Reproduzo artigo publicado no sítio Carta Maior:
Foram mais de 30 mil pessoas envolvidas em todas as Unidades da Federação e 633 propostas aprovadas. Para além dos números, a 1ª Conferência Nacional de Comunicação ficou marcada pelas intensas disputas pela sua convocação e até mesmo pela sua realização. Sob boicote pesado por parte de setores empresariais capitaneados pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert), associação comandada pelas Organizações Globo, o evento reuniu mais de 1600 delegados em Brasília em dezembro de 2009 e elencou uma agenda tão extensa quanto diversa para o setor.
Depois de uma ressaca de alguns meses, agora os segmentos partícipes da organização do processo se voltam para a necessária tarefa de tirar as resoluções do papel. No entanto, isso só deve acontecer no próximo governo. O recado foi dado pelo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação do Governo Federal (Secom), Franklin Martins. “Pelo menos esse cinco pontos [temas que o governo usou para dividir as propostas principais-veja a seguir] exigem um trabalho de legislação, que não se faz da noite para o dia, mas as propostas que dizem respeito a esses temas serão examinadas pelo governo”, afirmou.
Martins foi um dos participantes de uma audiência pública que discutiu a implantação das resoluções da Confecom ontem (10), na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados. Segundo ele, após a conclusão do relatório final, o governo está agora se debruçando sobre as resoluções para avaliar as estratégias para transformá-las em ações concretas. Do ponto de vista temático, elas foram divididas em cinco eixos.
Nova legislação
O primeiro reúne aquelas que indicam mudanças no marco regulatório. “A regulação atual é de 1962. Não tinha TV a cores, não tinha rede de TV. Precisamos perder o medo. É preciso um debate aberto e claro sobre as telecomunicações neste cenário de convergência. É evidente que ele está desatualizado, que tem condições de dar conta dos desafios que estão colocados”, comentou.
Esta foi uma das unanimidades da Confecom. Todos os segmentos, dos empresários aos movimentos sociais, criticaram o anacronismo do nosso arcabouço legal e defenderam uma atualização, cada grupo a seu modo. A resistência, velada mas poderosa, ainda vêm dos empresários liderados pelas Organizações Globo, que vêem na mudança uma brecha para o avanço das operadoras de telecomunicação sobre o rádio e a TV.
Para barrar esta necessidade, estes setores evocam a “liberdade de imprensa” contra as ameaças “totalitárias” de controle social da mídia. Carolina Ribeiro, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, defendeu este tipo de prática e lembrou que ela é feita em várias áreas, como na saúde. “A própria Confecom foi um espaço de controle social”, ressaltou. Para ela, o termo na verdade sintetiza mecanismos de ampliação da participação e da fiscalização sobre os meios, necessidade frente ao aumento das violações provocadas pelos veículos.
Dentre as várias recomendações de alteração na legislação, foram separadas como um segundo eixo específico aquelas relativas à regulamentação do Artigo 221 da Constituição Federal. Ele estabelece como prioridade para a programação das emissoras de rádio e televisão as finalidades educativas, artísticas, informativas e culturais e institui como diretrizes a promoção da produção regional e independente.
O representante da Casa Civil, André Barbosa, destacou duas iniciativas já em andamento para modernizar a legislação do setor. Um deles é o Projeto de Lei 29, que trata de novas regras para a TV por Assinatura, permite a entrada de empresas de Telecom neste negócio e institui cotas na programação deste serviço. Outro é o substitutivo da ex-deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG) para reformar a Lei das Rádios Comunitárias (9.6112/1998). Sobre ele, José Luís Soter, da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), elencou como mudanças centrais o aumento da potência dos transmissores, a anistia para quem foi processado por manter emissoras sem autorização do governo e a criação de um fundo para financiar a comunicação comunitária.
Internet, direito autoral e comunicação pública
O terceiro eixo das propostas é a revisão da legislação para direitos autorais. Esta é uma demanda do próprio governo, puxada pelo Ministério da Cultura. A revisão é defendida para quebrar os privilégios de intermediários, como gravadoras e editoras, e ampliar o acesso aos bens culturais sem deixar de remunerar os artistas.
A demanda de outro ministério foi incluída como o quarto eixo: a aprovação do marco civil da internet. O projeto de lei que define responsabilidades dos agentes na web está sendo debatido de forma aberta no endereço culturadigital.br/marcocivil. Segundo o ex-consultor jurídico do Ministério das Comunicações, Marcelo Bechara, este processo é um exemplo de como já há resoluções sendo implementadas. Outro exemplo seria, segundo ele, o Programa Nacional de Banda Larga, lançado pelo governo no mês passado. César Rômulo da associação das empresas de Telecomunciações (TeleBrasil), criticou o PNBL, argumentando que o governo levou à cabo uma política que não foi aprovada pela Confecom. Franklin Martins rebateu dizendo que as resoluções não são “impositivas”, mas passam por um filtro dentro do governo.
O quinto eixo é a definição de um modelo de regulação para a comunicação pública. Mesmo com a aprovação da Lei que cria a EBC (11.652/2008), diversas resoluções apontaram a necessidade de definir uma normatização que abranja todas as mídias públicas, especialmente no que tange aos mecanismos para a promoção da sua independência. “Em muitos estados, é o palácio do governo que decide o que faz ou que não faz. A discussão não é a ebc. Mas é necessário lei da comunicação pública que fixe, princípios, objetivos”, pontuou Franklin Martins. Também em relação a este tema, Marcelo Bechara destacou ações já tomadas pelo governo, entre elas a liberação de publicidade institucional para TVs educativas estaduais e para canais comunitários.
Conselho e continuidade do diálogo
Não figurou entre os destaques apresentados pelo ministro a implantação do Conselho Nacional de Comunicação, uma das resoluções mais comemoradas pelos movimentos sociais na etapa nacional da Confecom. A medida foi cobrada pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP). “O executivo não pode criar o conselho proposto pela Confecom?”, questionou. Na opinião da parlamentar, este seria o espaço para dar continuidade ao diálogo entre os segmentos e para avaliar as estratégias de implementação das resoluções.
Franklin Martins deu uma resposta evasiva, sem apresentar uma projeção para a concretização da proposta. “Se discutir que o marco regulatório deve ter um marco para telecomunicações e outro para radiodifusão? Isso é uma coisa. Se você disser que deve estar tudo junto é outra coisa. Se tiver algum tipo de agência que vá garantir a execução desse marco regulatório, ela será diferente um modelo um do outro. Então não faz sentido começar por isso (Conselho Nacional de Comunicação). Isso é uma conclusão, um coroamento de um processo mais amplo”, defendeu. Mas enfatizou que a Conferência conseguiu construir um ambiente de entendimento que pode ser frutífero para a concretização das propostas prioritárias.
Ao final de mais de 10 exposições, a audiência evidenciou o enorme desafio em sistematizar o conjunto de propostas em uma agenda e depois transformá-la em ações concretas. Se por um lado há uma avaliação positiva sobre o destravamento do debate gerado pela Confecom, por fica a dúvida sobre quais as chances de que os avanços democratizantes aprovados na Confecom se tornem realidade em um cenário de concentração do direito de fala como o existente em nosso país.
.
0 comentários:
Postar um comentário