Reproduzo artigo do escritor e professor Luís Carlos Lopes, publicado no sítio Carta Maior:
Os que dizem que as grandes mídias transmitem conteúdos deploráveis em nada exageram. Se disserem que todos os conteúdos são desta natureza, sem dúvida, estarão exagerando. Estarão dizendo a verdade, se afirmarem que é difícil separar o joio do trigo, lembrando que as transmissões e emissões possíveis de serem acessadas contribuem para diminuir a capacidade de interpretação das audiências. Tenta-se fazer com que a realidade objetiva seja algo longínquo e inalcançável aos simples mortais.
O veneno retórico e o de natureza irracionalista mesclados, como faces da mesma moeda, aparecem tanto na ficção, como no que se autodenomina de objetivo e isento. Aliás, a ficção domina de tal forma o cenário que a distinção desta com a pretensão de objetividade passou a ser um exercício do formalismo habitual. Na verdade, as mídias se retroalimentam do real objetivo, tratando-o no assombroso universo da retórica – leia-se mentira pavoneada – e dos irracionalismos – leia-se, incapacidade de ver e interpretar a nós mesmos e ao que nos cerca – cultivados em séculos de história. Produzem uma ficção de si mesmas, fazendo com que tudo o que toquem se transforme em algo fantasmagórico, com exceção, logicamente, das contas bancárias das empresas.
Obviamente, nem todos os operadores das grandes mídias são tão brutais. Alguns tentam desesperadamente entregar ao público algo de melhor qualidade e com alguma seriedade. Trata-se de profissionais talentosos e capazes de fazer algo diverso do que são compelidos a executar. Outros se vendem sem qualquer problema aos seus patrões. São bajuladores e, quase sempre, eles não têm muito a oferecer, além da fidelidade canina. Todavia, é bom lembrar que as grandes mídias são privadas. Trata-se de empresas que têm história e interesses a zelar. Seus empregados dependem da aprovação se seus patrões, para se manter em seus lugares.
Qual a diferença entre uma telenovela e um telejornal? Grosso modo, ambos usam da emoção alienada para convencer e não têm qualquer compromisso com as verdades históricas e com o esclarecimento científico e histórico-cultural das audiências. No atual contexto, os dois apóiam-se nas tradições mais conservadoras, nos preconceitos avassaladores retirados de baús cheios de pó, vermes e outros bichos. Repetem os sensos comuns primários que facilmente envolvem seus públicos. Não têm maiores compromissos com a cultura popular e com o que há de melhor na erudita. Em alguns momentos, este pacto de mediocridade é rompido pelos operadores. Em seguida, a empresa retoma as rédeas e conduz de acordo com suas linhas mestras.
Os ingênuos e os que se fazem de ingênuos pouco podem refletir sobre o papel das mídias. Eles dizem que os telejornais, bem como os jornalões e revistas impressas são a informação líquida para ser consumida. O mesmo aconteceria com as notícias e comentários encontráveis nos sites mantidos pelas mesmas empresas. As telenovelas, os programas humorísticos, bem como o pior da indústria cinematográfica internacional e nacional seriam, apenas, diversão. O problema é que não é possível haver neutralidade real no ato de informar e nem no de produzir artefatos ficcionais de qualquer natureza. Em todos os casos, é possível descobrir a que deuses se estão servindo.
Informação e diversão seriam os objetos centrais dos vários meios de comunicação empresariais. Estes canais levariam ao grande público, presumidamente, o que eles desejariam assistir, ver e ler. Os consumidores são vistos como pessoas fundamentalmente passivas e fáceis de ser convencidas. Nisto, está um segredo bem guardado. De há muito, os consumidores da informação e da diversão são também consumidores de produtos alardeados pela publicidade. Suas passividades são tão fabricadas como os produtos de massa e idéias que os anunciantes pretendem vender. Simplesmente, é dado a eles o acesso a uma via de mão única, sem atalhos ou retornos. As possibilidades de resistência existem, mas, são bem pequenas.
O verdadeiro objetivo destes meios é vender produtos, usando técnicas de convencimento e de catarse total. Quando se vê TV, se acessa à Internet, se lê as mídias impressas ou se assiste a filmes comerciais de ficção, se está ao mesmo tempo, sendo bombardeado por mil e uma mensagens publicitárias. O que realmente interessa a estes meios é ter a certeza que o bombardeio atingiu seus objetivos, com isto, se garantem mais verbas e, sobretudo, infinitos lucros. A lógica da produção é a do comércio, ao qual ela é completamente subordinada.
A tão propalada interatividade da Internet esbarra no fato que ela é intermediada por empresas reais. Ao contrário do que se imaginava inicialmente, estas empresas moldam formatos, sugerem conteúdos e dificultam que exista uma comunicação realmente mais livre. Esta liberdade é buscada com abnegação por grupos e pessoas isoladas que tentam, por meio dos instrumentos disponíveis, construir opiniões contrahegemônicas. Isto funciona com fortes limites impostos pelos custos e pela pressão dos instrumentos controlados pelas empresas. Todavia, é na Internet onde se encontra ainda um espaço de reflexão e de liberdade, inexistente nas grandes mídias. Não são casuais, as tentativas surgidas em vários países de se controlar este espaço e de até emudecê-lo.
Como as mídias são um sistema integrado, comandado por empresas, na Internet, o poder das mesmas se destaca e se firma como opção para grandes parcelas dos usuários. Manter uma revista de opinião alternativa significa encontrar formas criativas de financiá-la e de conseguir que ela, na sua fragilidade que é a origem de sua força, permaneça no ar. Esta batalha é travada todos os dias por quixotes que não aceitam que o mundo seja exclusivamente o que as grandes mídias teimam em dizer e redesenhar. O que mantém a chama acesa é a crença que o sonho ainda possa vencer a obscuridade da vida instrumental do capital.
A midiatização incisiva dos recentes ataques do candidato-síntese das direitas à Bolívia de Evo Morales e as críticas iradas à tentativa brasileira de uma solução pacífica do conflito entre o Irã e os Estados Unidos são provas evidentes da manipulação e da sujeição aos interesses externos. Entretanto, o espaço dado aos que pensam de modo diverso foi proporcionalmente pequeno. Mesmo sendo uma concessão pública, as empresas de TV trabalham como se a liberdade de imprensa fosse a mesma coisa do que a liberdade de empresa.
Todos estes fatos passam batidos, em meio a nuvem formada pela onda publicitária que envolve as mídias. Olhando-se, em perspectiva, percebe-se que elas sabem bem camuflar suas verdadeiras essências. Depois de um ataque furibundo aos que lutam contra a conservação, nada melhor do que um comercial de um novo modelo de carro ou do quase-monopólio de uma empresa provedora da TV por assinatura, dentre outros serviços.
São poucos os programas de TV aberta e da por assinatura que não são pautados no tratamento da violência como um espetáculo, sem dar a audiência quaisquer possibilidades de interpretá-los de modo racional. Não é muito diferente o que ocorre nas mídias impressas, havendo adaptações aos públicos de cada segmento. Os mais pobres consomem mais ‘sangue’ e doses elevadas de ‘mondo cane’. As classes médias vêem as mesmas hemorragias e baixarias em emissões que usam de um linguajar mais controlado e adaptado. O mesmo ocorre com o sentido geral da vida, corrompido por emissões que mentem sobre as reais possibilidades do tecido social.
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