Foto: David Díaz Arcos |
Passava das nove e meia da noite, quando as multidões começaram a celebrar e bailar nas ruas de Quito ontem. Nas barricadas montadas para deter a selvageria da polícia e do exército, e nos bloqueios de ruas e estradas, espalhados em todo o país, os manifestantes se felicitavam. Recebiam, aqui e ali, o cumprimento de um soldado. Minutos antes, em negociações transmitidas pela TV, por exigência do movimento indígena, a delegação do presidente Lênin Moreno aceitara o que ele havia dito ser impossível, desde que os protestos de rua começaram, em 2/10. O Decreto 883 – que elimina os subsídios à gasolina e provocou aumento de 123% nos preços dos combustível – seria revogado. Uma comissão de negociação, da qual participará o movimento indígena, discutirá alternativas. Até o momento, porém, as demais medidas ultracapitalistas impostas por Moreno e FMI continuam de pé.
A insólita negociação iniciada domingo à tarde foi o produto de um fim de semana de caos, confronto e incerteza absoluta – em Quito e outras cidades. A violência das forças de repressão, já muito grave nas duas últimas semanas, tornou-se mais crua. Ao todo, fala-se em sete a dez manifestantes mortos e 2100 feridos – alguns muito gravemente. Há ainda centenas de presos. Mas o fato novo foi a mobilização das periferias de Quito, os despossuídos de sempre, que se somaram aos protestos dos indígenas e da juventude e ampliaram o isolamento do governo e o caos urbano.
Em determinado momento, narra Decio Machado, do site Viento Sur, o cenário tornou-se incontrolável devido à infiltração, nos protestos, de grupos de saqueadores e provocadores, possivelmente estimulados pelo governo. Ao provocarem destruição indiscriminada, voltavam a população contra o movimento. Uma guarda indígena, formada pela Conaie – a confederação das nações originárias – agiu para combatê-los. Ainda assim, passaram a promover desordens de caráter suspeito em outros pontos de Quito. Chegaram a atear fogo à Controladoria Geral do Estado, onde correm processos contra políticos acusados de corrupção.
Por volta das 15h, o presidente Moreno decretou toque de recolher, aparentemente pressionado pelos militares. As dezenas de centros – escolas, universidades, equipamentos culturais e em especial a Casa da Cultura – em que os indígenas se abrigavam foram cercadas por soldados. A população voltou a intervir a partir das 20h, na forma de um enorme cacerolazo contra o governo. O ruído das panelas expressava a oposição que as armas queriam calar.
Esgotado, Moreno propôs o diálogo à Conaie. Os indígenas impuseram três condições – todas aceitas, num sinal de sua força. As negociações deveriam se realizar em “campo neutro” (ocorreram num complexo hoteleiro nos arredores de Quito). Seriam mediadas pelo escritório da ONU no Equador e pela conferência episcopal equatoriana (o que ocorreu). E deveriam ser transmitidas ao vivo, pelos meios de comunicação.
A partir das 18h, ministros do governo e representantes do movimento indígena sentaram-se frente a frente. A população assistiu a duas rodadas do diálogo. Lenin Moreno repetiu, de início, que não voltaria atrás. Em repetição do discurso paranoico que manteve nas últimas semanas, afirmou que os protestos eram orquestrados por seu antecessor, Rafael Correa. Ofereceu migalhas: parte da “economia” feita com o fim do subsídio aos combustíveis seria distribuída em programas sociais.
Foi contestado, na rodada seguinte, pelos representantes indígenas. Adoración Guamán, cientista social, escreve para o site CTXT: eles foram firmes e altivos; mostraram preparo político e conhecimento da situação econômica do país. Incluíram, entre suas exigências, a revelação do conteúdo completo do acordo com o FMI, mantido parcialmente em sigilo até agora. Lembraram a repressão e os mortos. Pediram a destituição dos ministros da Defesa e do Interior.
Em determinado momento, narra Decio Machado, do site Viento Sur, o cenário tornou-se incontrolável devido à infiltração, nos protestos, de grupos de saqueadores e provocadores, possivelmente estimulados pelo governo. Ao provocarem destruição indiscriminada, voltavam a população contra o movimento. Uma guarda indígena, formada pela Conaie – a confederação das nações originárias – agiu para combatê-los. Ainda assim, passaram a promover desordens de caráter suspeito em outros pontos de Quito. Chegaram a atear fogo à Controladoria Geral do Estado, onde correm processos contra políticos acusados de corrupção.
Por volta das 15h, o presidente Moreno decretou toque de recolher, aparentemente pressionado pelos militares. As dezenas de centros – escolas, universidades, equipamentos culturais e em especial a Casa da Cultura – em que os indígenas se abrigavam foram cercadas por soldados. A população voltou a intervir a partir das 20h, na forma de um enorme cacerolazo contra o governo. O ruído das panelas expressava a oposição que as armas queriam calar.
Esgotado, Moreno propôs o diálogo à Conaie. Os indígenas impuseram três condições – todas aceitas, num sinal de sua força. As negociações deveriam se realizar em “campo neutro” (ocorreram num complexo hoteleiro nos arredores de Quito). Seriam mediadas pelo escritório da ONU no Equador e pela conferência episcopal equatoriana (o que ocorreu). E deveriam ser transmitidas ao vivo, pelos meios de comunicação.
A partir das 18h, ministros do governo e representantes do movimento indígena sentaram-se frente a frente. A população assistiu a duas rodadas do diálogo. Lenin Moreno repetiu, de início, que não voltaria atrás. Em repetição do discurso paranoico que manteve nas últimas semanas, afirmou que os protestos eram orquestrados por seu antecessor, Rafael Correa. Ofereceu migalhas: parte da “economia” feita com o fim do subsídio aos combustíveis seria distribuída em programas sociais.
Foi contestado, na rodada seguinte, pelos representantes indígenas. Adoración Guamán, cientista social, escreve para o site CTXT: eles foram firmes e altivos; mostraram preparo político e conhecimento da situação econômica do país. Incluíram, entre suas exigências, a revelação do conteúdo completo do acordo com o FMI, mantido parcialmente em sigilo até agora. Lembraram a repressão e os mortos. Pediram a destituição dos ministros da Defesa e do Interior.
A tensão cresceu. Mas passada uma hora do embate, o representante da ONU propôs uma pausa de 15 minutos – e a transmissão só foi reiniciada cerca de duas horas depois às 21h40. Nesse momento, estava redigido o acordo que revogará o Decreto 883. Governo, indígenas, Nações Unidas e conferência episcopal redigirão juntos o novo ato governamental que o substituirá – mas cujo conteúdo não está claro. O movimento indígena começou a se desmobilizar e a voltar para suas bases. Não se falou, porém, sobre as demais medidas do pacote imposto pelo governo em 1º/10. Elas estabelecem vasta privatização e uma contrarreforma trabalhista fortemente regressiva, muito semelhante à adotada, no Brasil, pelo governo Temer.
Anunciada a revogação, começaram as celebrações. A vitória simbólica dos protestos é evidente. A popularidade de Moreno, já abaixo dos 20%, certamente cairá depois da quinzena de caos e do recuo. Seu poder de continuar empurrando medidas regressivas cairá.
Nas circunstâncias presentes, o acordo foi provavelmente o máximo que a revolta poderia obter. Decio Machado, em Viento Sur, informa que a liderança da Conaie evitou propor medidas como a antecipação das eleições. Talvez esteja insegura sobre o possível resultado; talvez, sobre seu próprio papel político.
Numa América do Sul sob intensa pressão da direita, sobressaem duas conclusões claras. O programa imposto pelas forças de direita é, além de devastador, impopular. Quando há disposição de denunciá-lo, as brechas para contestá-lo aparecem e se multiplicam. A lição serve particularmente ao Brasil.
No entanto, um vasto esforço é necessário para passar das vitórias custosas e muito parciais (os vinte centavos ou a revogação dos 883) para um projeto antineoliberal atualizado, que volte a sacudir a região – agora com a ambição de passar às reformas estruturais.
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