Por Luiz Carlos Azenha, no blog Viomundo:
Eu não sei o que seria da minha vida profissional se, na metade dos anos 2000, eu não tivesse “descoberto” a internet. Como as coisas mudaram desde então! Primeiro, foi o brotar de 1.000 flores na blogosfera. Depois, de um milhão nas redes sociais, notadamente o twitter e o facebook. Milhão, eu disse milhão? Milhões.
Um exemplo: certa vez confessei que não sabia nada além do genérico sobre Posada Carriles, o terrorista acusado de organizar a derrubada de um avião da Cubana de Aviación. A leitora-militante gritou: como é que um jornalista não sabe tudo sobre Posada Carriles? Bem, para compensar a vergonha publiquei no You Tube um dos documentários sobre Posada Carriles que comprei pela internet. Curiosamente, nesta época eu morava em Washington e comecei a receber mailings sobre uma campanha para libertar “the cuban five”, que agora se tornaram conhecidos dos brasileiros por conta do livro de Fernando Morais. Fiquei desconfiado que era coisa da CIA.
O mais interessante de ler sobre o Posada foi ver quanto os Estados Unidos usaram o serviço de inteligência da Venezuela, a DISIP, como proxy para monitorar e fazer ações clandestinas na América Latina. Graças a uma comentarista da internet, portanto, eu entendi muito melhor o contexto em que surgiu Hugo Chávez, que tirou proveito da implosão neoliberal pós-Caracazo, enterrou o acordo de Punto Fijo e afastou a Venezuela do papel de protetorado de Washington, via DISIP.
Hoje, todos aqueles que têm acesso a uma conexão razoável podem nos ajudar. Perdemos a exclusividade, mas ganhamos centenas de milhares de experts.
Os 140 caracteres do twitter aumentaram a velocidade da disseminação de textos e informação, mas também diminuiram o tempo de reflexão. Hoje, um punhado de pessoas é capaz de detonar um efeito manada que é mais adequado aos linchamentos digitais — baseados em bits de informação descontextualizada — do que ao debate político ou ao esclarecimento. O potencial para mil ciclos simultâneos de Escolas Base, de 24/48 horas de duração, está diante de nós. Felizmente, a capacidade para enfrentar estes ciclos está embutida no processo.
Há outros riscos. Os militantes mais afoitos correm o risco de desfavorecer as próprias causas, ao disseminar informação falsa, distorcida ou exagerada. Da segunda vez que você gritar “fogo”, menos gente vai te ouvir.
Temo pelos incautos, que ainda não se deram conta de quanto e quão rapidamente anda uma opinião, uma informação ou um desabafo feito no calor da hora, no que ele, incauto, acredita ser um espaço privado. Caiu na rede, é peixe, e poderá ser usado contra você eternamente, dentro ou fora do contexto, graças ao efeito Google.
Curioso, este processo. Ao mesmo tempo que cobra opiniões e certezas absolutas no calor daquele segundo, potencializa ao infinito os danos a quem disse o que não gostaria/não queria/não poderia ter dito.
Paradoxalmente, pertencer à multidão digital pode acabar nos empurrando de volta ao conforto do isolamento relaxado. Há quem anteveja um processo pelo qual as pessoas vão se desligar voluntariamente das redes sociais por conta disso.
Existem dados conflitantes sobre a queda do número de usuários do Facebook e do Twitter em mercados “maduros”, como o dos Estados Unidos. Seria uma espécie de “cansaço digital”, quando o prazer de conhecer gente, ler opiniões diferentes e ter acesso a informação deixa de compensar o tempo gasto ou o aborrecimento com as grossuras alheias.
Duvido que o mesmo aconteça no Brasil, pelo menos a curto prazo. Os brasileiros amam gente. São gregários. Adoram saber da vida alheia. O Brasil talvez seja o único país do mundo em que dois “amigos” digitais, apresentados por um terceiro, têm chance de se tornarem amigos de verdade, em carne e osso.
Para os jornalistas e blogueiros, há outro risco nas redes sociais. O de que acabem promovendo a fulanização da notícia.
Fulano atacou fulano no Facebook. Vira “notícia”. Fulana disse isso e aquilo da fulana no twitter, vira “notícia”. Essa fulanização empobrece o debate político, de ideias. Vira um jogo de egos, raso. E acaba alimentando a indústria da fofoca, da maledicência e das polêmicas inúteis que floresceu como grande geradora de tráfego em todos os portais; e alimentando o jornalismo raso dos que dizem que fazem jornalismo para jornalistas.
Dá vergonha alheia ver gente usando o twitter e o facebook atrás de notoriedade fugaz, polemizando para compensar algum tipo de déficit de atenção. Confesso que para poupar gente de passar vergonha em público, já apaguei comentários “definitivos” feitos no meu Facebook, de gente que veio me desancar e foi desmentida em seguida pelos fatos.
Se todos fossem assim, ficaríamos à mercê do quem grita mais pode mais. Felizmente, ainda é apenas uma notável minoria.
Lá no primeiro encontro de blogueiros, a única proposta que apresentei foi no sentido de que os blogueiros se organizassem para produzir conteúdo próprio, talvez numa cooperativa. Desde então eu já achava que a crítica da mídia pela crítica da mídia não tinha futuro. O Brasil é um país enorme, de enorme diversidade. Mas o rolodex da mídia (eu sou do tempo do rolodex) só tem espaço para um determinado número de “especialistas”. Em geral os especialistas que apenas confirmam as teses engendradas nas redações. Eu achava desde então que nossa maior tarefa, dos blogueiros, era trazer gente nova para o debate. Gente que tem muito a dizer mas fica “escondida”, por acaso ou não, por barreiras políticas, geográficas, ideológicas, de classe, etc.
Ainda acho que é o melhor caminho para destravar debates interditados e aumentar o número de participantes na discussão de políticas públicas no Brasil. Mas é apenas uma opinião e estou certo de que vocês, logo aí nos comentários, vão me instruir sobre tudo o que não li, não vi e desconheci sobre o tema. Nisso, aliás, se resume a graça de fazer o blog.
Eu não sei o que seria da minha vida profissional se, na metade dos anos 2000, eu não tivesse “descoberto” a internet. Como as coisas mudaram desde então! Primeiro, foi o brotar de 1.000 flores na blogosfera. Depois, de um milhão nas redes sociais, notadamente o twitter e o facebook. Milhão, eu disse milhão? Milhões.
Um exemplo: certa vez confessei que não sabia nada além do genérico sobre Posada Carriles, o terrorista acusado de organizar a derrubada de um avião da Cubana de Aviación. A leitora-militante gritou: como é que um jornalista não sabe tudo sobre Posada Carriles? Bem, para compensar a vergonha publiquei no You Tube um dos documentários sobre Posada Carriles que comprei pela internet. Curiosamente, nesta época eu morava em Washington e comecei a receber mailings sobre uma campanha para libertar “the cuban five”, que agora se tornaram conhecidos dos brasileiros por conta do livro de Fernando Morais. Fiquei desconfiado que era coisa da CIA.
O mais interessante de ler sobre o Posada foi ver quanto os Estados Unidos usaram o serviço de inteligência da Venezuela, a DISIP, como proxy para monitorar e fazer ações clandestinas na América Latina. Graças a uma comentarista da internet, portanto, eu entendi muito melhor o contexto em que surgiu Hugo Chávez, que tirou proveito da implosão neoliberal pós-Caracazo, enterrou o acordo de Punto Fijo e afastou a Venezuela do papel de protetorado de Washington, via DISIP.
Hoje, todos aqueles que têm acesso a uma conexão razoável podem nos ajudar. Perdemos a exclusividade, mas ganhamos centenas de milhares de experts.
Os 140 caracteres do twitter aumentaram a velocidade da disseminação de textos e informação, mas também diminuiram o tempo de reflexão. Hoje, um punhado de pessoas é capaz de detonar um efeito manada que é mais adequado aos linchamentos digitais — baseados em bits de informação descontextualizada — do que ao debate político ou ao esclarecimento. O potencial para mil ciclos simultâneos de Escolas Base, de 24/48 horas de duração, está diante de nós. Felizmente, a capacidade para enfrentar estes ciclos está embutida no processo.
Há outros riscos. Os militantes mais afoitos correm o risco de desfavorecer as próprias causas, ao disseminar informação falsa, distorcida ou exagerada. Da segunda vez que você gritar “fogo”, menos gente vai te ouvir.
Temo pelos incautos, que ainda não se deram conta de quanto e quão rapidamente anda uma opinião, uma informação ou um desabafo feito no calor da hora, no que ele, incauto, acredita ser um espaço privado. Caiu na rede, é peixe, e poderá ser usado contra você eternamente, dentro ou fora do contexto, graças ao efeito Google.
Curioso, este processo. Ao mesmo tempo que cobra opiniões e certezas absolutas no calor daquele segundo, potencializa ao infinito os danos a quem disse o que não gostaria/não queria/não poderia ter dito.
Paradoxalmente, pertencer à multidão digital pode acabar nos empurrando de volta ao conforto do isolamento relaxado. Há quem anteveja um processo pelo qual as pessoas vão se desligar voluntariamente das redes sociais por conta disso.
Existem dados conflitantes sobre a queda do número de usuários do Facebook e do Twitter em mercados “maduros”, como o dos Estados Unidos. Seria uma espécie de “cansaço digital”, quando o prazer de conhecer gente, ler opiniões diferentes e ter acesso a informação deixa de compensar o tempo gasto ou o aborrecimento com as grossuras alheias.
Duvido que o mesmo aconteça no Brasil, pelo menos a curto prazo. Os brasileiros amam gente. São gregários. Adoram saber da vida alheia. O Brasil talvez seja o único país do mundo em que dois “amigos” digitais, apresentados por um terceiro, têm chance de se tornarem amigos de verdade, em carne e osso.
Para os jornalistas e blogueiros, há outro risco nas redes sociais. O de que acabem promovendo a fulanização da notícia.
Fulano atacou fulano no Facebook. Vira “notícia”. Fulana disse isso e aquilo da fulana no twitter, vira “notícia”. Essa fulanização empobrece o debate político, de ideias. Vira um jogo de egos, raso. E acaba alimentando a indústria da fofoca, da maledicência e das polêmicas inúteis que floresceu como grande geradora de tráfego em todos os portais; e alimentando o jornalismo raso dos que dizem que fazem jornalismo para jornalistas.
Dá vergonha alheia ver gente usando o twitter e o facebook atrás de notoriedade fugaz, polemizando para compensar algum tipo de déficit de atenção. Confesso que para poupar gente de passar vergonha em público, já apaguei comentários “definitivos” feitos no meu Facebook, de gente que veio me desancar e foi desmentida em seguida pelos fatos.
Se todos fossem assim, ficaríamos à mercê do quem grita mais pode mais. Felizmente, ainda é apenas uma notável minoria.
Lá no primeiro encontro de blogueiros, a única proposta que apresentei foi no sentido de que os blogueiros se organizassem para produzir conteúdo próprio, talvez numa cooperativa. Desde então eu já achava que a crítica da mídia pela crítica da mídia não tinha futuro. O Brasil é um país enorme, de enorme diversidade. Mas o rolodex da mídia (eu sou do tempo do rolodex) só tem espaço para um determinado número de “especialistas”. Em geral os especialistas que apenas confirmam as teses engendradas nas redações. Eu achava desde então que nossa maior tarefa, dos blogueiros, era trazer gente nova para o debate. Gente que tem muito a dizer mas fica “escondida”, por acaso ou não, por barreiras políticas, geográficas, ideológicas, de classe, etc.
Ainda acho que é o melhor caminho para destravar debates interditados e aumentar o número de participantes na discussão de políticas públicas no Brasil. Mas é apenas uma opinião e estou certo de que vocês, logo aí nos comentários, vão me instruir sobre tudo o que não li, não vi e desconheci sobre o tema. Nisso, aliás, se resume a graça de fazer o blog.
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