Reproduzo artigo de Gabriel Brito, publicado no sítio Correio da Cidadania:
Contrariando a costumeira apatia que nos reservam os inícios de ano, uma seqüência de rebeliões espontâneas no Norte da África, e no Oriente Médio, não somente chacoalhou uma das regiões mais efervescentes da geopolítica mundial, como reverberou por todos os quadrantes. A partir da auto-imolação de um tunisiano, inconformado com a falta de oportunidades oferecidas pelo deposto regime ditatorial de Ben Ali, uma onda de protestos contra quase todos os governos da região não pára de crescer.
Além do sonho de libertação de povos oprimidos há muitas décadas, os acontecimentos que agora se concentram no Egito, mas se estendem por vários outros países, voltam a escancarar o jogo duplo comandado pelo Departamento de Estado norte-americano e as potências européias, com o inefável apoio de uma mídia hesitante em corroborar os desejos de emancipação de tunisianos, egípcios, iemenitas, argelinos, sírios, sauditas...
O que deflagrou uma onda de levantes populares, tão fora de moda no mundo neoliberal, foi o ato do cidadão tunisiano que, ao ter sua barraca de frutas apreendida, ateou fogo a si mesmo, falecendo no mesmo dia e levando o povo às ruas como jamais poderia supor. Pra começo de conversa e indo direto ao ponto, fosse em Cuba o ocorrido e nossa mídia já estaria propondo premiações internacionais e santificando um novo mártir da humanidade, vitimado por um governo genocida.
Mas a verdade é que o jovem rapaz, com seu sacrifício, representou o sentimento de revolta e inconformismo que domina dezenas e dezenas de milhões de corações, numa região tão rica culturalmente quanto empobrecida economicamente – exceto suas elites despóticas, associadas a governos ocidentais que sempre ignoraram o fato de se tratar de ditaduras sangrentas, ao menos enquanto se mantêm submissas a seus interesses geoestratégicos.
É o caso de praticamente todos os países da região, cujas populações convergem nas mais diversas frustrações impostas por seus governos, como altíssimos índices de desemprego, o que tem tornado a juventude cada vez mais sem futuro e dependente das famílias, além de um controle a pura mão de ferro de todo anseio popular.
Mudar para continuar igual
Entretanto, mesmo diante de mazelas tão gritantes, nossa imprensa se mantém tímida em seus juízos de valores, enfatizando as opiniões de analistas de corte conservador, que começaram tentando empulhar a opinião mundial com idéias de transição ‘lenta, gradual e segura’. Porém, após se assegurarem de que os egípcios estão nas ruas pelo tudo ou nada, passaram a rever conceitos, agora instando o ditador Mubarak a puxar o carro um pouco mais rápido para aplacar ânimos.
Trata-se acima de tudo de muito cálculo político, o que obviamente é feito em importantíssimas reuniões e conversas de líderes de Estado com seus mais proeminentes assessores. Por isso que, com o passar dos dias, americanos e europeus começaram o processo de abandono de Mubarak, concentrando esforços numa espécie de conciliação nacional rumo a um governo estável a seus interesses, o que pode ser inviável caso se mantenham muito recalcitrantes aos desejos dos povos árabes e magrebinos.
É muito clara a diferença de tratamento entre a primeira e segunda sublevação. Na Tunísia, até por sua relevância global e população (muito) inferior, a revolta depôs o governo basicamente num par de dias, o que foi seguido por editoriais e opiniões de celebração imediata, festejando o fim de mais uma ditadura – que, estranhamente, não puderam denunciar aos leitores nos 30 anos anteriores em que vigorou.
Como também somos portadores de considerável ignorância nas questões do ‘mundo árabe’, ninguém supôs que seus povos são mais interligados do que supunha nossa vã filosofia. Quase que instantaneamente outras nações entraram na onda dos protestos populares, em especial o Egito, de 80 milhões de habitantes e principal ponto de apoio para a estabilidade da aliança entre Estados Unidos e Israel e de interlocução com os demais países da comunidade árabe.
A partir da convulsão num país de maior peso global e regional, a postura passou do entusiasmo libertário à cautela, com recomendações a uma transição segura, que no início até considerava a manutenção de Mubarak no poder por mais alguns meses, dentre outras propostas inaceitáveis feitas pelo ditador, como maneira de ‘salvar’ o povo egípcio do caos e do risco da tomada de poder por correntes fundamentalistas.
No entanto, foi-se o tempo em que os falsos dilemas colocados pela política externa estadunidense eram postos goela abaixo de todos. Ao contrário da imagem que sempre venderam das conjunturas norte-africanas e médio-orientais, não se trata de uma disputa entre "autocracias amistosas ou ditaduras religiosas e fundamentalistas", como bem observaram analistas do quilate de Robert Fisk.
Ofuscando o poder das massas
Na verdade, não há sequer uma liderança clara em tais levantes, o que deu à imprensa outra idéia para tentar desinflar e desmistificar o poder de revolta, mobilização e intervenção pura e simplesmente populares. E dessa forma passaram a chover opiniões exaltando o poder das redes sociais em conectar povos e desnudar toda e qualquer realidade injusta, seja ela em regimes ‘fechados ou abertos’.
Ou seja, tentaram colocar em pé de igualdade décadas de frustração geral de uma vastíssima população, acompanhadas de enorme violência estatal e descaso da famigerada comunidade internacional, com o ‘poder’ irresistível de redes de relacionamento como twitter e facebook. Como se ‘tuitadas’ e outros ‘posts’ colocassem déspotas e exércitos armados até os dentes para correr.
É evidente que a expansão da internet aumenta o fluxo de informações a que temos acesso, especialmente em locais remotos e com enormes diferenças culturais e lingüísticas. Mas daí a igualar seu poder de transformação a atos de rua massivos é mais uma tentativa de matar no nascedouro todo e qualquer sentimento de insurgência e ação política, que é por onde se constroem revoluções. É óbvio que calculam as conseqüências de uma epidemia mundial de manifestações impetuosas dos povos, inclusive além da região atualmente em chamas.
Tanto é assim que, nos dias que se seguiram aos protestos no Egito, nossa mídia foi aprumando seu tom de voz aos discursos que saíam de Washington. Primeiro, Mubarak deveria fazer concessões e evitar se candidatar às eleições. Depois, deveria deixar o poder imediatamente. Agora, os americanos negociam sua saída e, conseqüentemente, dialogam com os grupos políticos mais influentes nos países em rebelião.
Além disso, anos e anos de ditaduras implacáveis desmobilizaram as organizações políticas, isoladas e dispersas atualmente, o que os faz começar a temer os ovos de serpente que produziram. Dessa forma, negociam uma transição que faça o poder recair em ‘mãos confiáveis’.
Cuidando do futuro
Porém, como já parece um tanto líquido e certo que o regime egípcio irá à ruína, é hora de cuidar de outras pautas. Por ter conciliado os interesses de Israel e EUA na região, inclusive nas mal-intencionadas negociações de paz com a Palestina - que na verdade visam sua destruição, como declara abertamente o regime sionista -, o Egito era visto como amigo, o que levou nossa subserviente mídia a chamar Mubarak de presidente por todas essas décadas. De repente, virou ditador, sem mais explicações sobre a mudança conceitual.
Retomando, a grande interrogação que paira é a respeito do que aconteceria se um governo de caráter nacional e soberano emergisse no Egito, e quais conseqüências políticas viriam para Israel, cercado de inimigos e totalmente dependente da ajuda militar dos EUA – assim como o Egito, outro fato omitido ao longo dos anos pela imprensa autodenominada livre e independente.
Por conta disso, começaram tortuosas correlações com o Hamas e outros grupos políticos inimigos de suas posições nas negociações de ‘paz’. Inquietos a respeito da influência que eventualmente poderia partir da Irmandade Muçulmana, jornais, portais e emissoras de TV tentam desvendar se a entidade não estaria ainda conectada a grupos ‘extremistas’ – leia-se, grupos da lista negra de Washington.
Note-se este parágrafo da matéria da Folha de S. Paulo no dia 5 de fevereiro, que tenta descaradamente criminalizar o Hamas, que, lembremos, venceu eleições reconhecidas pela ONU, mas não por Israel e EUA, na Faixa de Gaza, em 2007:
"Segunda Hesham Ali, a comparação com o Hamas não cabe, porque a Irmandade Muçulmana, ao contrário do grupo palestino, não tem uma agenda militar nem propaga idéias extremistas", introduz o texto do repórter Samy Adghirni. Agora, a resposta do membro da Irmandade: "Condenamos a Al-Qaeda e qualquer outro grupo que cometa atos violentos". Melhor não comentar ou adjetivar esse tremendo insulto à inteligência dos leitores.
Outra prova do cinismo midiático na hora de mostrar se realmente está ao lado das bandeiras democráticas e dos direitos humanos foi dada na quinta-feira, 4, um dia antes.
"Egípcios se enfrentam com pedras, porretes e molotov", generalizou a Folha de S. Paulo, igualando ambos os lados na contenda, quando o mundo inteiro já sabia que eram forças mercenárias e velhos repressores aliados de Mubarak que acataram a ordem de sair às ruas e tentar aplacar as manifestações populares pelo terror e violência.
Nas páginas internas, esta postura fica ainda mais clara. Mas a manchete citada mostra que, no fundo, essa imprensa teme e até repudia tamanha sublevação, por significar ‘péssimo’ exemplo para povos injustiçados e reprimidos, que podem se libertar através de suas próprias forças, atropelando e extinguindo regimes burgueses sem mediações.
Pelo mencionado peso estratégico do Egito, muito superior ao da Tunísia, a mídia brasileira, e a imprensa comercial estrangeira, começaram a ‘colocar as manguinhas de dentro’, de modo a criar um consenso bem conciliador, além de um final honroso para os déspotas que sempre acobertaram.
No entanto, o duplo caráter de governos e comunicadores pode custar caro, pois movimentações começam a tomar força em países como Argélia, Marrocos, Iêmen, Síria. O risco é um perigoso isolamento de Israel na região e o fortalecimento da solidariedade à causa palestina, passando ainda pelos efervescentes e mal-resolvidos (para os EUA) Iraque e Irã.
Um barril de pólvora que jamais se esperava ter de administrar neste momento. Agora, resta aos governos dos países centrais e seus aliados, inclusive a mídia, elaborarem novas roupagens para manter intactos seus interesses políticos e econômicos, claramente prejudiciais aos povos em fúria, além dos conceitos humanitários, que na verdade seguem bem seletivos. Não será fácil resolver a equação conservando todos os anéis.
Contrariando a costumeira apatia que nos reservam os inícios de ano, uma seqüência de rebeliões espontâneas no Norte da África, e no Oriente Médio, não somente chacoalhou uma das regiões mais efervescentes da geopolítica mundial, como reverberou por todos os quadrantes. A partir da auto-imolação de um tunisiano, inconformado com a falta de oportunidades oferecidas pelo deposto regime ditatorial de Ben Ali, uma onda de protestos contra quase todos os governos da região não pára de crescer.
Além do sonho de libertação de povos oprimidos há muitas décadas, os acontecimentos que agora se concentram no Egito, mas se estendem por vários outros países, voltam a escancarar o jogo duplo comandado pelo Departamento de Estado norte-americano e as potências européias, com o inefável apoio de uma mídia hesitante em corroborar os desejos de emancipação de tunisianos, egípcios, iemenitas, argelinos, sírios, sauditas...
O que deflagrou uma onda de levantes populares, tão fora de moda no mundo neoliberal, foi o ato do cidadão tunisiano que, ao ter sua barraca de frutas apreendida, ateou fogo a si mesmo, falecendo no mesmo dia e levando o povo às ruas como jamais poderia supor. Pra começo de conversa e indo direto ao ponto, fosse em Cuba o ocorrido e nossa mídia já estaria propondo premiações internacionais e santificando um novo mártir da humanidade, vitimado por um governo genocida.
Mas a verdade é que o jovem rapaz, com seu sacrifício, representou o sentimento de revolta e inconformismo que domina dezenas e dezenas de milhões de corações, numa região tão rica culturalmente quanto empobrecida economicamente – exceto suas elites despóticas, associadas a governos ocidentais que sempre ignoraram o fato de se tratar de ditaduras sangrentas, ao menos enquanto se mantêm submissas a seus interesses geoestratégicos.
É o caso de praticamente todos os países da região, cujas populações convergem nas mais diversas frustrações impostas por seus governos, como altíssimos índices de desemprego, o que tem tornado a juventude cada vez mais sem futuro e dependente das famílias, além de um controle a pura mão de ferro de todo anseio popular.
Mudar para continuar igual
Entretanto, mesmo diante de mazelas tão gritantes, nossa imprensa se mantém tímida em seus juízos de valores, enfatizando as opiniões de analistas de corte conservador, que começaram tentando empulhar a opinião mundial com idéias de transição ‘lenta, gradual e segura’. Porém, após se assegurarem de que os egípcios estão nas ruas pelo tudo ou nada, passaram a rever conceitos, agora instando o ditador Mubarak a puxar o carro um pouco mais rápido para aplacar ânimos.
Trata-se acima de tudo de muito cálculo político, o que obviamente é feito em importantíssimas reuniões e conversas de líderes de Estado com seus mais proeminentes assessores. Por isso que, com o passar dos dias, americanos e europeus começaram o processo de abandono de Mubarak, concentrando esforços numa espécie de conciliação nacional rumo a um governo estável a seus interesses, o que pode ser inviável caso se mantenham muito recalcitrantes aos desejos dos povos árabes e magrebinos.
É muito clara a diferença de tratamento entre a primeira e segunda sublevação. Na Tunísia, até por sua relevância global e população (muito) inferior, a revolta depôs o governo basicamente num par de dias, o que foi seguido por editoriais e opiniões de celebração imediata, festejando o fim de mais uma ditadura – que, estranhamente, não puderam denunciar aos leitores nos 30 anos anteriores em que vigorou.
Como também somos portadores de considerável ignorância nas questões do ‘mundo árabe’, ninguém supôs que seus povos são mais interligados do que supunha nossa vã filosofia. Quase que instantaneamente outras nações entraram na onda dos protestos populares, em especial o Egito, de 80 milhões de habitantes e principal ponto de apoio para a estabilidade da aliança entre Estados Unidos e Israel e de interlocução com os demais países da comunidade árabe.
A partir da convulsão num país de maior peso global e regional, a postura passou do entusiasmo libertário à cautela, com recomendações a uma transição segura, que no início até considerava a manutenção de Mubarak no poder por mais alguns meses, dentre outras propostas inaceitáveis feitas pelo ditador, como maneira de ‘salvar’ o povo egípcio do caos e do risco da tomada de poder por correntes fundamentalistas.
No entanto, foi-se o tempo em que os falsos dilemas colocados pela política externa estadunidense eram postos goela abaixo de todos. Ao contrário da imagem que sempre venderam das conjunturas norte-africanas e médio-orientais, não se trata de uma disputa entre "autocracias amistosas ou ditaduras religiosas e fundamentalistas", como bem observaram analistas do quilate de Robert Fisk.
Ofuscando o poder das massas
Na verdade, não há sequer uma liderança clara em tais levantes, o que deu à imprensa outra idéia para tentar desinflar e desmistificar o poder de revolta, mobilização e intervenção pura e simplesmente populares. E dessa forma passaram a chover opiniões exaltando o poder das redes sociais em conectar povos e desnudar toda e qualquer realidade injusta, seja ela em regimes ‘fechados ou abertos’.
Ou seja, tentaram colocar em pé de igualdade décadas de frustração geral de uma vastíssima população, acompanhadas de enorme violência estatal e descaso da famigerada comunidade internacional, com o ‘poder’ irresistível de redes de relacionamento como twitter e facebook. Como se ‘tuitadas’ e outros ‘posts’ colocassem déspotas e exércitos armados até os dentes para correr.
É evidente que a expansão da internet aumenta o fluxo de informações a que temos acesso, especialmente em locais remotos e com enormes diferenças culturais e lingüísticas. Mas daí a igualar seu poder de transformação a atos de rua massivos é mais uma tentativa de matar no nascedouro todo e qualquer sentimento de insurgência e ação política, que é por onde se constroem revoluções. É óbvio que calculam as conseqüências de uma epidemia mundial de manifestações impetuosas dos povos, inclusive além da região atualmente em chamas.
Tanto é assim que, nos dias que se seguiram aos protestos no Egito, nossa mídia foi aprumando seu tom de voz aos discursos que saíam de Washington. Primeiro, Mubarak deveria fazer concessões e evitar se candidatar às eleições. Depois, deveria deixar o poder imediatamente. Agora, os americanos negociam sua saída e, conseqüentemente, dialogam com os grupos políticos mais influentes nos países em rebelião.
Além disso, anos e anos de ditaduras implacáveis desmobilizaram as organizações políticas, isoladas e dispersas atualmente, o que os faz começar a temer os ovos de serpente que produziram. Dessa forma, negociam uma transição que faça o poder recair em ‘mãos confiáveis’.
Cuidando do futuro
Porém, como já parece um tanto líquido e certo que o regime egípcio irá à ruína, é hora de cuidar de outras pautas. Por ter conciliado os interesses de Israel e EUA na região, inclusive nas mal-intencionadas negociações de paz com a Palestina - que na verdade visam sua destruição, como declara abertamente o regime sionista -, o Egito era visto como amigo, o que levou nossa subserviente mídia a chamar Mubarak de presidente por todas essas décadas. De repente, virou ditador, sem mais explicações sobre a mudança conceitual.
Retomando, a grande interrogação que paira é a respeito do que aconteceria se um governo de caráter nacional e soberano emergisse no Egito, e quais conseqüências políticas viriam para Israel, cercado de inimigos e totalmente dependente da ajuda militar dos EUA – assim como o Egito, outro fato omitido ao longo dos anos pela imprensa autodenominada livre e independente.
Por conta disso, começaram tortuosas correlações com o Hamas e outros grupos políticos inimigos de suas posições nas negociações de ‘paz’. Inquietos a respeito da influência que eventualmente poderia partir da Irmandade Muçulmana, jornais, portais e emissoras de TV tentam desvendar se a entidade não estaria ainda conectada a grupos ‘extremistas’ – leia-se, grupos da lista negra de Washington.
Note-se este parágrafo da matéria da Folha de S. Paulo no dia 5 de fevereiro, que tenta descaradamente criminalizar o Hamas, que, lembremos, venceu eleições reconhecidas pela ONU, mas não por Israel e EUA, na Faixa de Gaza, em 2007:
"Segunda Hesham Ali, a comparação com o Hamas não cabe, porque a Irmandade Muçulmana, ao contrário do grupo palestino, não tem uma agenda militar nem propaga idéias extremistas", introduz o texto do repórter Samy Adghirni. Agora, a resposta do membro da Irmandade: "Condenamos a Al-Qaeda e qualquer outro grupo que cometa atos violentos". Melhor não comentar ou adjetivar esse tremendo insulto à inteligência dos leitores.
Outra prova do cinismo midiático na hora de mostrar se realmente está ao lado das bandeiras democráticas e dos direitos humanos foi dada na quinta-feira, 4, um dia antes.
"Egípcios se enfrentam com pedras, porretes e molotov", generalizou a Folha de S. Paulo, igualando ambos os lados na contenda, quando o mundo inteiro já sabia que eram forças mercenárias e velhos repressores aliados de Mubarak que acataram a ordem de sair às ruas e tentar aplacar as manifestações populares pelo terror e violência.
Nas páginas internas, esta postura fica ainda mais clara. Mas a manchete citada mostra que, no fundo, essa imprensa teme e até repudia tamanha sublevação, por significar ‘péssimo’ exemplo para povos injustiçados e reprimidos, que podem se libertar através de suas próprias forças, atropelando e extinguindo regimes burgueses sem mediações.
Pelo mencionado peso estratégico do Egito, muito superior ao da Tunísia, a mídia brasileira, e a imprensa comercial estrangeira, começaram a ‘colocar as manguinhas de dentro’, de modo a criar um consenso bem conciliador, além de um final honroso para os déspotas que sempre acobertaram.
No entanto, o duplo caráter de governos e comunicadores pode custar caro, pois movimentações começam a tomar força em países como Argélia, Marrocos, Iêmen, Síria. O risco é um perigoso isolamento de Israel na região e o fortalecimento da solidariedade à causa palestina, passando ainda pelos efervescentes e mal-resolvidos (para os EUA) Iraque e Irã.
Um barril de pólvora que jamais se esperava ter de administrar neste momento. Agora, resta aos governos dos países centrais e seus aliados, inclusive a mídia, elaborarem novas roupagens para manter intactos seus interesses políticos e econômicos, claramente prejudiciais aos povos em fúria, além dos conceitos humanitários, que na verdade seguem bem seletivos. Não será fácil resolver a equação conservando todos os anéis.
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