Por Luis Felipe Miguel
O único nome de algum peso nas nomeações de ontem é o novo ministro da Justiça, reforço à ala mais truculenta do governo.
Bolsonaro esticou demais a corda e gerou a crise que culminou na dança das cadeiras de ontem - e que prossegue hoje, com os comandantes das três armas colocando os cargos à disposição.
Foi incapaz de manter a fachada de civilidade e racionalidade, que é tudo que "as instituições" esperam dele e de seu governo.
Seria talvez difícil para Ernesto Araújo se "reinventar" como um sujeito equilibrado, mas Bolsonaro poderia tê-lo substituído antes, sem esperar que a situação se tornasse explosiva.
Mas para isso Bolsonaro também teria que se reinventar - e ele parece incapaz disso. Está preso à persona política que sempre cultivou.
Entre o mito e seus seguidores destacados há uma notável continuidade.
Do assessor presidencial que faz gesto supremacista no Senado à deputada que incita motins de policiais militares e daí ao presidente que bravateia que "seu exército" vai enquadrar governadores e prefeitos, vemos uma perfeita unidade de comportamento.
O bolsonarismo precisa da ameaça, da provocação, da fanfarronada para sobreviver. Sem isso, não sobra nada.
Circulam boatos de golpe, mas Bolsonaro enfraqueceu sua posição junto à cúpula das Forças Armadas - e não tem condições de liderar um levante do baixo oficialato, por mais que, neste setor, o apoio que recebe seja grande.
O afastamento de parte importante do generalato também é um possível obstáculo à sua estratégia de usar as polícias militares para pressionar os governadores.
A desastrada reação de Bia Kicis ao incidente na Bahia também não serviu a este objetivo.
Mas Bolsonaro, é bom lembrar, se rende mas não recua.
Retirou Araújo e, impossibilitado de colocar outro alucinado no cargo, escolheu um diplomata imaturo e inexpressivo, que dificilmente terá força ou habilidade para dar rumo ao Itamarati.
Como feito antes nos ministérios da Educação e da Saúde. É um governo que promove deliberadamente as piores nulidades para os cargos mais importantes.
Da mesma forma, o aceno ao Centrão se deu pela nomeação de uma deputada inexperiente e com pouco peso político.
O único nome de algum peso nas nomeações de ontem é o novo ministro da Justiça, reforço à ala mais truculenta do governo.
Já está claro há muito tempo que Bolsonaro é incapaz de governar o Brasil.
Há tempos ele mesmo já desistiu da tarefa; usa o poder de seu cargo basicamente para impedir que outros governem em seu lugar.
E, no meio do tumulto, os grupos aninhados em seu governo aproveitam para levar adiante seus projetos de destruição nacional.
O único objetivo de Bolsonaro é chegar ao ano que vem e conquistar um novo mandato - seja para, com a força oferecida pela reeleição, encaminhar uma guinada abertamente fascista, seja apenas para garantir mais algum tempo da imunidade de que ele e seus filhos tanto precisam.
Espertamente, produz uma falsa polarização com João Doria, que lhe é favorável em três dimensões.
Primeiro, porque lhe permite esquivar-se - por enquanto - do confronto com seu verdadeiro antagonista, o ex-presidente Lula.
Segundo, porque Doria é um bom adversário: é incompetente. Um marqueteiro tão ostensivo e tão fajuto que é capaz de estragar até conquistas exuberantes como a vacina do Butantã.
Um estrategista político tão inábil que seu maior feito é ter ampliado a oposição a seu nome dentro de seu próprio partido.
Tão viciado no oportunismo que até agora não conseguiu se decidir se vai vestir integralmente o figurino do mítico "centro" ou disputar com Bolsonaro a faixa da extrema-direita.
Terceiro, porque, ao alimentar a hostilidade de sua base ao governador paulista, Bolsonaro garante que esses votos, essenciais para uma vitória da direita, serão só seus.
Ele quer, em suma, reeditar a "escolha muito difícil" em 2022 e recolher, uma vez mais, o apoio envergonhado, mas nem por isso menos entusiástico, de todas as nossas classes dominantes.
Essas são as preocupações de Bolsonaro.
Enquanto isso, o Brasil corre para os 400 mil mortos.
Uma reportagem no jornal de hoje revela que, no município de São Paulo, vans de transporte escolar serão mobilizadas para levar os corpos ao cemitério.
Em vez de estudantes, cadáveres. Metáfora perfeita para um país que optou pela ignorância, pela destruição de seu próprio futuro e pela morte.
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