sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Documentos da arapongagem na USP

Por Renato Rovai, na revista Fórum:

A Fórum deste mês (já nas bancas) traz uma denúncia gravíssima e que exige investigação ampla por parte do Ministério Público e outros órgãos competentes. Um esquema de arapongagem teria sido montado para investigar a movimentação dos estudantes e do Sindicato dos trabalhadores da universidade na greve de abril de 2010.

O repórter Igor Carvalho obteve um documento produzido por uma tal “sala de crise” e enviado a Ronaldo Pena, diretor da Divisão Técnica de Operações e Vigilância da Coordenadoria do Campus (Cocesp), a quem cabe a segurança do local.



O documento começou a ser feito no dia 28 de abril. E se inicia assim: “1° Dia – 28/04 – Reconhecimento da unidade e dos locais de atuação nas assembleias.”

Durante os próximos 28 dias, cada passo da movimentação das lideranças do movimento foi acompanhado de perto. Com apresentação de fotos e dados com sobrenomes de pessoas, departamentos nos quais trabalham, cargos e até detalhes sobre valores arrecadados para financiar a greve. As informações antecipam encontros de líderes e até movimentos estratégicos do comando da greve.

Pelo documento, fica claro que a arapongagem não era realizada por funcionários ou prestadores de serviço da universidade. Num dos trechos, o autor do relato diz o seguinte.

“Adentramos na unidade da USP Butantã com certa dificuldade, já que era feriado e estava fechada, podendo acessar apenas alunos e funcionários com credencial. Burlada a segurança pelo HU [Hospital Universitário] por onde se entra livremente com qualquer argumento. Percorremos todos os prédios e não havia nenhum tipo de encontro ou manifestação.”

Fórum, depois de ter recebido o documento, foi checar alguns fatos descritos. Num dos trechos, por exemplo, do dia 5 de maio, o relatório aponta que: “Moradores do Crusp informaram que, se durante a greve cortarem a comida como é de costume em greve, irão invadir o bandejão”. Uma aluna, que pediu para não ser identificada, é moradora do conjunto há quatro anos e confirma a informação que consta no relatório. “Lembro muito bem, foi exatamente essa a nossa deliberação na reunião daquele dia.”

No dia 16 de maio, o 19º dia de trabalho da arapongagem, o documento fala sobre estudantes e médicos do Hospital Universitário comprando drogas na favela São Remo, localizada atrás do campus da USP. “Para entrar na USP, tivemos que burlar a segurança pelo portão da favela (local complicado). Os vigilantes têm medo de ficar no local sem proteção, muitos estudantes compram drogas no local, incluindo médicos e funcionários do Hospital Universitário.”

No dia que Fórum teve acesso a este documento (16/12/2011), coincidentemente recebeu na redação a visita do reitor João Grandino Rodas.
O coincidentemente não tem nenhuma ponta de ironia. Como havia publicado neste blogue uma nota sobre o empréstimo de um tapete persa da Faculdade de Direito para a Reitoria exatamente no último dia de Rodas como diretor do Largo São Francisco e ao mesmo tempo procuramos o reitor para que ele esclarecesse a denúncia de uma compra de um outro tapete persa por 32 mil reais (matéria também na edição impressa deste mês), Rodas aceitou dar uma entrevista exclusiva para Igor Carvalho e manifestou o interesse de agendar uma visita à Fórum para que conversássemos.

Na visita, informei-o de que havia recebido a promessa de ter acesso a esta documentação que está publicada na edição deste mês. O reitor disse que poderíamos procurá-lo quando o documento estivesse em nosso poder. O contato com a assessoria de Rodas foi realizada, ainda naquela tarde, pelo editor executivo de Fórum, Glauco Faria, mas não houve resposta.

Ronaldo Pena, o destinatário do documento, confrontado com as informações obtidas pela revista, disse que a “sala de crise”, responsável pela elaboração do documento, “é passiva e consultiva e somente recebe os contextos cotidianos produzidos pelo meio natural de informações circulantes, não tem poder nenhum de mandar fazer algo e, ainda mais, ilegal, como uma escuta.”

A íntegra da reportagem, com a entrevista exclusiva de Rodas, está na edição impressa deste mês. Já em bancas. A pergunta que fica é: o esquema policial que está invadindo a USP e outras ações contra estudantes em várias partes do Brasil não é algo que precisa de um freio de arrumação urgente?
Arapongagem ou “elaboração de documentos com contextos cotidianos” que revelam que o “investigador” burlou a segurança “é algo típico de ditaduras.

Com a palavra a comunidade uspiana, educadores, o reitor e o governador do Estado.

2 comentários:

Ignez disse...

No "livro Negro da USP" há relatos históricos de arapongagem na USP. Isto na época da ditadura. Hoje, saudosista, o governo do PSDB implementa em todos os setores essa arapongagem até entre eles mesmo... O Aécio sabe disso. Tanto sabe que resultou na "Privataria Tucana" - best seller do momento - de autoria do jornalista-investigador (herói nacional) Amaury Ribeiro Junior.

Luis R disse...

Enquanto a gente não botar os torturadores na cadeia, viveremos o pesadêlo da 'volta dos que não foram'.