O acordo firmado em Honduras, que prevê o retorno de Manuel Zelaya ao governo, representa uma derrota parcial dos golpistas e da sua mídia venal, no país e fora dele. Ainda é cedo para se prever o desdobramento desta grave crise política. A burguesia hondurenha não conseguiu consolidar o golpe, desferido em junho. Enfrentou a heróica resistência das camadas populares e se isolou externamente. O acordo inibe outras aventuras dos golpistas da América Latina, incomodados com os governantes progressistas, e representa uma vitória do povo e da democracia.
É certo que o acordo não permite leituras idealistas. Afinal, Zelaya volta ao governo poucos dias antes da viciada eleição presidencial, confirmada para 29 de novembro. Ainda pelo acordado, os “gorilas” que decretaram toque de recolher, reprimiram e mataram manifestantes, e censuraram rádios e TVs independentes deverão ser anistiados. O novo governo, de “reconciliação nacional”, deverá também incluir alguns direitistas. Ou seja: o acordo é precário, decorrente da correlação de forças existente no país. Mesmo assim, os golpistas foram derrotados.
Desfecho imprevisível da crise
Como alerta o sociólogo argentino Atílio Boron, os desdobramentos do acordo são imprevisíveis. “Para Zelaya, o balanço resulta muito mais complexo e é precisamente isto que turva o panorama hondurenho. Sua restituição não remove as causas profundas que provocaram o golpe de estado. Ademais, ele aceitará os resultados de uma eleição cheia de irregularidades e cuja campanha se desenvolveu debaixo do clima de violência e terror imposto pelos golpistas? Somente quem não conhece as atitudes de Zelaya acredita que não haverá conseqüências”.
Além disso, lembra Atílio Boron, a crise introduziu um novo ator em Honduras. “Como reagirão os heróicos militantes que arriscaram suas vidas para defender o governo legítimo? Há muitos mortos e feridos, presos e humilhados pelo medo. Estas mulheres e homens que tomaram as ruas de Honduras aceitarão o esquecimento dos crimes e o perdão dos criminosos? Uma lição extraída pelos movimentos sociais e forças populares nestes quatro meses de resistência é que eles podem ser decisivos, muito mais do que antes pensavam. A crise ensinou, brutalmente, que eles podem deixar de ser objetos da história para se converterem em sujeitos e protagonistas da mesma”.
Concentrada, manipuladora e golpista
Entre outras lições, o heróico povo hondurenho compreendeu melhor o papel nefasto da mídia na atualidade. A maior parte dos jornais e das emissoras de rádio e televisão ajudou a preparar o clima para o golpe e deu total apoio aos “gorilas”, justificando os atos de repressão, as mortes e prisões, e, inclusive, a censura de veículos independentes. O discurso da liberdade de expressão, cinicamente alardeado pelos barões da mídia, foi abandonado quando os golpistas invadiram a Rádio Globo (que não tem nada a ver com a emissora golpista do Brasil) e o canal 36 de TV.
A mídia hondurenha, a exemplo da brasileira, é altamente concentrada e manipuladora. Pesquisa do jornalista Ernesto Carmona, publicada no site Rebelión, revela que três famílias controlam os quatro jornais diários do país. O diário El Heraldo, o mais histérico golpista, é de propriedade de Jorge Larach, “membro das comissões de notáveis, sempre próximo ao presidente de turno e provedor da indústria de armas e de medicamentos”. Já a televisão é monopolizada por uma única pessoa, José Rafael Ferrari, que controla os canais 5, 7 e 13. Eles não cobriram os protestos populares e deram total respaldo as medidas repressivas dos golpistas.
Conforme aponta Carmona, “um reduzido grupo de empresários, que se apropriou do direito de informar, monopoliza a ‘liberdade de expressão’, posta a serviço dos seus interesses políticos e econômicos, uma vez que explora um rentável negócio... Seus vínculos com os grupos de poder político são muito estreitos, porque eles mesmos pertencem também a estes grupos de poder. Todos estes personagens são defensores acirrados da ‘liberdade de imprensa’, tal como prega a Sociedade Interamericana de Prensa (SIP), os diários mais reacionários do continente, as cadeias mundiais de notícias, como a CNN, e todas as caixas de ressonância do golpe em Honduras”.
Imprensa nativa na berlinda
Mas não foi apenas em Honduras que a mídia hegemônica perdeu ainda mais um pouco de sua minguada credibilidade. Nos EUA, a rede Fox, rotulada pelo próprio presidente Barack Obama de “partido da direita”, apoiou abertamente os “gorilas”. Já no Brasil, os principais jornais e as emissoras de TV suavizaram suas críticas ao “governo de fato” e ao “presidente interino”, como foram carinhosamente chamados os golpistas, e concentraram os seus ataques a Manuel Zelaya, rotulando-o de “chavista e populista”. Na prática, a mídia nativa torceu pelos golpistas.
Quando Zelaya obteve refúgio na embaixada brasileira em Tegucigalpa, a mídia também mirou na “diplomacia lulista”. Ao invés de informar sobre a postura soberana do Brasil, que teve papel decisivo na solução parcial da crise, ela apostou num derramamento de sangue. Agora, com a assinatura do acordo, ela dá todo o crédito ao governo do EUA, que sempre adotou uma postura dúbia diante do golpe. Não esconde seu servilismo diante do império e nem faz autocrítica do seu apoio velado aos golpistas. Mostra que, de fato, é partidária dos golpes – em Honduras e no Brasil.
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