quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Ruas exigem avanços no Brasil [3]

Foto: RodrigoDacioli
Por Altamiro Borges

Todos estes avanços, porém, mostram-se ainda insuficientes. A “jornada de junho” comprova que a sociedade brasileira quer mais, que almeja mudanças mais profundas. Ainda persistem enormes gargalos no Brasil, que se mantém como uma nação extremamente injusta. As mudanças efetuadas nos governos Lula e Dilma não mexeram com os graves problemas estruturais do país. O chamado lulismo optou pela via da conciliação de classes, que melhora lentamente a distribuição de renda sem enfrentar os interesses da minoria de rentistas e ricaços. Como não dá para fazer omelete sem quebrar ovos, as mudanças são lentas e tímidas.

As reformas estruturais que o país exige não saem do papel. A reforma agrária empacou nos últimos anos, perpetuando a absurda concentração de terra em que 1% dos latifundiários detém mais de 50% das áreas agricultáveis do imenso território nacional. A reforma urbana, que combata a especulação imobiliária e garanta serviços de melhor qualidade nas áreas da saúde, educação e mobilidade, foi a principal demanda dos protestos de rua. Já a reforma tributária esbarra nos interesses dos bilionários, que pagam proporcionalmente menos impostos que os assalariados, são isentos de inúmeros impostos (como na aquisição de jatinhos e iates de luxo) e ainda remetem ilegalmente divisas para os paraísos fiscais no exterior.

No campo político, os problemas brasileiros também vão se acumulando. A reforma política não avança no fisiológico Congresso Nacional e agrava as distorções da democracia nativa, que é refém das contribuições interesseiras das grandes corporações empresariais e que se afasta cada vez mais da sociedade. Já a reforma do Judiciário nem é pautada, o que reforça o poder hermético, elitista e corrompido da Justiça brasileira. O governo federal também não demonstra qualquer interesse em enfrentar a ditadura midiática, que manipula as informações e deforma os comportamentos, evitando a discussão sobre urgente reforma dos meios de comunicação. Sem reformas estruturais, o Brasil corre o sério risco de graves retrocessos no futuro próximo. Nem as tímidas mudanças efetuadas nos últimos dez anos estariam garantidas.

Além de não enfrentar os crônicos problemas estruturais, os governos Lula e Dilma também revelaram timidez diante das questões mais imediatas. O tripé neoliberal da política macroeconômica herdada do reinado de FHC – baseado no arrocho monetário (juros elevados), aperto fiscal (superávit primário) e libertinagem financeira (câmbio flutuante) – ainda continua de pé. No início do seu mandato, a presidenta Dilma até foi mais ousada do que Lula no enfrentamento destes entraves. O Banco Central reduziu a taxa básica de juros (Selic) e o governo abrandou a austeridade fiscal e adotou medidas contra a especulação do dólar.

Diante do agravamento da crise mundial e da pressão dos banqueiros e da sua mídia rentista, porém, ela voltou atrás. Pela quarta vez seguida, o Banco Central elevou os juros em agosto passado e sinalizou com novos aumentos até o fim de 2013. Entre outros efeitos nocivos, esta política ortodoxa barrou o desenvolvimento econômico do país – em 2012 o PIB teve um crescimento medíocre de 0,9%, o que reduziu o ritmo de geração de empregos e conteve o aumento da renda dos assalariados.

Para piorar, a manutenção deste tripé neoliberal, mesmo que nuançado, gera graves problemas para a economia nacional nas próximas décadas. O processo de desnacionalização e desindustrialização já dá sinais de alerta. No ano passado, 296 empresas brasileiras foram adquiridas por multinacionais – em 2011, foram 208; e em 2010, outras 175. As operações de fusões e aquisições traduzem um processo de concentração e centralização do capital altamente nocivo para o país. Elas travam o desenvolvimento tecnológico, já que as matrizes no exterior não tem qualquer interesse na autonomia da nação; estimulam a desindustrialização, já que as multinacionais priorizam a compra de componentes e bens intermediários de seus países de origem; e ampliam a remessa de lucros para o exterior.

De 2004 a 2011, estas remessas cresceram mais de cinco vezes, acumulando um rombo de US$ 404 bilhões nas contas externas. O governo Dilma até tem adotado medidas para conter a sangria das nossas riquezas e para estancar o processo de desindustrialização. Porém, elas se mostram insuficientes e altamente perigosas. A desoneração da folha de pagamento, que visa estimular a produção nacional, abala a arrecadação da União, com impactos diretos na Previdência Social.

A ausência de reformas estruturais e a manutenção do tripé neoliberal na política macroeconômica ajudam a explicar a explosão de revolta nos recentes protestos de rua. As pesquisas de opinião pública indicam que a maioria da sociedade apoia a mudanças promovidas nos últimos dez anos, que não aceita o retorno dos demotucanos com o seu receituário destrutivo e regressivo. Mas elas também confirmam que os brasileiros querem avançar ainda mais nas mudanças. Não basta o que foi conquistado; é urgente dar novos passos para conquista de um Brasil justo, democrático e soberano.

Na “jornada de junho” os manifestantes exigiram maior presença do Estado e mais bem-estar social – num movimento que reforça o ideário socialista de mais justiça e democracia real. As forças conservadores tentaram capturar os sentimentos expressos nas ruas para desviá-los para as suas pautas retrógradas. Os protestos evidenciaram que ainda é baixo o nível de consciência de amplos setores do povo. Esta é outra grave limitação do chamado “lulismo”, que não apostou na politização da sociedade e na luta de ideias contra as forças reacionárias. A mídia patronal ainda possui forte poder para manipular e agendar os anseios populares. O neoliberalismo foi derrotado nas últimas três eleições presidenciais, mas ainda goza de influência no imaginário social.

Este contexto, a exemplo do que ocorre no mundo, é que cria um cenário de incertezas sobre o futuro do Brasil. Mais do que nunca é preciso reforçar a pressão por mudanças estruturais no país e investir na elevação do nível de consciência política dos trabalhadores. O sindicalismo brasileiro precisa adotar uma postura ainda mais protagonista neste processo. Do contrário, os avanços conquistados nos últimos dez anos poderão sofrer abalos e retrocessos. O futuro do Brasil depende de uma ação ainda mais ativa e combativa do movimento sindical.

* Texto elaborado para o congresso do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo (Sintaema).

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Leia também:

- A crise capitalista e os trabalhadores [1]

- A crise capitalista e os trabalhadores [2]

- A crise capitalista e os trabalhadores [3]

- Ruas exigem avanços no Brasil [1]

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2 comentários:

Pedro disse...

Sempre disse desde que as manifestacoes começaram, que só sair na rua gritar nao adianta nada...o nosso poder está nas urnas, mas sem gente decente para votarmos vamos continuar na mesma m...

https://mozartfaggi.blogspot.com disse...

Eu acho que dessa vez o cidadão aprendeu que deve pesquisar os seus candidatos e quando eleitos, mesmo não sendo a quem você votou, fiscalize, cobre de perto, procure meios menos burocráticos para chegar a ter seu voto valorizado. Muitas cidades aderiram o Voto Consciênte, veja também o que esta ferramenta pode lhe trazer! Mozart Faggi/musico/cicloativista/cicloturista/bonsaista