domingo, 16 de janeiro de 2011

Verissimo: "Chuva e chá"

Reproduzo crônica de Luis Fernando Verissimo, publicada no Blog do Noblat:

Chove desde que o mundo é mundo. Chove desde que gente já se conhecia por gente, mas ainda achava que chuva era xixi dos deuses, ou coisa parecida.

À negligência das autoridades atuais responsáveis por tragédias causadas pela chuva deve-se acrescentar este estranhamento atávico: depois de milhões e milhões de anos, a chuva ainda nos pega de surpresa.

Claro, as tragédias vêm com o excesso de chuva, com o anormal, com o improvável. Mas assim como se proíbe construções na encosta de vulcões mesmo dormentes, prevendo a erupção, devíamos estar sempre preparados para a pior consequência imaginável das chuvas.

Mas se mesmo a chuva normal nos causa espanto — "Meu Deus, o que é isso? Água caindo do céu!" — o que dirá a hipótese de chuva destruidora? Ainda não sabemos o que fazer com ela. Talvez em mais alguns milhões de anos a gente se acostume.

TEA PARTY

O movimento chamado Tea Party tirou seu nome de um episódio de revolta de colonos americanos contra a coroa inglesa em 1773, um dos antecedentes da guerra de independência dos Estados Unidos. Protestavam contra a taxação do chá pelos ingleses e o monopólio da Companhia das Índias Orientais das importações na colônia. Quando um navio inglês ancorado em Boston se recusou a voltar com chá rejeitado pelos colonos para a Inglaterra, estes invadiram o navio e jogaram o chá no mar.

A revolta atual não tem nada a ver com chá, é contra o governo do Barack Obama. Que, segundo a direita radical, está levando o país para o socialismo com medidas como a implantação de um programa universal de saúde pública igual ao que existia em todos os países adiantados do mundo, menos nos Estados Unidos.

Nem todos os republicanos que voltaram a dominar o Congresso americano depois da última eleição legislativa seguem a linha extremista do Tea Party, mas o partido está mobilizado para derrubar o plano de saúde do Baraca, que já comparam ao Hitler, e inviabilizar seu governo.

Uma das lideres do movimento Tea Party é a Sarah Palin, que antes das recentes eleições publicou um mapa dos Estados Unidos no qual todos os estados em que candidatos que apoiavam o plano de saúde ou outra iniciativa do presidente combatida pelo Tea Party deveriam ser derrotados apareciam assinalados com um círculo imitando a mira de uma arma.

Um desses candidatos a serem abatidos era Gabrielle Giffords, que no sábado passado levou um tiro na cabeça.

Não se sabe o que motivou o criminoso, que matou seis, incluindo uma criança, além de ferir Gabrielle. Mas a Sarah Palin está tendo que se explicar. Uma das suas assessoras já disse que os círculos no mapa não eram miras, mas visores de agrimensura. Não colou.

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1 comentários:

João Marcos disse...

Logo após Jared Lee Loughner ter sido identificado pelos disparos contra a deputada Gabrielle Giffords, uma onda de diagnósticos na grande mídia associou o autor dos disparos à esquizofrenia paranóica.

Ainda que Jared Lee não tenha sido diagnosticado como tal, a simples menção a uma patologia mental como agente motriz de violência parece explicar o assassínio e colocar um ponto final à reflexão.

Patologias mentais severas, em si mesmas, não explicam a violência. A bem da verdade, portadores de doenças mentais costumam ser vítimas freqüentes e não agentes de violência.

O artigo “Esquizofrenia e Violência: Revisão Sistemática e Meta-análise”, de Seena Fazel, publicado em 2009 pela Public Library of Science, revela que aqueles que sofrem de esquizofrenia apresentam um comportamento tão violento quanto aqueles sem qualquer distúrbio psicótico.

Tido como louco, o assassino foi imediatamente dissociado de sua relação histórica com a extrema-direita, do ódio intrínseco que alimenta a moral racista, da violência enraizada no fundamentalismo religioso que invade todos os rincões dos EUA e que legitima as ações mais excusas sobre o pretexto abjeto de “We are a Free Country”.

A arma deve ser apontada, enfim, aos reais responsáveis pela tragédia.