Por Venício A. de Lima, no Observatório da Imprensa:
Em 1971, há 40 anos, o então Departamento de Comunicação (COM) da Universidade de Brasília (UnB) participava de uma inédita e ousada experiência acadêmica: através de convênio assinado entre a UnB e a Secretaria de Finanças do governo do Distrito Federal (GDF),
professores e alunos de Comunicação planejaram, criaram, produziram e veicularam “profissionalmente” uma polêmica campanha publicitária visando ao aumento da arrecadação de impostos locais.
Como essa inusitada experiência de ensino/prática foi possível?
Breve história
Os tempos eram outros. Estávamos em pleno regime autoritário, a poucos metros do Comando Militar do Planalto. O presidente era o general Emílio Garrastazu Médici. Não havia eleições no DF e o governador era nomeado – à época, o coronel Hélio Prates da Silveira. Na UnB, o reitor era o médico-pesquisador Amadeu Cury e o vice, o capitão de mar-e-guerra José Carlos de Almeida Azevedo. Vivia-se um período tenso, difícil, inseguro. Caminhava-se em terreno minado.
Após a segunda crise geral da universidade sonhada por Darcy Ribeiro, o reitor Caio Benjamin convocou o professor Marco Antonio Rodrigues Dias para reorganizar o COM. Em pouco tempo ele conseguiu consolidar uma equipe que deu nova vida ao ensino e à pesquisa de Comunicação na UnB.
Havendo participado da Campanha de Erradicação das Invasões (CEI) – inclusive criando o seu nome –, que deu origem à cidade satélite de Ceilândia, em março de 1971, o COM passou a ser solicitado pelo GDF para colaborar em outras ações do governo. O aumento da arrecadação dos impostos locais – ICM, IPTU e ISS – era uma delas.
O COM havia iniciado, recentemente, a experiência de agrupar diferentes disciplinas do currículo formando o “bloco de jornalismo”, cujo resultado era a produção periódica do jornal-laboratório Campus. Pensou-se, então, em repetir a experiência com as disciplinas de publicidade. O resultado, todavia, não seria uma campanha apenas como exercício acadêmico, mas sim, uma campanha publicitária profissional envolvendo recursos significativos do maior anunciante do DF, cobiçados pelo incipiente mercado publicitário local. Mais ainda: o COM, por óbvio, não tinha o pessoal necessário e nem a estrutura básica de uma agência de publicidade. Mesmo assim, o ousado compromisso foi assumido.
Colocou-se em marcha uma complicada logística. Aos vinte e um alunos, dois professores da área de publicidade, dois professores de pesquisa e um de cinema, juntaram-se alguns dos profissionais mais conceituados do país. Os recursos do convênio permitiam que esses profissionais fossem convidados a Brasília para palestras e envolvimento direto na produção da campanha publicitária.
No primeiro semestre letivo de 1971, estiveram na UnB publicitários da Denison, da DPZ, da McCann-Erickson, da Standard, da Norton, da Alcântara Machado, da Júlio Ribeiro e da Alltype. Além disso, dois redatores e um renomado fotógrafo – Luís Humberto Martins – foram contratados.
O resultado
Enfim, uma campanha publicitária foi produzida. O “conceito” principal era “Queremos dar a você o direito de reclamar: pague seus impostos”. Foram criadas peças para jornal, rádio, televisão, cinema e um cartaz. O plano de mídia foi executado no segundo semestre de 1971, monitorado pelos professores responsáveis do COM.
Não foram poucas, todavia, as dificuldades enfrentadas por aqueles responsáveis pelo cumprimento do planejamento e dos prazos. Havia um cliente poderoso pagando a conta e a campanha publicitária, afinal, tinha que ser colocada na rua.
Ao longo da campanha surgiram várias polêmicas. Seu “tom” relativamente agressivo e certo moralismo conservador fizeram com que autoridades federais manifestassem desagrado em relação ao “caráter ambíguo” de algumas peças. Por outro lado, o Sindicato das Agências de Publicidade protestou pela concorrência desleal da UnB no mercado publicitário de Brasília.
A avaliação posterior feita por alunos e professores envolvidos no processo revelou que, para eventuais novas experiências, se deveria pensar na elaboração de uma campanha apenas experimental, sem que se assumisse a responsabilidade profissional. A universidade não tem o pessoal, a estrutura administrativa e tampouco a agilidade necessárias a um trabalho desse tipo.
O prêmio Colunistas
A boa surpresa veio depois. Em fevereiro de 1972 foi divulgado o “Prêmio Colunistas, Os Melhores da Propaganda” – àquela época um prêmio de abrangência nacional – referente ao ano de 1971. A série de quatro filmes para televisão e cinema da campanha realizada pelo COM havia recebido o “Diploma de Honra”.
Na verdade, a José Pinto Produções Ltda., que produziu os filmes, os inscreveu sem o nosso conhecimento. Feitas as devidas correções na ficha técnica, em nome do COM-UnB, recebemos o prêmio em solenidade realizada em São Paulo.
Experiência e memória
A experiência – assim como a memória, diria Pedro Nava – é um farol que ilumina para trás. Mesmo assim, o registro de ambas faz parte da reafirmação de nossa própria identidade e se torna necessário, pelo menos, para nós mesmos.
Como executor do convênio SEF-GDF/COM-UnB e coordenador geral da campanha, guardo lembranças felizes de todos(as) – alunos, profissionais e colegas professores – que compartilharam essa incrível e única experiência.
Alimento, por fim, a esperança de que o registro deste aprender-fazendo desperte, 40 anos depois, o interesse de gerações mais novas pelo trabalho realizado e, ao fim e ao cabo, possa ter alguma utilidade no presente.
Em 1971, há 40 anos, o então Departamento de Comunicação (COM) da Universidade de Brasília (UnB) participava de uma inédita e ousada experiência acadêmica: através de convênio assinado entre a UnB e a Secretaria de Finanças do governo do Distrito Federal (GDF),
professores e alunos de Comunicação planejaram, criaram, produziram e veicularam “profissionalmente” uma polêmica campanha publicitária visando ao aumento da arrecadação de impostos locais.
Como essa inusitada experiência de ensino/prática foi possível?
Breve história
Os tempos eram outros. Estávamos em pleno regime autoritário, a poucos metros do Comando Militar do Planalto. O presidente era o general Emílio Garrastazu Médici. Não havia eleições no DF e o governador era nomeado – à época, o coronel Hélio Prates da Silveira. Na UnB, o reitor era o médico-pesquisador Amadeu Cury e o vice, o capitão de mar-e-guerra José Carlos de Almeida Azevedo. Vivia-se um período tenso, difícil, inseguro. Caminhava-se em terreno minado.
Após a segunda crise geral da universidade sonhada por Darcy Ribeiro, o reitor Caio Benjamin convocou o professor Marco Antonio Rodrigues Dias para reorganizar o COM. Em pouco tempo ele conseguiu consolidar uma equipe que deu nova vida ao ensino e à pesquisa de Comunicação na UnB.
Havendo participado da Campanha de Erradicação das Invasões (CEI) – inclusive criando o seu nome –, que deu origem à cidade satélite de Ceilândia, em março de 1971, o COM passou a ser solicitado pelo GDF para colaborar em outras ações do governo. O aumento da arrecadação dos impostos locais – ICM, IPTU e ISS – era uma delas.
O COM havia iniciado, recentemente, a experiência de agrupar diferentes disciplinas do currículo formando o “bloco de jornalismo”, cujo resultado era a produção periódica do jornal-laboratório Campus. Pensou-se, então, em repetir a experiência com as disciplinas de publicidade. O resultado, todavia, não seria uma campanha apenas como exercício acadêmico, mas sim, uma campanha publicitária profissional envolvendo recursos significativos do maior anunciante do DF, cobiçados pelo incipiente mercado publicitário local. Mais ainda: o COM, por óbvio, não tinha o pessoal necessário e nem a estrutura básica de uma agência de publicidade. Mesmo assim, o ousado compromisso foi assumido.
Colocou-se em marcha uma complicada logística. Aos vinte e um alunos, dois professores da área de publicidade, dois professores de pesquisa e um de cinema, juntaram-se alguns dos profissionais mais conceituados do país. Os recursos do convênio permitiam que esses profissionais fossem convidados a Brasília para palestras e envolvimento direto na produção da campanha publicitária.
No primeiro semestre letivo de 1971, estiveram na UnB publicitários da Denison, da DPZ, da McCann-Erickson, da Standard, da Norton, da Alcântara Machado, da Júlio Ribeiro e da Alltype. Além disso, dois redatores e um renomado fotógrafo – Luís Humberto Martins – foram contratados.
O resultado
Enfim, uma campanha publicitária foi produzida. O “conceito” principal era “Queremos dar a você o direito de reclamar: pague seus impostos”. Foram criadas peças para jornal, rádio, televisão, cinema e um cartaz. O plano de mídia foi executado no segundo semestre de 1971, monitorado pelos professores responsáveis do COM.
Não foram poucas, todavia, as dificuldades enfrentadas por aqueles responsáveis pelo cumprimento do planejamento e dos prazos. Havia um cliente poderoso pagando a conta e a campanha publicitária, afinal, tinha que ser colocada na rua.
Ao longo da campanha surgiram várias polêmicas. Seu “tom” relativamente agressivo e certo moralismo conservador fizeram com que autoridades federais manifestassem desagrado em relação ao “caráter ambíguo” de algumas peças. Por outro lado, o Sindicato das Agências de Publicidade protestou pela concorrência desleal da UnB no mercado publicitário de Brasília.
A avaliação posterior feita por alunos e professores envolvidos no processo revelou que, para eventuais novas experiências, se deveria pensar na elaboração de uma campanha apenas experimental, sem que se assumisse a responsabilidade profissional. A universidade não tem o pessoal, a estrutura administrativa e tampouco a agilidade necessárias a um trabalho desse tipo.
O prêmio Colunistas
A boa surpresa veio depois. Em fevereiro de 1972 foi divulgado o “Prêmio Colunistas, Os Melhores da Propaganda” – àquela época um prêmio de abrangência nacional – referente ao ano de 1971. A série de quatro filmes para televisão e cinema da campanha realizada pelo COM havia recebido o “Diploma de Honra”.
Na verdade, a José Pinto Produções Ltda., que produziu os filmes, os inscreveu sem o nosso conhecimento. Feitas as devidas correções na ficha técnica, em nome do COM-UnB, recebemos o prêmio em solenidade realizada em São Paulo.
Experiência e memória
A experiência – assim como a memória, diria Pedro Nava – é um farol que ilumina para trás. Mesmo assim, o registro de ambas faz parte da reafirmação de nossa própria identidade e se torna necessário, pelo menos, para nós mesmos.
Como executor do convênio SEF-GDF/COM-UnB e coordenador geral da campanha, guardo lembranças felizes de todos(as) – alunos, profissionais e colegas professores – que compartilharam essa incrível e única experiência.
Alimento, por fim, a esperança de que o registro deste aprender-fazendo desperte, 40 anos depois, o interesse de gerações mais novas pelo trabalho realizado e, ao fim e ao cabo, possa ter alguma utilidade no presente.
1 comentários:
Tudo indica que, apesar do contexto da ditadura militar, o melhor governante de Brasilia foi o Cel Helio Prates. Entendia perfeitamente a dinamica da cidade. Tanto que patrocinou o evento que o post expressa. Além da remocao do morro do urubu, como poucos sabem, foi ele também quem criou o parque da cidade, dando um freio à especulação imobiliária. Pra finalizar, lembro que o seu irmão, chefe da casa civil ( se nao me engano) detestava o Oscar Niemeyer.
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