Reproduzo artigo de Jandira Feghali, publicado no Jornal do Brasil:
Na história da humanidade há a figura de homens e mulheres símbolos, pessoas que levantaram determinadas ideias com tal denodo, por tanto tempo e a tal altura que o simples enunciado de seus nomes funciona como o desfraldar dos ideais pelos quais se consagraram. Barbosa Lima Sobrinho é um desses homens.
Seu nome passou a ser uma legenda identificada com soberania nacional e democracia. Na longa trajetória de sua vida centenária, não houve luta nacional ou democrática em nosso país que não tivesse recebido seu apoio, não houve momento de interesses nacionais ameaçados ou de liberdades encasuladas, que não tivesse suscitado o seu imediato gesto de protesto, aberto, claro e contundente.
Barbosa Lima Sobrinho, cujo décimo aniversário de falecimento lembramos neste 16 de julho, foi homem de grande talento. Daí que marcas de brilhantismo são encontradas nas múltiplas atividades que exerceu, como advogado, jornalista, professor, historiador, administrador público, parlamentar e governante.
Sua vocação para grandes causas esteve presente desde quando, ainda em Pernambuco, iniciou sua vida pública, promovendo uma minireforma agrária, à frente do Instituto do Açúcar e do Álcool. Elaborou um Estatuto da Lavoura Canavieira.
Aqui no Rio, antigo Distrito Federal, como procurador-geral da justiça, proferiu histórico parecer sobre os bens reversíveis da antiga Light, que, de tão preciso, serviu, anos depois, para fundamentar o processo de nacionalização dessa empresa.
Seu viés nacionalista se acentua na Câmara Federal, onde, ao lado de outro deputado notável, seu conterrâneo Osvaldo de Lima Filho (PTB-PE), organiza e dá projeção à Frente Parlamentar Nacionalista, que papel tão importante desempenhou na década de 60 do século passado. Foi, em 1962, um dos redatores da Lei de Remessa de Lucros, cuja aprovação pelo Congresso despertou a ira do capital estrangeiro espoliador, tendo sido um dos fatores que fez acelerar o movimento golpista de 1964.
A partir de 164, a atividade de Barbosa Lima Sobrinho ganhou foros de militância política e intelectual permanente na oposição decidida ao regime discricionário então imposto. Atua como um inconformado, um insubmisso.
Nas eleições de 1974, com Ulysses Guimarães, forma a dupla que organizou o protesto das anticandidaturas – Ulysses, anticandidato a presidente da República, e Barbosa Lima Sobrinho, anticandidato a vice. Os anticandidatos percorreram o país em caravana cívica e comoveram a gente brasileira.
Outro gesto de sentido histórico executado por Barbosa, ao lado de outros brasileiros ilustres, foi a assinatura do pedido de impeachment do então presidente Fernando Collor, em 1992, quando ocupava pela segunda vez o cargo de presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
Vendo o neoliberalismo pontificar em nosso país, desencadeando uma sequência de privatizações em setores estratégicos da economia, Barbosa Lima Sobrinho se insurgiu mais uma vez, denunciando a entrega de riquezas nacionais e a ameaça à soberania do país.
Tive a oportunidade de participar com Barbosa de algumas dessas batalhas. Na campanha contra a privatização da Usiminas, Barbosa, com mais de 90 anos, teve que enfrentar – e o fez com galhardia – a repressão que contra nós foi lançada, com cães e bombas de gás lacrimogêneo.
Em outros momentos, testemunhei o entusiasmo quase juvenil com que defendia suas bandeiras históricas, a soberania nacional, o desenvolvimento, a independência do país e as liberdades dos cidadãos.
Muito mais haveria a dizer. Sua obra escrita atinge cerca de 90 títulos e mais de 3 mil artigos publicados neste jornal, o centenário e importante JB. Que fiquem para as gerações futuras sua coerência inabalável, a voz sempre vigorosa em defesa das liberdades democráticas e sua afirmação, pouco antes de morrer: “Em uma democracia, o fundamental é o direito à contestação”.
Barbosa Lima Sobrinho foi um homem que não deixou vergar seu perfil de combatente pela idade de mais de cem anos. Defendeu suas posições, serena e firmemente, até o fim.
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