Por Roberto Amaral, em seu blog:
O ‘calcanhar de Aquiles’ da oposição não está na via congressual, onde, consideradas as condições objetivas, até que vai bem. É verdade que, sem estratégia própria, permanece pautada pelas asneiras do governo e assim cingida a uma atuação simplesmente reativa, embora firme; mas esta é a sina de toda oposição sem programa alternativo.
O problema crucial, que atinge a oposição como um todo mas fere de forma particular as forças progressistas e as esquerdas especialmente, está no campo ideológico, no debate sobre modelos e visões de mundo. Enquanto o governo de extrema-direita oferece diárias e pedagógicas lições de construção do estado totalitário, a esquerda não tem tido ânimo, por exemplo, para levantar, pelo menos como contraponto, o debate sobre o socialismo. Naturalmente priorizando a questão democrática — agônica e aguda embora ainda distante das preocupações das grandes massas — não tem agenda para a denúncia do capitalismo e da luta de classes e da miséria que engendram ao lado dos privilégios que criam.
A crise dos partidos do campo das esquerdas, relevante, corre à margem, e não nasceu agora, mas se agrava com essa inaptidão reflexiva que se projeta nas presentes dificuldades de organização sindical (agravadas pelo fim da fábrica moderna) e mobilização popular, a matéria prima das ruas, para onde se encaminha o desfecho da crise política, cada dia mais aguda, e para a qual o capitão tem contribuído com denodo digno de nota, de que é um só exemplo seu recente atentado contra o princípio federativo, ao ameaçar de inanição os Estados nordestinos administrados por governadores que elegeu como desafetos.
Não se infira dessas considerações – apontando para o combate na sociedade a prioridade estratégica das oposições de esquerda– que a disputa política parlamentar deva ser descartada, mas tão só que ela não pode ser vista como a política toda, pois sua efetividade está condicionada pelo grau de resposta social que possa provocar. É a mobilização popular, e agora mais do que nunca, que ditará o andamento da política stricto sensu; será ela que pautará tanto o Judiciário quanto o Congresso, especialmente o papel deste, que cresce nas crises institucionais. Cabe-lhe, ao sabor da correlação de forças – que frequentemente se estabelece fora do Parlamento e rompendo com os limites partidários–, devolver ao leito da ordem jurídica formal as fraturas da ordem política.
Na frente ideológica as esquerdas perderam o que se costuma chamar de narrativa, pois a direita ganhou – é verdade que demagogicamente mas o fato objetivo é que ganhou — a disputa por propostas concretas, ligadas ao presente, ao dia a dia da vida da população, acossada por questões objetivas e imediatas como o desemprego e a violência que atinge de forma ainda mais brutal aquelas maiorias pobres que habitam nossas periferias.
A direita ganhou, igualmente, contra a democracia, a narrativa da perversão da política e dos políticos, uma e outros responsabilizados pelos nossos problemas. No coroamento fez passar para segmentos majoritários da população o discurso segundo o qual o país fôra tragado pela corrupção que pervadiria todos os escaninhos do Estado e da sociedade, uma corrupção sistêmica que teria sido implantada, municiada e aproveitada pelo PT e, por via de consequência, pelas esquerdas, ao governarem o país por quase 13 anos. O combate à corrupção, vitoriosa essa narrativa, passa a tudo justificar, como os ilícitos da Lava Jato, consagrando o princípio segundo o qual o crime se justificaria quando, é a ‘doutrina’ Dallagnol-Moro, “utilizado para combater o crime”. A vitória dessa narrativa explica a eleição e o governo do capitão com seu projeto – em curso– de revogar o pacto de que resultou a Constituição de 1988, que assegurou a transição da ditadura para a ordem democrática o que significa, para o bolsonarismo, retomar os valores ideológicos da ditadura, desobrigado, porém, das incursões nacionalistas (envolvendo autonomismo e política externa independente) e desenvolvimentistas que os militares chegaram a alimentar em seu longo mandarinato de 21 anos. Daqueles idos permanecem, porem, o autoritarismo e a centralização do poder, desta feita já caminhando para um populismo personalista de índole oligárquica que associa a repressão política a um liberalismo econômico que se confunde com entreguismo político-econômico, simbolizado na ‘Pauta Guedes’ o elo entre o chamado ‘mercado’ e o ‘bolsonarismo de raiz’. Enquanto os ganhos da Avenida Paulista estiverem assegurados, e só tendem a crescer com as reformas em andamento e as privatizações na bacia das almas – manter-se-á intacto o eixo econômico político que, com apoio militar, assegurou a ascensão do bolsonarismo e ainda o sustenta.
O desafio das esquerdas brasileiras não é o futuro, mas o presente. Do futuro falamos bem, pois acenamos com o progresso e a igualdade social, a paz e a fraternidade entre os homens e as nações. O desafio está no presente, no falar ao homem e à mulher de hoje, sem emprego, sem assistência médica, sem alento, despojado de esperança. O desafio não é prometer a felicidade futura – o amanhã que há de vir– mas a segurança e a prosperidade hoje, aqui e agora. O desafio das esquerdas está na reorganização de seus partidos, em sua democratização interna, na renovação de lideranças, no seu enraizamento social, no investimento na reflexão, na teoria como primeiro passo para uma prática consequente.
O desafio das esquerdas está na construção coletiva e defesa de programa político e de governo alternativo ao bolsonarismo.
A direita, por definição conservadora, rejeita o futuro e aposta no passado que quer restaurar, por isto é capaz de a um só tempo negar os crimes da ditadura e rejeitar dados científicos sobre o desmatamento da Amazônia. Se a história não lhe é conveniente, reescreve-a. Às esquerdas, com olhos no futuro, compete, hoje mais do que nunca, fincar-se na realidade, refletir sobre ela e nela intervir.
É preciso denunciar o quadro de descalabro da economia, mas não podemos nos limitar a dizer que a situação vai piorar, como realmente vai. É preciso acrescentar que esta terrível realidade é reversível, que podemos alterar o curso da história imediata, e, principalmente, dizer como vamos faze-lo. É preciso manter a critica, mas é preciso chamar o povo a uma ação, mobilizada por uma palavra de ordem aglutinadora da insatisfação nacional, apontando para uma saída palpável, factível e compreensível pelas grandes massas.
A pergunta que não pode calar: quem mandou matar Marielle?
O ‘calcanhar de Aquiles’ da oposição não está na via congressual, onde, consideradas as condições objetivas, até que vai bem. É verdade que, sem estratégia própria, permanece pautada pelas asneiras do governo e assim cingida a uma atuação simplesmente reativa, embora firme; mas esta é a sina de toda oposição sem programa alternativo.
O problema crucial, que atinge a oposição como um todo mas fere de forma particular as forças progressistas e as esquerdas especialmente, está no campo ideológico, no debate sobre modelos e visões de mundo. Enquanto o governo de extrema-direita oferece diárias e pedagógicas lições de construção do estado totalitário, a esquerda não tem tido ânimo, por exemplo, para levantar, pelo menos como contraponto, o debate sobre o socialismo. Naturalmente priorizando a questão democrática — agônica e aguda embora ainda distante das preocupações das grandes massas — não tem agenda para a denúncia do capitalismo e da luta de classes e da miséria que engendram ao lado dos privilégios que criam.
A crise dos partidos do campo das esquerdas, relevante, corre à margem, e não nasceu agora, mas se agrava com essa inaptidão reflexiva que se projeta nas presentes dificuldades de organização sindical (agravadas pelo fim da fábrica moderna) e mobilização popular, a matéria prima das ruas, para onde se encaminha o desfecho da crise política, cada dia mais aguda, e para a qual o capitão tem contribuído com denodo digno de nota, de que é um só exemplo seu recente atentado contra o princípio federativo, ao ameaçar de inanição os Estados nordestinos administrados por governadores que elegeu como desafetos.
Não se infira dessas considerações – apontando para o combate na sociedade a prioridade estratégica das oposições de esquerda– que a disputa política parlamentar deva ser descartada, mas tão só que ela não pode ser vista como a política toda, pois sua efetividade está condicionada pelo grau de resposta social que possa provocar. É a mobilização popular, e agora mais do que nunca, que ditará o andamento da política stricto sensu; será ela que pautará tanto o Judiciário quanto o Congresso, especialmente o papel deste, que cresce nas crises institucionais. Cabe-lhe, ao sabor da correlação de forças – que frequentemente se estabelece fora do Parlamento e rompendo com os limites partidários–, devolver ao leito da ordem jurídica formal as fraturas da ordem política.
Na frente ideológica as esquerdas perderam o que se costuma chamar de narrativa, pois a direita ganhou – é verdade que demagogicamente mas o fato objetivo é que ganhou — a disputa por propostas concretas, ligadas ao presente, ao dia a dia da vida da população, acossada por questões objetivas e imediatas como o desemprego e a violência que atinge de forma ainda mais brutal aquelas maiorias pobres que habitam nossas periferias.
A direita ganhou, igualmente, contra a democracia, a narrativa da perversão da política e dos políticos, uma e outros responsabilizados pelos nossos problemas. No coroamento fez passar para segmentos majoritários da população o discurso segundo o qual o país fôra tragado pela corrupção que pervadiria todos os escaninhos do Estado e da sociedade, uma corrupção sistêmica que teria sido implantada, municiada e aproveitada pelo PT e, por via de consequência, pelas esquerdas, ao governarem o país por quase 13 anos. O combate à corrupção, vitoriosa essa narrativa, passa a tudo justificar, como os ilícitos da Lava Jato, consagrando o princípio segundo o qual o crime se justificaria quando, é a ‘doutrina’ Dallagnol-Moro, “utilizado para combater o crime”. A vitória dessa narrativa explica a eleição e o governo do capitão com seu projeto – em curso– de revogar o pacto de que resultou a Constituição de 1988, que assegurou a transição da ditadura para a ordem democrática o que significa, para o bolsonarismo, retomar os valores ideológicos da ditadura, desobrigado, porém, das incursões nacionalistas (envolvendo autonomismo e política externa independente) e desenvolvimentistas que os militares chegaram a alimentar em seu longo mandarinato de 21 anos. Daqueles idos permanecem, porem, o autoritarismo e a centralização do poder, desta feita já caminhando para um populismo personalista de índole oligárquica que associa a repressão política a um liberalismo econômico que se confunde com entreguismo político-econômico, simbolizado na ‘Pauta Guedes’ o elo entre o chamado ‘mercado’ e o ‘bolsonarismo de raiz’. Enquanto os ganhos da Avenida Paulista estiverem assegurados, e só tendem a crescer com as reformas em andamento e as privatizações na bacia das almas – manter-se-á intacto o eixo econômico político que, com apoio militar, assegurou a ascensão do bolsonarismo e ainda o sustenta.
O desafio das esquerdas brasileiras não é o futuro, mas o presente. Do futuro falamos bem, pois acenamos com o progresso e a igualdade social, a paz e a fraternidade entre os homens e as nações. O desafio está no presente, no falar ao homem e à mulher de hoje, sem emprego, sem assistência médica, sem alento, despojado de esperança. O desafio não é prometer a felicidade futura – o amanhã que há de vir– mas a segurança e a prosperidade hoje, aqui e agora. O desafio das esquerdas está na reorganização de seus partidos, em sua democratização interna, na renovação de lideranças, no seu enraizamento social, no investimento na reflexão, na teoria como primeiro passo para uma prática consequente.
O desafio das esquerdas está na construção coletiva e defesa de programa político e de governo alternativo ao bolsonarismo.
A direita, por definição conservadora, rejeita o futuro e aposta no passado que quer restaurar, por isto é capaz de a um só tempo negar os crimes da ditadura e rejeitar dados científicos sobre o desmatamento da Amazônia. Se a história não lhe é conveniente, reescreve-a. Às esquerdas, com olhos no futuro, compete, hoje mais do que nunca, fincar-se na realidade, refletir sobre ela e nela intervir.
É preciso denunciar o quadro de descalabro da economia, mas não podemos nos limitar a dizer que a situação vai piorar, como realmente vai. É preciso acrescentar que esta terrível realidade é reversível, que podemos alterar o curso da história imediata, e, principalmente, dizer como vamos faze-lo. É preciso manter a critica, mas é preciso chamar o povo a uma ação, mobilizada por uma palavra de ordem aglutinadora da insatisfação nacional, apontando para uma saída palpável, factível e compreensível pelas grandes massas.
A pergunta que não pode calar: quem mandou matar Marielle?
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