Reproduzo artigo do professor Laurindo Lalo Leal Filho, publicado no sítio Carta Maior:
A arrogância com que a Rede Globo sempre tratou a sociedade brasileira tem volta. Basta uma oportunidade e toda a humilhação suportada pelo público durante mais de 40 anos vem à tona. É o que explica a reação imediata, realizada através da internet, ao editorial veiculado pela emissora na noite de domingo contra o técnico Dunga.
Trata-se do episódio mais recente de uma série iniciada lá no final dos anos 1970 e, ao que tudo indica, não acabará tão cedo. “Cala boca Galvão” ou “Cala a boca Tadeu (o jornalista que se prestou a servir de voz do dono)” são as versões modernas e futebolísticas do famoso “O povo não é bobo, fora a Rede Globo”, ouvido pela primeira vez nas ruas de São Bernardo e no estádio da Vila Euclides, durante a greve dos metalúrgicos do ABC, em 1979.
Foi lá que a mascara global começou a cair em público e o Jornal Nacional se desencantou para uma parte dos seus telespectadores, até então crentes de que o que ali se dizia era verdade. Mas como podia ser verdade se eles, operários em greve e seus familiares participavam de atos e passeatas gigantescas ao longo dia e, à noite, ao ligarem na Globo assistiam tudo enviesado e distorcido. Deu-se ai o desencantamento, ou o fim das ilusões mediáticas, pelo menos para essa parcela da população, a uma só vez personagem e espectadora da notícia.
A resposta à manipulação foi imediata. Ao voltarem no dia seguinte para cobrir a greve, as equipes da Globo passaram a ser hostilizadas e recebidas com bordão que se tornou famoso, usado depois em outras ocasiões: o povo não é bobo...
Presenciei aqueles cenas antigas e outra um pouco mais recente: a saia-justa vivida pelo pessoal da Globo, em 2001, numa passeata na Av. Paulista. Estudantes voltavam às ruas para protestar contra a criação da Alca, iniciativa dos Estados Unidos para institucionalizar a dependência absoluta da América Latina aos seus interesses. Várias emissoras mandaram equipes de reportagem para cobrir o evento, talvez não tanto pelo conteúdo da manifestação, mas pelo fato de ser inusitado. Já haviam se passado quase dez anos das últimas manifestações estudantis de rua, ocorridas ao final do governo Collor e essa, de 2001, era uma novidade.
Constatei na avenida Paulista o constrangimento dos repórteres, operadores de câmara e auxiliares da Globo. De todas as emissoras, eram os únicos que escondiam os seus crachás, colocando-os por baixo das camisas e dos casacos. Temiam hostilidades, conscientes da existência de uma imagem fortemente negativa da empresa junto à população.
O incômodo provocado pela Globo na sociedade brasileira, sentido por alguns de forma mais concreta, por outros mais difusa, não encontra muitos caminhos para se manifestar. Através da mídia é impossível diante do controle quase monopolista da própria Globo sobre a comunicação no Brasil.
As respostas da sociedade, até o episódio Dunga, se davam de forma artesanal, em protestos de rua – como na greve do ABC – ou em faixas, cartazes, vaias e bordões vistos e ouvidos de forma cada vez mais constante nos estádios de futebol.
A internet deu uma nova dimensão aos protestos. É impressionante o número de manifestações contrárias ao poder global que circula na rede. Além do protesto em si, essas mensagens vão aos poucos constituindo comunidades, cujos integrantes descobrem, nesses contatos, que os seus sentimentos não são isolados e pessoais. Ao contrário, são coletivos e sociais, fortalecendo suas convicções.
Curiosas são as reações da empresa, talvez surpresa com o abalo de sua soberba. De forma errática ataca o técnico da seleção em editorial procurando manter a empáfia, de outro assimila o refrão “cala a boca Galvão” tentando minimizá-lo e ainda coloca funcionários para dizer que as pessoas falam dela mas assistem aos seus programas, como se audiência fosse adesão.
O público sintoniza a Globo por absoluta falta de alternativa, dentro e fora da TV. Dentro, porque o que há de concorrência ou é semelhante à Globo ou ainda pior. Fora, pela falta de opções de cultura e lazer acessíveis a maioria da população brasileira. Não há amor pela Globo. Ninguém a chama de “tia”, como os britânicos fazem com a BBC, numa demonstração de afeto resultante de uma relação aberta e honesta.
Mas é preciso ressaltar que a combinação Dunga-internet está prestando um serviço inestimável à nossa sociedade. Permitiu que o grito reprimido na garganta durante tanto tempo ganhasse novos caminhos e, acima de tudo, encontrasse eco tornando-o cada vez mais forte. São caminhos sem volta.
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1 comentários:
Torcendo contra
(publicado na revista Caros Amigos em junho de 2010)
Vai começar o espetáculo do ufanismo histérico. Mídias de todos os suportes serão tomadas pela publicidade oportunista do verde-amarelo. Jornalismo e marketing, amalgamados por interesses comuns, fornecerão os delírios de união e superioridade que o público precisa para engolir a farsa consumista. Milícias uniformizadas tomarão ruas e bares, assegurando a adesão das massas ignóbeis à ditadura do hexa.
Pois não contem com este humilde escriba. Torço apaixonadamente para o fracasso da seleção brasileira na África do Sul. Quanto mais humilhante e precoce, melhor. De preferência jogando mal, tomando olé, sob apupos das torcidas e o escárnio da crônica internacional. Que os falsos craques sejam desmascarados, patrocinadores amarguem prejuízos, apresentadores e comentaristas engasguem na desmoralização dos seus favoritismos.
A escolha soa impopular e arriscada, mas deveria constituir uma demonstração de coerência para os apaixonados pelo esporte. O time da CBF personifica os vícios e artimanhas que envenenam o futebol nacional. Ali podemos entender a pauperização dos campeonatos regionais, a destruição de clubes interioranos, o êxodo de talentos, o esvaziamento dos estádios, a imoralidade dos bastidores.
Uma seleção formada quase exclusivamente por jogadores de times estrangeiros não possui qualquer identidade com o torcedor brasileiro. Eles nem ao menos são melhores do que dezenas de atletas que jogam no país, e que formariam uma equipe mais entrosada, motivada e empolgante. Mas, claro, Dunga não pode privilegiar a qualidade. Sua caricatura de sargento brucutu ameniza as motivações financeiras da convocação, que atende aos interesses de empresários, cartolas e especuladores.
O legítimo espírito patriótico deve repudiar esse empreendimento nefasto e sua utilização da retórica nacionalista em benefício de corjas obscuras.
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