Por Nilton Viana
Hoje, há exatos 150 anos, chegava ao fim a Comuna de Paris – experiência histórica da classe operária, na qual, pela primeira vez, trabalhadores e trabalhadoras tomaram o poder do Estado e demonstraram, na prática, ser possível inaugurar uma nova forma de organização social e política – 18 de março a 28 de maio de 1871.
Sim, durou apenas 72 dias. E mesmo sendo derrotada, duramente reprimida pelas classes dominantes francesas, a Comuna de Paris “foi – e segue sendo – fonte de inspiração e aprendizado para as experiências revolucionárias levadas a cabo pela classe trabalhadora em todo o mundo”, conforme destaca a Nota Editorial do livro “Comuna de Paris 150”, editado pela Editora Expressão Popular em conjunto com 25 editoras de 15 países e publicado em 18 idiomas. Aliás, nesse esforço de construção de laços de solidariedade internacionalista, o leitor pode baixar gratuitamente o PDF do livro, disponível nas páginas de todas as editoras envolvidas na publicação. Aqui no Brasil, a Expressão Popular fez uma edição impressa exclusiva para os assinantes de seu Clube do Livro.
Ainda neste contexto de solidariedade internacional, no dia 21 de maio o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social lançou uma exposição online sobre a Comuna de Paris, na qual, inclui trabalhos de 39 artistas de 15 países – das Américas, Ásia, África, Magrebe e Região Árabe e Europa. Duas destas obras foram escolhidas para a capa e para a contracapa do livro Comuna de Paris 150. Segundo Tings Chak, coordenadora do Departamento de Arte do Instituto Tricontinental, as imagens são reflexões sobre esta história e o seu legado, o que ela significa para as lutas das pessoas de hoje. “Assim como os comunardos derrubaram o símbolo imperialista da Coluna Vendôme para renomear a praça ‘Place Internationale’, esta exposição é sobre a criação de novos símbolos e imaginação”, ressalta.
Foi justamente nessa perspectiva histórica dos 150 anos da Comuna de Paris que a Editora Expressão Popular, a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) e Escola Nacional Paulo Freire (ENPF) organizaram uma série de três aulas no Programa Batalha das Ideias. O primeiro programa, em 17 de março, contou com a aula aberta do professor Ricardo Antunes, que tratou sobre “O Estado e a luta pelo socialismo” e com o depoimento da professora Ândrea Francine Batista a respeito da participação das mulheres na Comuna. O segundo encontro, em 15 de abril, trouxe a professora Virgínia Fontes que tratou da questão “A Comuna de Paris nos clássicos do marxismo”, e contou com depoimento de Michael Löwy, pensador marxista radicado na França. E o último da série, em 20 de maio, foi com o professor Marcelo Braz, que abordou “História e legado da Comuna de Paris”, e teve a participação de João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, falando sobre o legado que a Comuna de Paris deixou para a classe trabalhadora nos dias atuais.
Experiência histórica
Todos os convidados do Programa Batalha das Ideias, organizado pela Expressão Popular, a Escola Nacional Florestan Fernandes e a Escola Nacional Paulo Freire ressaltaram a importância da Comuna de Paris para a classe trabalhadora. O professor Ricardo Antunes afirmou que, no momento em que comemoramos os 150 anos, o debate sobre o socialismo e o Estado se torna muito especial. Segundo ele, primeiro porque ela foi a primeira revolução social, socialista que a humanidade viveu; segundo, que dá à Comuna uma qualidade enorme, é que ela ocorreu numa cidade e num país altamente desenvolvidos, ao seu tempo e hoje, que é a França, e em particular a capital francesa que é Paris, e, por fim, terceiro, ela foi uma revolução que foi derrotada fundamentalmente pela presença do inimigo externo de classe – o Exército francês armado, com o apoio do Exército alemão, que até meses antes estavam guerreando entre si, se juntaram para massacrar a Comuna de Paris. Portando, de acordo com Antunes, ela não foi derrotada pelos seus defeitos, ela foi derrotada pelos seus méritos, pelo que ela sinaliza de horizonte para a humanidade.
A professora Virgínia Fontes, dentre vários outros elementos, destaca que a Comuna foi também um projeto cultural. “Era uma mudança completa na vida e na relação com a interpretação do mundo, na relação com a educação, na relação com o olhar para o mundo”. Segundo ela, a Comuna era em si uma enorme revolução cultural. Além disso, ela lembra que a Comuna gerou uma enorme quantidade de músicas populares, poesias populares francesas que são até hoje cantadas nas praças públicas de Paris, por exemplo, e da França inteira. Isso sem falar de pinturas, teatros etc, no curto tempo de 72 dias.
Já o pensador marxista Michael Löwy destaca a importância da Comuna como “um acontecimento que marcou a história do movimento operário, da esquerda, do socialismo, do comunismo até hoje, e que ocupa um lugar muito importante na história do pensamento marxista”.
O professor Marcelo Braz defende que a Comuna de Paris deve ser celebrada, lembrada, estudada, para conhecermos sua história e o seu legado. Ele destaca que a Comuna, nas palavras emblemáticas e definitivas de Marx em A guerra civil na França, é a forma política enfim encontrada. Segundo Braz, no século XIX os lutadores e lutadoras sociais, marxista ou não, buscaram encontrar uma forma política que substituísse o moderno Estado burguês, uma luta que fizesse com que os trabalhadores galgassem um patamar superior, muito superior ao que a ordem burguesa pode oferecer, que oferece nos seus limites, em condições muito restritas, e a depender das condições nacionais, possibilidade de emancipação política, mas nunca a emancipação humana.
Legado para a classe trabalhadora
No texto “Introdução: Abrindo as portas para a utopia”, do livro Comuna de Paris 150, Vijay Prashad, diretor executivo do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, escreve: “Em seu prefácio à compilação de cartas de Marx a Kugelmann, Lenin escreveu: ‘Marx sabia reconhecer que havia momentos na história em que uma luta das massas, mesmo em uma causa sem esperança, era necessária para o bem da educação futura dessas massas e sua formação para a próxima luta’. A lição da Comuna não foi apenas para os trabalhadores parisienses ou para a França, mas uma lição para a classe trabalhadora internacional, para nossa formação em nossas próprias lutas para superar os dilemas da humanidade e avançar em direção ao socialismo.”
Assim, nessa perspectiva do conselho de Lenin, João Pedro Stedile destaca alguns elementos deixados como legado pela Comuna de Paris para a classe trabalhadora, além da importância histórica que o legado nos deixou:
“Na prática, a Comuna de Paris foi a primeira revolta operária vitoriosa, porque durante o capitalismo industrial, que havia se instalado desde a revolução industrial de 1750, o operariado foi se formando como classe, foi adquirindo consciência, foi se articulando, surgiram várias revoltas espontâneas localizadas, tiveram convergência em torno das ideias que Marx e o Engels escreveram no Manifesto Comunista em 1848 e foi publicado em 1849, tiveram a chamada revolução alemã, em 1848, que foi sufocada pela burguesia industrial alemã, e finalmente então, em 1871, já com quase 100 anos de capitalismo industrial, a classe operária de Paris se levantou e ergueu barricadas por toda a cidade de Paris, no que ficou conhecido como a Comuna de Paris”.
Segundo Stedile, ainda que não tenha sido uma verdadeira revolução francesa, a Comuna foi vitoriosa porque os operários e a população em geral controlaram todo o poder político da cidade durante várias semanas, até que a burguesia industrial se rearticulou no interior, e veio com mais soldados, inclusive muitos filhos de camponeses, e sufocaram essa revolta operária na cidade de Paris.
Afinal, qual foi o legado, os ensinamentos da Comuna que foram aproveitados ao longo da história?
Para Stedile, em primeiro lugar, os operários fizeram uma revolta um pouco idealista, um pouco influenciados por ideias anarquistas de derrubar tudo – nada presta – e não estavam organizados com um instrumento político, com partido ou com uma forma que pudesse representar uma organização mais nucleada dos trabalhadores. Foi muito mais uma efervescência de massas que toda a cidade se envolveu, porém sem muita capacidade organizativa no sentido de ter um programa, de ter direções, de saber o que queriam. E com isso também se avançou para a compreensão de que, necessariamente, um processo revolucionário necessita de organização política, não importa o nome, se é instrumento, partido, mas precisa de uma organização política que aglutine a vanguarda, os militantes, àqueles que tinham melhor entendimento.
Nessa perspectiva, também ficou evidente que era necessário um programa mais claro, quais eram as mudanças estruturais que deveriam ser feitas. “Por exemplo, no caso de Paris, eles se preocuparam com as instalações públicas, com a prefeitura, o palácio, e se esqueceram dos bancos. Então a burguesia foi lá nos bancos, pegou o dinheiro, fugiu para o interior, com aqueles recursos ela conseguiu se reorganizar, rearmar o seu exército e derrotar os operários”, destaca Stedile.
Também ficou patente como legado, de acordo com Stedile, que era impossível fazer uma mudança no capitalismo apenas pelos operários da cidade, que era necessário uma aliança operário-camponesa. “Até porque, não somente naqueles idos da França mas praticamente até a Segunda Guerra Mundial, os camponeses eram a maioria da população. Portanto, não se faz uma mudança na sociedade sem que a maioria da população pudesse se envolver.
“Eu acho que tanto o Marx – naquele livrinho sobre a Comuna de Paris, que escreveu quase que de forma jornalística, mas analisando as contradições e os ensinamentos, mas sobretudo depois o Lenin, para o caso da Rússia – captou muitos ensinamentos da Comuna de Paris, e de certa forma como intelectual orgânico do Partido Social Democrata russo ele incorporou nas teses revolucionárias da Rússia os ensinamentos da Comuna”, observa.
Na opinião de Stedile, está claro que a Revolução Russa só se viabilizou pela aliança operária-camponesa e também já com um partido mais estruturado, um programa mais estruturado, que levou à vitória do povo russo contra o czarismo, a monarquia e toda aquela opressão que havia na Rússia. “De maneira que o legado da Comuna de Paris é muito importante, e por conta dos seus erros, permitiram que depois houvesse outras revoluções que aprenderam com o que tinha acontecido em Paris”, finaliza.
O fato é que a Comuna de Paris foi uma tentativa histórica dos trabalhadores de construir seu próprio Estado. Assim, em nome da classe trabalhadora e de todos os lutadores e lutadoras do povo, saudamos e tiramos lições dessa experiência.
A Comuna não morreu! Viva a Comuna!
* Nilton Viana é jornalista – contribui no coletivo de Comunicação da Editora Expressão Popular.
0 comentários:
Postar um comentário