Por Leonardo Sakamoto, em seu blog:
Quem diz que um jornalista não deve se envolver demais com um caso para evitar que sentimentos pessoais contaminem o seu trabalho é porque nunca fez reportagem ou cobertura longas, daquelas que a gente se entrega por inteiro. E, por isso, não consegue entender que é exatamente esse envolvimento que leva a carregar o tema pelo tempo que for. A Chacina de Unaí, no Noroeste mineiro, é um desses casos. Pelo que foi, pelo que representa.
Desde aquele infame 28 de janeiro de 2004, muitos jornalistas acompanharam de perto os desdobramentos do assassinato de quatro funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego durante uma fiscalização rural de rotina na região de Unaí. O motorista Aílton Pereira de Oliveira, mesmo baleado, conseguiu fugir do local com o carro e chegar à estrada principal, onde foi socorrido. Levado até o Hospital de Base de Brasília, Oliveira não resistiu e faleceu no início da tarde. Antes de morrer, descreveu uma emboscada: um automóvel teria parado o carro da equipe e homens fortemente armados teriam descido e fuzilado os fiscais. Erastótenes de Almeida Gonçalves, Nelson José da Silva e João Batista Soares Lages morreram na hora. O caso ganhou repercussão nacional e internacional.
Ao longo desta semana, três pistoleiros contratados para a matança foram julgados e, na madrugada deste sábado (31), considerados culpados pelo júri popular em Belo Horizonte.
De acordo com Stefano Wrobleski, da Repórter Brasil, que não arredou pé do julgamento, Erinaldo de Vasconcelos Silva (que havia admitido participação nos assassinatos), Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda foram condenados a 76 anos e 20 dias, 94 anos e 56 anos de prisão, respectivamente. Eles podem recorrer da sentença, mas não em liberdade.
Os irmãos Norberto e Antério Mânica, família que é uma das maiores produtoras de feijão do país, são apontados como mandantes. Queriam ser julgados antes dos demais. Dessa forma, o conteúdo dos julgamentos não poderia ser usado contra eles. Durante nove anos, tudo foi protelado. O que me faz lembrar uma velha máxima: a velocidade de funcionamento de grande parte do sistema judiciário normalmente depende de quem é o réu/acusador. Se for rico, será rápido (se ele quiser que seja rápido) ou lento (se quiser que seja lento) e será julgado conforme suas conveniências, antes ou depois dos demais acusados (se assim for melhor para sua defesa). Se for pobre, a Justiça faz o caminho inverso.
A motivação do crime teria sido o incômodo provocado pelas multas milionárias impostas pelos auditores aos fazendeiros. Após a chacina, Antério foi eleito (em 2004, com 72,37% dos votos válidos pelo PSDB) e reeleito (2008) prefeito de Unaí. Em novembro de 2008, foi um condecorados com a Medalha da Ordem do Mérito Legislativo, em cerimônia promovida pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais.
Também foram envolvidos o contratante dos matadores, Francisco Élder Pinheiro (conhecido como “Chico Pinheiro”, já falecido) e os supostos intermediários Humberto Ribeiro dos Santos, Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro.
A comoção pública por conta da Chacina de Unaí levou à aprovação em primeiro turno da Proposta de Emenda Constitucional que prevê o confisco de propriedades flagradas com escravos e sua destinação à reforma agrária ou ao uso social urbano na Câmara dos Deputados, em 2004. A PEC, aprovada em segundo turno apenas no ano passado, voltou para o Senado. Em 2009, o 28 de janeiro se tornou oficialmente o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Durante uma semana, eventos sobre o tema são realizados em todo o país com o objetivo de que a chacina não fique impune e para sensibilizar pela erradicar a escravidão contemporânea.
Os outros réus têm julgamento marcado para 17 de setembro, inclusive Norberto. Já o júri de Antério não tem data definida.
Sinto certo alívio ao ver as primeiras condenações relacionadas ao crime saírem. Mas sei que botar pobre na cadeia é fácil, isso o Brasil faz bem. Então, creio que falo por muitos colegas que também acompanham o caso nos últimos anos, quando digo que um desfecho decente se faz necessário. Condenação e efetiva punição, de acordo com a lei.
Não apenas para fazer Justiça pela morte de quatro pessoas. Mas porque a impunidade dos assassinos de quem zela pelas condições de vida dos trabalhadores do campo, impedindo que a exploração do elo econômico mais fraco se justifique em nome do progresso, diz mais sobre um país do que o tamanho de seu PIB ou a quantidade de Copas do Mundo que possui.
Resolver de vez Unaí é imprescindível. Para entender o que somos. E o que podemos vir a ser.
Desde aquele infame 28 de janeiro de 2004, muitos jornalistas acompanharam de perto os desdobramentos do assassinato de quatro funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego durante uma fiscalização rural de rotina na região de Unaí. O motorista Aílton Pereira de Oliveira, mesmo baleado, conseguiu fugir do local com o carro e chegar à estrada principal, onde foi socorrido. Levado até o Hospital de Base de Brasília, Oliveira não resistiu e faleceu no início da tarde. Antes de morrer, descreveu uma emboscada: um automóvel teria parado o carro da equipe e homens fortemente armados teriam descido e fuzilado os fiscais. Erastótenes de Almeida Gonçalves, Nelson José da Silva e João Batista Soares Lages morreram na hora. O caso ganhou repercussão nacional e internacional.
Ao longo desta semana, três pistoleiros contratados para a matança foram julgados e, na madrugada deste sábado (31), considerados culpados pelo júri popular em Belo Horizonte.
De acordo com Stefano Wrobleski, da Repórter Brasil, que não arredou pé do julgamento, Erinaldo de Vasconcelos Silva (que havia admitido participação nos assassinatos), Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda foram condenados a 76 anos e 20 dias, 94 anos e 56 anos de prisão, respectivamente. Eles podem recorrer da sentença, mas não em liberdade.
Os irmãos Norberto e Antério Mânica, família que é uma das maiores produtoras de feijão do país, são apontados como mandantes. Queriam ser julgados antes dos demais. Dessa forma, o conteúdo dos julgamentos não poderia ser usado contra eles. Durante nove anos, tudo foi protelado. O que me faz lembrar uma velha máxima: a velocidade de funcionamento de grande parte do sistema judiciário normalmente depende de quem é o réu/acusador. Se for rico, será rápido (se ele quiser que seja rápido) ou lento (se quiser que seja lento) e será julgado conforme suas conveniências, antes ou depois dos demais acusados (se assim for melhor para sua defesa). Se for pobre, a Justiça faz o caminho inverso.
A motivação do crime teria sido o incômodo provocado pelas multas milionárias impostas pelos auditores aos fazendeiros. Após a chacina, Antério foi eleito (em 2004, com 72,37% dos votos válidos pelo PSDB) e reeleito (2008) prefeito de Unaí. Em novembro de 2008, foi um condecorados com a Medalha da Ordem do Mérito Legislativo, em cerimônia promovida pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais.
Também foram envolvidos o contratante dos matadores, Francisco Élder Pinheiro (conhecido como “Chico Pinheiro”, já falecido) e os supostos intermediários Humberto Ribeiro dos Santos, Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro.
A comoção pública por conta da Chacina de Unaí levou à aprovação em primeiro turno da Proposta de Emenda Constitucional que prevê o confisco de propriedades flagradas com escravos e sua destinação à reforma agrária ou ao uso social urbano na Câmara dos Deputados, em 2004. A PEC, aprovada em segundo turno apenas no ano passado, voltou para o Senado. Em 2009, o 28 de janeiro se tornou oficialmente o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Durante uma semana, eventos sobre o tema são realizados em todo o país com o objetivo de que a chacina não fique impune e para sensibilizar pela erradicar a escravidão contemporânea.
Os outros réus têm julgamento marcado para 17 de setembro, inclusive Norberto. Já o júri de Antério não tem data definida.
Sinto certo alívio ao ver as primeiras condenações relacionadas ao crime saírem. Mas sei que botar pobre na cadeia é fácil, isso o Brasil faz bem. Então, creio que falo por muitos colegas que também acompanham o caso nos últimos anos, quando digo que um desfecho decente se faz necessário. Condenação e efetiva punição, de acordo com a lei.
Não apenas para fazer Justiça pela morte de quatro pessoas. Mas porque a impunidade dos assassinos de quem zela pelas condições de vida dos trabalhadores do campo, impedindo que a exploração do elo econômico mais fraco se justifique em nome do progresso, diz mais sobre um país do que o tamanho de seu PIB ou a quantidade de Copas do Mundo que possui.
Resolver de vez Unaí é imprescindível. Para entender o que somos. E o que podemos vir a ser.
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