A senadora demo Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), não gostou nem um pouco do Programa Nacional de Direitos Humanos, elaborado sob a coordenação do ministro Paulo Vannuchi após intensa discussão na sociedade. Para ela, é “uma plataforma socialista. Uma parte deste governo tem tendência bastante radical, de extrema esquerda”. Numa leitura das mais maldosas, ela garante que o documento estimula “a invasão de terras” e sugere ainda que “o agronegócio não têm preocupação e compromisso com os direitos humanos”.
Mesmo que o documento afirmasse isto, ele não estaria cometendo nenhum absurdo. A realidade comprova que parte significativa dos tradicionais latifundiários, hoje travestidos de “modernos” barões do agronegócio, não tem mesmo qualquer compromisso com os direitos humanos. Basta observar o número de mortes no campo e o enorme contingente de trabalhadores escravizados. O discurso raivoso da demo Kátia Abreu, que recentemente foi acusada pela revista CartaCapital de surrupiar terras de pequenos agricultores, é puro esperneio de quem tem culpa no cartório.
Conflitos, expulsões e assassinatos
O campo brasileiro continua sendo um dos espaços mais reacionários e atrasados da sociedade. Segundo balanço parcial da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 25 lavradores foram mortos entre janeiro a novembro de 2009. No mesmo período, ocorreram 731 conflitos rurais e 1.612 famílias foram expulsas da terra. Também houve aumento das tentativas de assassinatos, que pulou de 36, em 2008, para 52 no ano passado, e dos casos de torturas, que passou de três para 20. “Os dados mostram que os conflitos no campo teimam em persistir, bem como a violência”, critica a CPT.
O Pará é o campeão de mortes. Segundo o teólogo José Batista Gonçalves, “mais de 800 pessoas foram assassinadas no estado nos últimos 40 anos. Somente sete mandantes foram levados a júri popular e seis foram condenados, mas nenhum cumpre pena até hoje”. Ou seja: na prática, não existe “direito humano” no campo. Os grandes fazendeiros possuem poder econômico, influência política e controlam o Judiciário. “Levar um mandante ao banco de réus, condená-lo e mantê-lo preso é uma tarefa difícil, não só no Pará, mas também em outros estados”, garante José Batista.
“Lista suja” do trabalho escravo
A selvageria visa garantir os privilégios dos grandes proprietários rurais, inclusive de poderosas multinacionais. Com base nela, muitos lavradores são expulsos da terra e outros são explorados, vivendo em condições de trabalho escravo. Como aponta Henrique Cortez, “mais de um século após a Lei Áurea, continuamos um país escravocrata. Desde 2003, mais de 26 mil pessoas foram libertadas de trabalhos forçados em todo o país”. Até hoje, o parlamento não aprovou PEC-438, que permite a expropriação para fins de reforma agrária das propriedades com trabalho escravo.
Cortez reconhece que governo Lula apertou o cerco aos escravocratas. A publicação da “lista suja” do trabalho escravo, com a divulgação dos nomes dos fazendeiros, inibiu alguns deles. Já a ação do grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho descobriu os cativeiros. Nos primeiros sete meses de 2009, foram libertados 1.492 trabalhadores rurais escravizados ou tratados de forma degradante. Pernambuco ocupou o primeiro lugar no ranking com 362 pessoas libertadas. Tocantins, estado da senadora demo Kátia Abreu, ficou em segundo com 296 resgatados. É isto que incomoda a presidenta da CNA, que rejeita qualquer programa de direitos humanos.
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