas nem tudo está perdido. A sociedade se movimenta e oferece demonstrações de seu descontentamento com o rumo das coisas. Na verdade, a mobilização do dia 14 ganha mais um ingrediente em sua pauta de lutas. Para além da questão da Deforma das Aposentadorias, da luta contra o desemprego, da denúncia dos cortes de orçamento nas áreas sociais, a Greve Geral certamente orientará contra a privatização das empresas estatais e contra o risco de alienação da soberania nacional.
O Supremo Tribunal Federal (STF) adotou uma decisão bastante polêmica na quinta-feira, dia 6 de junho. O pleno foi chamado a se manifestar a respeito da necessidade de autorização legal prévia para que seja levada à privatização qualquer empresa estatal.
A corte surpreendeu ao oferecer uma solução que contraria aspectos essenciais do processo jurídico previsto na nossa legislação no que se refere à alienação de patrimônio público, por meio de processo de privatização. A interpretação vigente até então entendia que a exigência de autorização legal prévia deriva do fato de que as empresas estatais só podem ser criadas por meio de lei. Assim, para que sua transferência ao setor privado se efetivasse, seria necessária também uma autorização legal para tanto.
No entanto, o STF resolveu oferecer uma abordagem “criativa”, para dizer o mínimo a respeito da decisão. Assim, foi estabelecida uma distinção entre os procedimentos a serem adotados no caso das empresas matrizes e das empresas subsidiárias. Uma loucura! A interpretação que vinha sendo adotada desde sempre deve ser aplicada apenas para as empresas “mãe”. Já no caso das subsidiárias - empresas cujo poder original é a matriz - vale a regra do liberou geral.
Além de autorizar o Poder Executivo a levar a cabo a venda de suas empresas sem a necessidade de submeter o processo ao crivo do Poder Legislativo, o STF ainda ofereceu uma outra “ajudinha” ao governo Bolsonaro. Segundo a deliberação da mesma sessão, o processo de alienação patrimonial não necessita de licitação. Basta que a empresa siga as definições previstas em seu estatuto. Oura insanidade!
Não precisa de lei para privatizar as subsidiárias
Na verdade, uma decisão tão excêntrica como essa tem toda a cara de uma encomenda solicitada por um governo que não conta com apoio parlamentar seguro para levar em frente sua empreitada entreguista e privatizante. Tendo em vista a dificuldade em avançar com essa pauta que liquida elementos essenciais de nossa soberania nacional no interior do Congresso, Bolsonaro e Guedes optaram por uma via que não apresente obstáculos. Assim, basta uma decisão dos órgãos dirigentes da empresa estatal para que ela seja vendida ao capital privado. Ou seja, o STF permite que esses indivíduos atuem como se estivessem se desfazendo de seu próprio patrimônio pessoal. Na verdade, uma completa inversão de valores. Um verdadeiro crime de lesa Pátria!
Quando o STF se ampara nessa firula jurídica, ele abre o caminho para a liquidação de parte significativa de nosso patrimônio público sem nenhum debate na sociedade, por meio de seus representantes no Parlamento. Afinal, não faz sentido promover essa distinção entre matrizes e subsidiárias no que diz respeito à privatização das empresas estatais. Ao fazer uso desse subterfúgio, deixa-se de apontar para elementos essenciais como magnitude da empresa, áreas estratégicas de atuação, importância de preservação de segurança nacional, entre tantos outros.
O universo total das empresas estatais do governo federal pode ser acessado por meio de relatórios e boletins elaborados pela equipe da atual Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais, vinculada ao Ministério da Economia. Na verdade, ela é uma sequência institucional da antiga Secretaria de Controle das Empresas Estatais (SEST), que tinha por objetivo promover e aperfeiçoar o “controle” das empresas do governo federal. Ocorre que, desde 2016, após o golpeachment, os titulares do órgão se auto proclamam portadores da missão de privatização. A Secretaria fica encarrega, portanto, de “preparar as empresas para o processo privatizante”. Nas palavras do responsável pela área:
"Notamos que faltavam normas, no ordenamento jurídico brasileiro para a dissolução de estatais"
O sentimento da missão cumprida do funcionário público a serviço dos interesses do capital passa pelo orgulho exibido de estar promovendo a redução do número de empresas sob o controle de sua pasta. Isso porque a cada ano que passa, mais e mais empresas estão sendo encerradas ou vendidas para o setor privado. Em 2016, eram 154 empresas e o “raio privatizador” logrou a proeza de eliminar 20 ao longo de 2 anos.
Greve geral contra a privatização
Atualmente existem 134 empresas estatais sob controle do governo federal. Nesse amplo conjunto heterogêneo, há empresas de setores diversos, como financeiro, energia elétrica, serviços, petróleo e gás, saúde, etc. Porém, existe também um grande número de empresas subsidiárias, pertencentes a um grupo coordenado pela matriz. Assim, por exemplo, desse total mencionado acima, 88 são subsidiárias. Apenas a Petrobrás tem 35 e a Eletrobrás possui 30 subsidiárias no interior de seu conglomerado. O Banco do Brasil apresenta 16, a Caixa Econômica Federal tem 3 e o BNDES também conta com 3 subsidiárias.
Ora, com essa deliberação do STF, fica aberta uma nova temporada livre de privatizações. Vale ressaltar que apenas esses 5 grupos de empresas acima mencionados representam o equivalente a 94% do patrimônio do total das empresas estatais federais. Com isso, aumenta o apetite do capital privado em busca de oportunidades de aquisições a preços desvalorizados. Qualquer livro básico de economia nos ensina que o valor dos ativos é reduzido em momentos de crise e recessão. Na conjuntura atual, com PIB em queda há quatro anos e atravessando a maior recessão de nossa História, adquirir patrimônio brasileiro converte-se um dos melhores alternativas de investimento do mundo. Se for empresa estatal operando em setores estratégicos, melhor ainda.
Assim, a sociedade brasileira está correndo o sério de risco ver ainda mais comprometida sua já fragilizada soberania nacional. Afinal, dada a carência de recursos dos grupos nacionais para dar conta desse tipo de aquisição, a maior probabilidade é que se repitam os eventos ocorridos recentemente, quando a maior parte dos leilões de privatização e de concessão foi adquirida por gigantes internacionais das áreas leiloadas ou por grandes grupos do financismo internacional.
Mas nem tudo está perdido. A sociedade se movimenta e oferece demonstrações de seu descontentamento com o rumo das coisas. Na verdade, a mobilização do dia 14 ganha mais um ingrediente em sua pauta de lutas. Para além da questão da Deforma das Aposentadorias, da luta contra o desemprego, da denúncia dos cortes de orçamento nas áreas sociais, a Greve Geral certamente orientará contra a privatização das empresas estatais e contra o risco de alienação da soberania nacional.
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