sexta-feira, 2 de abril de 2010

Um novo modelo para as comunicações

Reproduzo mais um artigo do amigo Marcos Dantas, professor de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro:


O projeto governamental para universalizar a banda larga (PNBL) parece que pretente definir um novo modelo de atuação do estado regulador, diferente e possivelmente mais eficaz que o experimentado até agora. Pelo que se sabe, vazado no Twitter ou não, o possível renascimento da Telebrás, à qual seriam adjudicados os troncos de fibras da Eletrobrás e suas subsidiárias antes operados pela falida Eletronet, tem por objetivo dar ao Estado um instrumento de regulação do mercado, não de sua substituição ou supressão.

A Telebrás a ser ressuscitada viria a atuar complementarmente às empresas privadas já detentoras de concessões ou autorizações para prestar diferentes serviços regulamentados, em regime público ou privado: STFC, SMP, SCM, etc. Incorporando os troncos hoje ociosos da Eletronet (o que não se confunde com recuperar a Eletronet, beneficiando este ou aquele, conforme certa imprensa udenista quer fazer crer), poderia levar a infraestrutura de redes de alta velocidade a cerca de 4.200 municípios brasileiros, muito acima dos poucos mais de 400 hoje servidos, de fato, pelas redes das concessionárias ou autorizatárias.

O papel da Telebrás

O governo acredita que a Telebrás seria capaz de prestar o serviço básico de infraestrutura a um custo que permitiria, aos demais agentes privados ou públicos, dela alugar capacidade de rede para revenda a outros usuários, intermediários ou finais, a preços que seriam ainda competitivos ou módicos. Por exemplo, conforme uma ideia apresentada a interlocutores, esses locatários poderiam ser micros, pequenas ou médias empresas (provedores, lan houses, outros empreendedores) situadas em municípios mais distantes dos centros de riqueza, detentores de autorizações de SCM, ou mesmo suas autoridades municipais, cabendo àquelas ou estas investir na capilarização final da rede, usando , inclusive, tecnologias mais baratas sem-fio, como o WiFi, e recursos oriundos do Fust.

A Telebrás, assim, acabaria vindo a ser um instrumento de fomento da concorrência e da multiplicação de agentes privados no mercado, não de estatização, como costuma a ser percebida ou entendida. Diante dessa possível pressão, as grandes operadoras (concessionárias ou autorizatárias) talvez viessem também a se mover para capturar esse mercado a ser criado ou expandido.

Ao mesmo tempo em que pensa em reintroduzir, nas comunicações, um braço operador do Estado, sabe-se que o governo também discute a possibilidade de vir a elaborar e implementar esta política por meio de alguma “mesa de negociação” na qual reuniria os principais atores interessados. As decisões não seriam mais exclusivas de um organismo tecnocrático, pretensamente, mas só pretensamente, protegido das pressões e contra-pressões sociais, como o são a Anatel e demais agências criadas por FHC, mas emanariam de um conselho explicitamente político e aberto.

A sociedade, nela incluída, obviamente, as representações das grandes empresas, seria chamada a participar na formulação política e na busca de solução para os problemas, ao estilo, talvez, de órgãos como o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI-Br) ou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNT-Bio). A universalização da banda-larga, no Brasil, resultaria assim de decisões tomadas com base na construção de consensos entre os diversos e, não raro, conflitantes interesses econômicos e sociais.

O novo estágio da banda larga

Não podemos ignorar que, nos próximos 10 anos a 20 anos, banda larga, com ou sem fio, será quase sinônimo de telecomunicações, assim como o foi, por mais de meio século, a hoje em dia elementar e decadente telefonia fixa cabeada. Significa dizer que, se o projeto do governo avançar e se consolidar, estaremos assistindo à construção de um novo modelo político-institucional, nas telecomunicações, distinto, em aspectos decisivos, daquele herdado do governo FHC.

O monopólio estatal deu lugar a monopólios privados, exceto onde se concentram as cidades ou regiões sócio-econômicas mais ricas e dinâmicas. A propalada universalização da mera telefonia fixa ainda não atingiu, nem parece prestes a atingir, cerca de 40% dos lares brasileiros e pequenos negócios adjacentes. Na telefonia celular, além de inexistir em quase mil municípios, propagou-se o sistema “pré-pago” que, como todos sabemos, somente é usado pela metade (“só recebe”). Tudo isso era previsível ainda quando se aprovou a atual LGT e se optou pela privatização fatiada da Telebrás (e o autor dessas linhas está a cavaleiro para sustentar o que afirma).

A refusão Oi-BrT, a tramitação da PL-29 (de cujo processo, o governo também mantém-se, ao menos formalmente, à margem), a introdução da TV digital, as novas regras para a licitação do 3G impondo à s autorizatárias compromissos que seriam mais próprios ao regime público (ponto para a Anatel!), o permanente impasse do FUST, o enorme déficit da balança comercial eletroeletrônica, são alguns dos macros problemas vivenciados nos últimos oito anos que, nos casos efetivamente enfrentados, a exemplo da Oi-BrT, impuseram soluções práticas que, sem sofismas, estavam redefinindo o modelo.

A convergência dos meios

Tudo isso que vivenciamos e discutimos reduz-se a duas palavras: convergência dos meios. O Brasil precisa adotar um modelo político-institucional para desenvolver as suas comunicações que se apoie na realidade político-econômica da convergência dos negócios mediáticos com base nas novas tecnologias digitais de informação e comunicação (NTICs).

A banda larga não será apenas um setor a mais e distinto das telecomunicações. Será as telecomunicações. Sobre ela se apoiarão, cada vez mais nas próximas décadas, todos os serviços, de telefonia de voz à internet ou televisão digital interativa. Será a infraestrutura necessária ao tráfego dos conteúdos sociais ou econômicos que agenciarão os comportamentos cotidianos ou movimentarão os lucros na sociedade e na economia do século XXI.

Aliás, também aqui, o governo demonstra estar consciente das dimensões do problema que decidiu encarar, pois sua política, conforme já antecipado a diversos interlocutores, também deverá contemplar incentivo e fomento à produção de conteúdos nacionais, bem como desenvolvimento industrial-tecnológico.

Será uma política abrangente, estratégica. No entanto, até por isto mesmo, o presidente Lula deverá estar alertado de que, no máximo, poderá tomar um conjunto de decisões políticas a serem implementadas pelo seu sucessor ou sucessora.

Hoje, o governo está amarrado por um cenário sócio-econômico, legal e empresarial que pode pôr a perder todas as suas boas intenções. Além dos interesses mesquinhos de sempre que já se manifestaram ao inventar esse “affair” Dirceu-Eletronet assim tentando desviar o foco do debate, há um amplo conjunto de questões reais, de natureza jurídica ou econômica, que não podem ser ignoradas.

A disputa sobre a universalização

Chega a ser curioso perceber como o governo – este governo –, ou parte dele, parece ter aderido ao discurso neoliberal que vê a concorrência como solução para universalização. O problema da universalização está relacionado à renda da população, não à ausência de empresas competidoras no mercado. Onde o monopólio sobrevive (e sobrevive na maior parte do país), tal se deve à ausência de mercado real, isto é, ao baixo poder aquisitivo da população, não gerando demanda quantitativa e qualitativa por serviços capazes de atrair os investidores competitivos.

Os monopólios não são responsáveis por nossa tão desigual distribuição da renda, mesmo que disso tirem algum proveito. Para enfrentar essa realidade, a Telebrás teria que lograr, nas periferias urbanas e nas grandes regiões pobres do país, operar a custos baixíssimos e, não raro, oferecer serviços quase de graça. Há lan houses por aí que cobram exatamente 1 real por 30 minutos de conexão a passo de cágado. Ora, a Telebrás não vai escapar de arcar com custos similares aos das operadoras privadas, mesmo que venha a operar uma infraestrutura já quase amortizada que, no entanto, terá de estar sempre sendo mantida, atualizada, renovada e expandida.

Além do mais, ao contrário das operadoras privadas que podem auferir altas receitas nos mercados capitalizados, assim praticando subsídios cruzados explícitos ou implícitos, a Telebrás dificilmente entrará nesses mercados, talvez seja mesmo impedida de fazê-lo por normas legais que venham a ser criadas por pressão de agentes interessados, ou, ao contrário, se desimpedida, neles se apresentará como mais um agressivo competidor, assim como a Petrobras na distribuição de gasolina, ou o Banco do Brasil no crédito.

É fácil imaginar a poderosa oposição política, inclusive na imprensa (já iniciada, aliás), que essa possibilidade despertará. Com o tempo, a oposição poderá, quem sabe, ser superada, mas, em ano eleitoral, o tempo urge... E o preço é alto. Portanto, como não existe almoço grátis, com certeza uma pergunta não pode deixar de estar sendo colocada nas mesas de reuniões do governo: quem paga a conta? Aliás, de quanto é essa conta? Quando se ouve, de vozes oficiais, valores que variam entre 3 milhões de reais a 15 milhões de reais por ano, só se pode concluir que, até agora, ninguém fez, para valer, esse cálculo.

O marco legal

Para dificultar ou retardar ainda mais as decisões, o governo não poderá deixar de obedecer ao atual marco legal – ou se dispor abertamente a reformá-lo. Num caso ou noutro, haverá que se conformar aos tempos exigidos pelos rituais democráticos. Apesar de a Constituição permitir a operação direta de telecomunicações pelo Estado, a LGT foi genialmente, reconheça-se, elaborada para vedar essa hipótese.

A Telebrás ressuscitada terá que se enquadrar em algum dos serviços regulamentados pela Anatel, mais provavelmente como autorizatária de SCM. Será uma ironia, a “tele” estatal operar em regime privado – e não podendo, sob o argumento de ser controlada pelo Estado, deixar de atuar como qualquer outra operadora em regime privado, sob pena de fazer a alegria dos escritórios de advocacia.

Um programa estratégico, de amplo alcance econômico e cultural, que deve envolver até políticas de conteúdo e industrial-tecnológicas, precisará ser implementado em regime público. De fato, estranha-se que um governo dito de esquerda, ou setores dele, continuem ignorando a crucial diferença entre o regime público e o privado, mantido na própria LGT. Na lei, é verdade, teve-se que admitir o regime público apenas para permitir a necessária sobrevivência, ainda por algum tempo, do STFC.

Todos os demais serviços existentes ou por existir, inclusive o hoje essencial “celular”, seriam oferecidos, nos termos da LGT, em regime privado. Seria de se esperar que esta lógica viesse a ser modificada, e novos serviços em regime público fossem instituídos, durante o governo Lula. A lei, tal como está, embora podendo e devendo ser aperfeiçoada, não nega esse poder ao Executivo. A política de universalização da banda larga será a sua maior oportunidade para expandir estruturalmente os serviços prestados em regime público.

A operadora em regime público, mesmo se empresa privada, presta um serviço por delegação do Estado, na condição de concessionária. Está submetida a metas contratuais de universalização, qualidade, controle tarifário, ainda outras de interesse da sociedade e da Nação (política industrial, por exemplo).

Os desafios do atual governo

No caso das telecomunicações, seus bens são reversíveis à União, ao fim do contrato. Sob o marco legal atual, seria possível, mas polêmico, ampliar os contratos das três concessionárias para universalizar a banda larga: bastaria redefinir-se o STFC com uma simples mudança no seu regulamento. Seria possível, também, estatuir, por decreto, um novo serviço específico para a banda larga, estabelecendo-se novo plano de outorgas, de universalização etc., seguido por licitação para contratar nova ou novas concessionárias.

Nada impede, também, que o marco legal seja modificado, por emenda à LGT ou por nova lei, definindo-se explicitamente a empresa Telebrás, sob controle da União, como operadora nacional da infraestrutura pública de banda larga, oferecendo no atacado serviços de rede, neutros em relação à concorrência, para o varejo dos fornecedores finais a empresas e famílias. Seria um caminho para, na expansão nacional da banda larga, o governo introduzir o princípio da separação estrutural de redes e serviços, adotado em alguns outros países, a exemplo do Reino Unido.

Em qualquer situação, o governo está, diga-o ou não, redesenhando o modelo, convencido que estamos todos, de que o mercado não resolverá o problema social da universalização das comunicações digitais, no Brasil. Mas não adianta ter pressa. Quaisquer que sejam as soluções, terão que ser muito bem estudadas e melhor discutidas com os muitos interesses estabelecidos. O governo já terá feito muito se, pelo menos, deixar politicamente fechados os acordos financeiros e normativos para... 2011.

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1 comentários:

Unknown disse...

TELEBRAS VAIR SER MUITO BOM PARA O BRASIL...
NÃO INTERESSA SE AS AÇÕES ESTAVAM R$ 0,50 E QUE VAI A R$5,00, o que importa é que a internet vai chegar barata a todos!!!
Boa Matéria!