Por Dênis de Moraes, no blog da Boitempo:
A comunicação alternativa e contra-hegemônica em rede refere-se a um processo participativo na rede mundial de computadores que envolve indivíduos e grupos afinados com uma visão politizadora do jornalismo, a partir do reconhecimento do campo informativo como uma arena marcada por disputas de sentidos pela hegemonia política e cultural. O fato de a internet não estar submetida a centros controladores e crivos midiáticos proporciona uma margem acentuada de liberdade de expressão, além de favorecer a convergência em torno de ideias, valores e mobilizações por afinidades eletivas.
[1] Este texto baseia-se em reflexões que desenvolvo no meu livro Mídia, poder e contrapoder, a ser lançado brevemente pela Boitempo Editorial.
[2] A versão eletrônica (ebook) de O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos, de Dênis de Moraes, já está disponível por metade do preço do impresso na Gato Sabido e na Livraria da Travessa!
* Dênis de Moraes é professor associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da UFF e pesquisador do CNPq e da FAPERJ. Autor de mais de 20 livros publicados no Brasil, na Espanha, na Argentina e em Cuba, entre os quais Vozes abertas da América Latina (2011), La cruzada de los medios en América Latina (2011), Mutaciones de lo visible: comunicación y procesos culturales en la era digital (2010), A batalha da mídia (2009). Em abril próximo, a Boitempo publicará seu novo livro, Mídia, poder e contrapoder: da concentração monopólica à democratização da informação, em parceria com Ignacio Ramonet e Pascual Serrano.
A comunicação alternativa e contra-hegemônica em rede refere-se a um processo participativo na rede mundial de computadores que envolve indivíduos e grupos afinados com uma visão politizadora do jornalismo, a partir do reconhecimento do campo informativo como uma arena marcada por disputas de sentidos pela hegemonia política e cultural. O fato de a internet não estar submetida a centros controladores e crivos midiáticos proporciona uma margem acentuada de liberdade de expressão, além de favorecer a convergência em torno de ideias, valores e mobilizações por afinidades eletivas.
O ecossistema virtual, descentralizado e interativo, torna possíveis práticas comunicacionais que questionam formas de dominação impostas pelas classes e instituições hegemônicas, sustentadas ideologicamente pela mídia corporativa. Sob tal prisma, a comunicação é alternativa porque se estrutura para o trabalho político-ideológico, contrapropõe conteúdos críticos e tem métodos colaborativos de gestão e formas não mercantis de financiamento.
Essa concepção põe em relevo a necessidade de se imprimir à produção jornalística uma direção antagônica à dos grupos midiáticos. O que significa assumir a opção preferencial pela difusão de informações e análises que contemplem temas de interesse coletivo e comunitário, numa perspectiva favorável à expressão de anseios geralmente subestimados ou interditados nas pautas e coberturas de veículos tradicionais.
Quatro características distinguem a comunicação alternativa em rede: a) compromisso com a universalização dos direitos humanos; b) não se impõem óticas interpretativas únicas na apreciação dos fatos e acontecimentos, rompendo com a cadeia de subordinação aos crivos ideológicos e idiossincrasias das corporações midiáticas; c) a dinâmica virtual estimula trocas e interações; d) seguem-se os princípios inclusivos da publicação aberta (leitores podem adicionar comentários, textos e fotos) e do copyleft (permissão para reproduzir informações, desde que citada a fonte e sem fins lucrativos, evitando as barreiras impostas pela propriedade intelectual).
Uma variedade imprevista de modos de criação e veiculação manifesta-se através da teia multimídia, permitindo transmissões autônomas de conteúdos em diferentes formatos e linguagens. Incluem-se aí projetos, experiências e veículos ligados a movimentos sociais, populares e comunitários, organizações políticas e grupos militantes que se dispõem ao enfrentamento do sistema capitalista e à construção de modelos de desenvolvimento inclusivos e socializantes. Portanto, não há caminhos únicos, e sim percursos a serem explorados conforme peculiaridades socioculturais, habilidades técnicas, especializações, focos variáveis e correlações de forças específicas. Para isso, os meios alternativos utilizam-se de redes sociais, blogs, listas de discussão e correio eletrônico para disseminação de ideias, convocatórias de eventos e campanhas, interações e permutas de dados, imagens e arquivos sonoros. Tudo isso facilitado por conexões infoeletrônicas e tecnologias móveis que desfazem barreiras geográficas e instituem formas mais ágeis de contato, entrosamento e articulação.
Tais projetos comunicacionais não se esgotam no plano informativo em sentido estrito e estabelecem vínculos com o ativismo contra-hegemônico, visto que esse tipo de elaboração informativa tem afinidades programáticas e entrecruzamentos com o conjunto mais amplo dos organismos reivindicantes da sociedade civil. Trata-se de transcender o âmbito comunicacional para associar-se a projetos de transformação da sociedade, o que só se revelará viável se os protagonistas envolvidos – os veículos e seus jornalistas e colaboradores – adotarem padrões informativos capazes de traduzir coerentemente os pressupostos editoriais.
Nessa vertente, as ações comunicacionais contra-hegemônicas atuam como ferramentas para a comunicação no campo popular, sem deixar de lado a militância social, ficando implícito que jornalistas e/ou comunicadores devem estar alinhados com forças sociais empenhadas nas batalhas pela democratização da palavra e da informação. A ampla variedade de iniciativas de comunicação alternativa em rede expressa a heterogeneidade de movimentos, organismos, grupos e coletivos provenientes de diferentes lugares e contextos, com singulares acumulações de experiências e leques de propósitos. Mas os participantes compõem, com ritmos e ênfases peculiares, o mesmo campo: o da oposição ao domínio dos conglomerados midiáticos e à mercantilização da vida e da informação. Repõem, ainda que com raio de abrangência muito inferior à dos meios massivos, a circulação social de conteúdos críticos, com o intuito de fecundar contrassentidos e reinterpretações de fatos e acontecimentos.
A despeito de tais potencialidades, cabe problematizar algumas questões. O aprofundamento da comunicação contra-hegemônica em rede vai depender de plataformas tecnológicas mais evoluídas, de maior compartilhamento de ações convergentes e de sustentabilidade econômica. São pilares de sustentação para que se possa diversificar e intensificar a distribuição e o intercâmbio de conteúdos em múltiplos e simultâneos pontos da rede.
Admitamos ser relativamente reduzida a ressonância da comunicação alternativa em rede no conjunto da sociedade. Seria o caso, desde logo, de perguntar: como concorrer com as infernais máquinas de produção simbólica que se fundamentam na alarmante concentração monopólica da mídia? De modo geral, a penetração dos meios contra-hegemônicos que vicejam na internet é expressiva em setores mais organizados, formadores de opinião e segmentos politizados. Prováveis motivos: inadequação de linguagens ou de formatos, discursos excessivamente ideológicos, baixa penetração da internet em zonas populacionais carentes, etc. Daí ser necessário debater, definir e tentar executar políticas de comunicação eletrônica mais eficientes e incisivas, com o aproveitamento de todos os meios e metodologias de divulgação disponíveis, como, por exemplo, boletins eletrônicos, eventos que atraiam a atenção de novas audiências, estratégias ousadas para redes sociais e maior integração das experiências dispersas ou concomitantes em plataformas comuns de difusão.
Outro obstáculo a superar é a infoexclusão de populações de baixa renda. O universo de usuários, por mais que venha aumentando exponencialmente, não corresponde à totalidade social, que é contraditória e desigual. Há grave assimetria entre o crescimento das fontes tecnológicas de informação e a capacidade de inclusão da base da sociedade nos novos cenários. A universalização dos acessos depende de políticas públicas que expandam os usos sociais, culturais, educativos e políticos das tecnologias; do desenvolvimento de infra-estruturas de rede em banda larga; de investimentos e fomentos públicos permanentes; do barateamento de custos teleinformáticos; de formação educacional condizente, entre outros quesitos.
Por fim, mesmo considerando promissor o alargamento dos espaços para a disseminação de informações veraz e plurais, em bases não mercantilizadas, seria uma ilusão crer que a internet possa suplantar o poderio midiático. É uma variante a mais na intrincada batalha das ideias na arena da comunicação. Sabemos que a rede não escapa de ambiguidades e ambivalências. Basta verificar os contrastes entre o ativismo anticapitalista, a explosão de blogs e páginas em redes sociais e a obsessão por ganhos dos mercados financeiros on line e do comércio eletrônico.
É importante realçar ainda que a valorização da comunicação alternativa em rede não significa, em absoluto, substituir o mundo vivido pela realidade virtual. Imaginar o contrário seria aceitar ou convalidar impulsos voluntaristas que subestimam mediações sociais e mecanismos consagrados de representação política. As mobilizações presenciais seguem sendo insubstituíveis, porém podem ser reforçadas pelas ferramentas virtuais, como parte da longa luta por direitos sociais, políticos e culturais da cidadania.
Notas:
Essa concepção põe em relevo a necessidade de se imprimir à produção jornalística uma direção antagônica à dos grupos midiáticos. O que significa assumir a opção preferencial pela difusão de informações e análises que contemplem temas de interesse coletivo e comunitário, numa perspectiva favorável à expressão de anseios geralmente subestimados ou interditados nas pautas e coberturas de veículos tradicionais.
Quatro características distinguem a comunicação alternativa em rede: a) compromisso com a universalização dos direitos humanos; b) não se impõem óticas interpretativas únicas na apreciação dos fatos e acontecimentos, rompendo com a cadeia de subordinação aos crivos ideológicos e idiossincrasias das corporações midiáticas; c) a dinâmica virtual estimula trocas e interações; d) seguem-se os princípios inclusivos da publicação aberta (leitores podem adicionar comentários, textos e fotos) e do copyleft (permissão para reproduzir informações, desde que citada a fonte e sem fins lucrativos, evitando as barreiras impostas pela propriedade intelectual).
Uma variedade imprevista de modos de criação e veiculação manifesta-se através da teia multimídia, permitindo transmissões autônomas de conteúdos em diferentes formatos e linguagens. Incluem-se aí projetos, experiências e veículos ligados a movimentos sociais, populares e comunitários, organizações políticas e grupos militantes que se dispõem ao enfrentamento do sistema capitalista e à construção de modelos de desenvolvimento inclusivos e socializantes. Portanto, não há caminhos únicos, e sim percursos a serem explorados conforme peculiaridades socioculturais, habilidades técnicas, especializações, focos variáveis e correlações de forças específicas. Para isso, os meios alternativos utilizam-se de redes sociais, blogs, listas de discussão e correio eletrônico para disseminação de ideias, convocatórias de eventos e campanhas, interações e permutas de dados, imagens e arquivos sonoros. Tudo isso facilitado por conexões infoeletrônicas e tecnologias móveis que desfazem barreiras geográficas e instituem formas mais ágeis de contato, entrosamento e articulação.
Tais projetos comunicacionais não se esgotam no plano informativo em sentido estrito e estabelecem vínculos com o ativismo contra-hegemônico, visto que esse tipo de elaboração informativa tem afinidades programáticas e entrecruzamentos com o conjunto mais amplo dos organismos reivindicantes da sociedade civil. Trata-se de transcender o âmbito comunicacional para associar-se a projetos de transformação da sociedade, o que só se revelará viável se os protagonistas envolvidos – os veículos e seus jornalistas e colaboradores – adotarem padrões informativos capazes de traduzir coerentemente os pressupostos editoriais.
Nessa vertente, as ações comunicacionais contra-hegemônicas atuam como ferramentas para a comunicação no campo popular, sem deixar de lado a militância social, ficando implícito que jornalistas e/ou comunicadores devem estar alinhados com forças sociais empenhadas nas batalhas pela democratização da palavra e da informação. A ampla variedade de iniciativas de comunicação alternativa em rede expressa a heterogeneidade de movimentos, organismos, grupos e coletivos provenientes de diferentes lugares e contextos, com singulares acumulações de experiências e leques de propósitos. Mas os participantes compõem, com ritmos e ênfases peculiares, o mesmo campo: o da oposição ao domínio dos conglomerados midiáticos e à mercantilização da vida e da informação. Repõem, ainda que com raio de abrangência muito inferior à dos meios massivos, a circulação social de conteúdos críticos, com o intuito de fecundar contrassentidos e reinterpretações de fatos e acontecimentos.
A despeito de tais potencialidades, cabe problematizar algumas questões. O aprofundamento da comunicação contra-hegemônica em rede vai depender de plataformas tecnológicas mais evoluídas, de maior compartilhamento de ações convergentes e de sustentabilidade econômica. São pilares de sustentação para que se possa diversificar e intensificar a distribuição e o intercâmbio de conteúdos em múltiplos e simultâneos pontos da rede.
Admitamos ser relativamente reduzida a ressonância da comunicação alternativa em rede no conjunto da sociedade. Seria o caso, desde logo, de perguntar: como concorrer com as infernais máquinas de produção simbólica que se fundamentam na alarmante concentração monopólica da mídia? De modo geral, a penetração dos meios contra-hegemônicos que vicejam na internet é expressiva em setores mais organizados, formadores de opinião e segmentos politizados. Prováveis motivos: inadequação de linguagens ou de formatos, discursos excessivamente ideológicos, baixa penetração da internet em zonas populacionais carentes, etc. Daí ser necessário debater, definir e tentar executar políticas de comunicação eletrônica mais eficientes e incisivas, com o aproveitamento de todos os meios e metodologias de divulgação disponíveis, como, por exemplo, boletins eletrônicos, eventos que atraiam a atenção de novas audiências, estratégias ousadas para redes sociais e maior integração das experiências dispersas ou concomitantes em plataformas comuns de difusão.
Outro obstáculo a superar é a infoexclusão de populações de baixa renda. O universo de usuários, por mais que venha aumentando exponencialmente, não corresponde à totalidade social, que é contraditória e desigual. Há grave assimetria entre o crescimento das fontes tecnológicas de informação e a capacidade de inclusão da base da sociedade nos novos cenários. A universalização dos acessos depende de políticas públicas que expandam os usos sociais, culturais, educativos e políticos das tecnologias; do desenvolvimento de infra-estruturas de rede em banda larga; de investimentos e fomentos públicos permanentes; do barateamento de custos teleinformáticos; de formação educacional condizente, entre outros quesitos.
Por fim, mesmo considerando promissor o alargamento dos espaços para a disseminação de informações veraz e plurais, em bases não mercantilizadas, seria uma ilusão crer que a internet possa suplantar o poderio midiático. É uma variante a mais na intrincada batalha das ideias na arena da comunicação. Sabemos que a rede não escapa de ambiguidades e ambivalências. Basta verificar os contrastes entre o ativismo anticapitalista, a explosão de blogs e páginas em redes sociais e a obsessão por ganhos dos mercados financeiros on line e do comércio eletrônico.
É importante realçar ainda que a valorização da comunicação alternativa em rede não significa, em absoluto, substituir o mundo vivido pela realidade virtual. Imaginar o contrário seria aceitar ou convalidar impulsos voluntaristas que subestimam mediações sociais e mecanismos consagrados de representação política. As mobilizações presenciais seguem sendo insubstituíveis, porém podem ser reforçadas pelas ferramentas virtuais, como parte da longa luta por direitos sociais, políticos e culturais da cidadania.
Notas:
[1] Este texto baseia-se em reflexões que desenvolvo no meu livro Mídia, poder e contrapoder, a ser lançado brevemente pela Boitempo Editorial.
[2] A versão eletrônica (ebook) de O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos, de Dênis de Moraes, já está disponível por metade do preço do impresso na Gato Sabido e na Livraria da Travessa!
* Dênis de Moraes é professor associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da UFF e pesquisador do CNPq e da FAPERJ. Autor de mais de 20 livros publicados no Brasil, na Espanha, na Argentina e em Cuba, entre os quais Vozes abertas da América Latina (2011), La cruzada de los medios en América Latina (2011), Mutaciones de lo visible: comunicación y procesos culturales en la era digital (2010), A batalha da mídia (2009). Em abril próximo, a Boitempo publicará seu novo livro, Mídia, poder e contrapoder: da concentração monopólica à democratização da informação, em parceria com Ignacio Ramonet e Pascual Serrano.
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