O jornal O Estado de S.Paulo não faz entrevistas, mas sim “fuzila” seus adversários políticos. Neste domingo, a publicação da oligárquica famíglia Mesquita tentou encurralar o “ex-número 2 do Itamaraty e sucessor do ministro Mangabeira Unger na Secretaria de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães”. Ele é apresentado como “ideólogo da política externa do governo Luiz Inácio Lula da Silva” e as perguntas disparadas parecem de inquisitores – não de jornalistas. Mas o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães nunca foi de se curvar diante dos prepotentes.
Tive o primeiro contato com ele num Congresso dos Farmacêuticos da América Latina, promovido pela Fenafar em Florianópolis. Pouco antes, ele havia sido exonerado pelo ex-presidente FHC do cargo do coordenador do Instituto de Pesquisas em Relações Internacionais (IPRI), vinculado ao Itamaraty, por ter sido o pioneiro na denúncia da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Na sequência, participamos de vários debates contra a assinatura deste tratado neocolonial dos EUA. Tive a honra de escrever com ele o livro “Para entender e combater a Alca”. Fiquei muito feliz quando soube da sua nomeação para secretário-geral do Ministério de Relaçoes Exteriores.
Na entrevista ao Estadão, Samuel Pinheiro Guimarães demonstra que não perdeu sua coerência e sua combatividade. É um patriota convicto, um homem que defende soberania nacional e os interesses do Brasil. O título da matéria já revela sua altivez, para desgosto da famíglia Mesquita – “Quem invadiu o Iraque não tem moral para cobrar o Irã”. Reproduzo a entrevista abaixo:
Por que o Brasil não assina o protocolo adicional do TNP [Tratado de Não-Proliferação Nuclear]?
O Brasil tem a sexta maior reserva de urânio do mundo e o conhecimento completo do ciclo de enriquecimento. Nossa Constituição obriga o uso de tecnologia nuclear somente para fins pacíficos e é preciso lembrar que o TNP, do qual somos signatários, tem duas partes. De um lado, o compromisso dos países nucleares de promover seu próprio desarmamento - e completo. De outro, países não nuclearmente armados se comprometem a não desenvolver a bomba, mas têm o direito a programas para fins pacíficos, incluindo com enriquecimento de urânio. A primeira parte do TNP não foi cumprida, mas os desenvolvidos exigem dos outros o cumprimento estrito de suas obrigações.
O presidente Barack Obama prometeu cortes drásticos nos arsenais americanos. EUA e Rússia estão prestes a concluir um acordo que substituirá o START e terá reduções significativas, e nos próximos meses haverá duas cúpulas sobre o tema. Há sinais claros de desarmamento. Isso não pode mudar a posição brasileira?
Mas existe ainda outro problema, a da redução de ogivas e de aperfeiçoamento da letalidade do armamento. Deveríamos ter um protocolo adicional para países que continuam a desenvolver armamento nuclear e não cumprem suas obrigações. Quem não cumpre o TNP não tem moral para cobrar os outros. Sem contar que há países armados dos quais não se exige nada, muitos nem signatários do TNP são.
O sr. se refere a Israel?
Tire suas conclusões.
O sr. já escreveu que o "TNP é apresentado como uma vitória pacifista e progressista", mas na verdade trata-se de "uma violência unilateral". O sr. mantém essa visão?
Usei essa expressão "violência unilateral"? Estranho. De todo modo, o TNP visa impedir uma guerra nuclear, não apenas a "proliferação horizontal". Não se pode partir do princípio de que são os desarmados que ameaçam a paz internacional. Isso não é lógico.
O País aderiu ao pacto sob o governo de FHC. Foi um erro?
O Brasil, já em 1998, era um dos poucos que tinha em sua Constituição a obrigação de desenvolver atividades nucleares apenas para fins pacíficos. Só se justifica nossa participação no TNP na medida em que potências nucleares reduzam e eliminem arsenais.
Mas o sr. não se arriscaria a dizer que foi um erro assinar o tratado.
Não é que não me arriscaria. Mas é preciso observar a Constituição. E qualquer tratado em que o Brasil não esteja em igualdade de condições não corresponde ao princípio de igualdade soberana entre os Estados. O TNP é um tratado desigual.
Existe, então, a possibilidade de o Brasil denunciar o tratado?
De maneira nenhuma.
O sr. disse que quem não cumpre o TNP não tem "autoridade moral" para exigir dos outros. O presidente Lula usou uma expressão semelhante para se referir ao caso iraniano, disse que as potências "não tem superioridade moral para cobrar o Irã".
Eu concordo com o presidente. E lhe acrescento: antes da segunda guerra do Iraque (em 2003), foi propalado em todos os países que Bagdá tinha armas de destruição em massa e, por isso, seria uma ameaça internacional. Diziam que armas iraquianas destruiriam capitais europeias em segundos. O sr. Colin Powell (então secretário de Estado dos EUA) discursou com fotos no Conselho de Segurança da ONU. O Iraque foi invadido e não foi descoberta nenhuma arma de destruição em massa. Isso dá moral a alguém?
Mas o caso do Irã é muito distinto do iraquiano. Hoje sabe-se, por exemplo, que iranianos esconderam uma usina nuclear por anos na cidade de Qom. O sr. realmente acredita que Teerã negocia de boa-fé?
Não participamos diretamente das negociações. O Brasil acredita no diálogo e defende que o uso da força é improdutivo. Não podemos partir do princípio de que há países responsáveis e outros irresponsáveis. Mas não quero falar de política externa, quem se encarrega disso é o Ministério das Relações Exteriores.
Em 2001, o então chanceler Celso Lafer o destituiu do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty depois que o sr. veio a público criticar a Alca. Como o sr. vê, hoje, esse episódio?
Cumpri o que achei que devia fazer. Julguei que se tratava de um momento de perigo à soberania brasileira. Por isso dei minha opinião.
Ao olhar para trás, o sr. acredita que essa posição foi correta?
Corretíssima. A adoção de um acordo como Alca - com tarifas a zero, impossibilidade de controle de fluxo de capitais, total abertura - teria levado, por exemplo, à privatização de todo sistema financeiro. Privatizariam o BNDES, Banco do Brasil, Petrobrás; instrumentos que foram de grande importância na crise financeira. Há muitos anos, um sociólogo brasileiro disse: "o Brasil não é mais um país subdesenvolvido, é um país injusto." (A frase iniciava o plano de governo de FHC). Esse pensamento denota que podemos ter políticas econômicas de países desenvolvidos. Isso tem uma implicação horrível do ponto de vista de conhecimento da realidade.
A política externa está excessivamente partidarizada? Como o sr. vê, por exemplo, o fato de o chanceler Celso Amorim ter se filiado ao PT?
Outros chanceleres foram de partidos. Ou não? Nesse Ministério das Relações Exteriores, nenhum funcionário que exerceu cargos importantes em outros governos foi prejudicado. Basta ver onde estão servindo. Não houve perseguição.
Há ex-funcionários que fazem forte oposição, como o embaixador Rubens Barbosa.
Mas esses são aposentados. E têm todo direito de fazer oposição. Eu não tenho oposição à oposição (risos). Esse é um debate saudável e o fato de ele ter crescido reflete o próprio êxito da política externa. Não se discute tema desimportante.
O ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda afirmou que foi o sr. quem arquitetou a volta do presidente deposto Manuel Zelaya a Honduras.
Não conheço o ex-chanceler. Nunca o vi na minha vida e não tenho a menor ideia de onde ele tirou isso. Se me lembro bem do texto, ele diz algo como "isso (a volta de Zelaya) é algo que só pode ter saído da cabeça de Pinheiro Guimarães".
E o sr. avalia que o retorno de Zelaya foi bom para Honduras?
Não falo de política externa.
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2 comentários:
Olá Altamiro,
Estou passando para divulgar também o novo portal de notícias de Londrina e região: ehPARANÁ
www.ehparana.com.br
Jornalismo objetivo para quem quer ganhar tempo.
Abraço. Sucesso
Achei as respostas do Samuel com um conteudo realista exemplar. São de pessoas assim que o Brasil necessita. O Estadão fez um gol contra seus patrões.
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