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Se você ainda não leu o artigo “Elites decadentes ameaçam o futuro” dê um jeito de encontrar e ler.
Saiu uma tradução no Valor, anteontem. É uma análise imperdível do mundo global, em especial da Europa, mas tem uma relação óbvia com o Brasil.
Martin Wolf, principal colunista do Financial Times, é um observador de tendências conservadoras, mas não perdeu a capacidade de olhar para o mundo. Enxerga a realidade para além de suas convicções e pressupostos. Admite o acaso, o inesperado, o erro. Quer a prova dos fatos.
Sua visão da Europa hoje é simples. Incapazes de compreender os desafios e problemas do capitalismo em sua fase financeira global, as elites europeias colhem o preço de um fracasso histórico, para o qual não têm resposta, até porque estão descoladas das sociedades que deveriam governar. Seu destino não depende mais do destino do cidadão comum, o que esvazia a cidadania e a democracia. Wolf fala de um continente governado por autoridades não eleitas, como os burocratas do Banco Central Europeu, o FMI, ao lado de uma superpotência que fala em nome de uma população entre muitas outras, a Alemanha.
O preço dessa situação é o nascimento de um “populismo de direita, “que destrói tudo o que encontra pela frente – inclusive instituições democráticas. Ele diz:
“Se as elites continuarem falhando, vamos continuar vendo a ascensão de populistas furiosos. As elites precisam fazer melhor. Se não fizerem, a fúria pode subjugar a todos nós.”
Mas vamos começar pelo começo.
Falando do papel das elites no mundo moderno, Wolf explica:
“sociedades complexas dependem de suas elites para avançar, se não da forma correta, pelo menos de uma forma que não seja grotesca. Quando as elites falham, o mais provável é que as ordens políticas desmoronem,” diz ele, acrescentando:
“os resultados sombrios das falhas das elites não são surpreendentes. Existe um acordo implícito entre a elite e a população: uma ganha privilégios e lucros a partir de seu poder e propriedades; o povo, em troca, ganha segurança e, nos tempos modernos, certa dose de prosperidade. Quando as elites fracassam, correm o risco de ser substituídas. A substituição de elites fracassadas em termos econômicos, burocráticos e intelectuais, é sempre tensa. Mas, em uma democracia, a troca das elites políticas, pelo menos, é rápida e limpa. No despotismo, normalmente é lenta e quase sempre sangrenta.”
Wolf escreveu seu texto como uma reflexão sobre o mundo da Primeira Guerra mundial mas é óbvio que, como ele mesmo diz, suas conclusão tem valor no mundo de hoje. A diferença é que, se no passado a Europa teve uma guerra más administrada, hoje para o preço de uma “paz má administrada.” Ele explica este fracasso, consumado no colapso de 2008, que jogou o Velho Mundo e boa parte das grandes economias num pântano que oferece poucas saídas. Wolf fala de “três fracassos visíveis” da elite contemporânea:
a) ela não enxergou o alcance da liberalização financeira, acreditou demais na fantasia da “auto estabilização do mercados”; quando veio uma inevitável quebra sistêmica, as economias desabaram, o desemprego explodiu; a elite financeira teve de ser resgatada, o que a deixou desacreditada;
b) assistimos em 30 anos a emergência de uma elite financeira e econômica globalizada; seus problemas se tornaram cada vez mais descolados de seus respectivos países; a cidadania se enfraqueceu e a má distribuição de riquezas ampliou o enfraquecimento das democracias. Ele diz: “Certo grau de plutocracia é inevitável em democracias construídas com base em economias de mercado. Mas é sempre uma questão de que grau. Se a massa de pessoas achar que sua elite econômica é recompensada ricamente por um desempenho medíocre e que tem interesse apenas em si mesma, e, ainda assim, espera ser socorrida quando a situação vai mal, os laços se partem. Podemos estar no começo desse processo de decomposição de longo prazo.”
c) com a criação do euro, que retirou da população de cada país o direito de administrar seu dinheiro, criou-se uma desordem constitucional, além de problemas econômicos e sociais conhecidos. “Nos países do euro, o poder agora está concentrado nas mãos dos governos de países credores, principalmente a Alemanha, e de um trio de órgãos burocráticos não eleitos - a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional (FMI). As pessoas afetadas negativamente não têm influência sobre eles. Os políticos que prestam contas a essas pessoas veem-se impotentes. Esse divórcio, entre quem presta contas e quem tem o poder, age contra o cerne de qualquer noção de governança democrática. A crise da região do euro não é apenas econômica. Também é constitucional.”
“O resultado é o nascimento de um populismo furioso ao longo do Ocidente, em sua maior parte um populismo xenófobo da direita. A característica dos populistas de direita é que saem derrubando o que veem pela frente. “
É uma analise pertinente. Após o fracasso de uma elite que aplicou um programa conjunto de liberalização econômica e revogação de direitos democráticos, restou uma plataforma demagógica, que ameaça “derrubar o que vê pela frente.”
Nem é preciso exagerar os riscos dessa situação.
Pergunto se essa situação guarda alguma analogia com o Brasil. A resposta é não e sim.
Entramos em 2014 diante de manifestações crescentes de um populismo de direita – não gosto de usar a palavra “populismo” mas está no contexto do Martin Wolf. Sua base é o discurso contra o Estado, visto como sinônimo de incompetência e de corrução, e a denuncia criminal da política, apontada um negócio sujo e interesseiro. O que se quer é impedir a construção de um padrão mínimo de bem-estar social, esforço que ganha um reforço maior no renascimento da eterna campanha contra o salario mínimo.
O Brasil não assiste, porém, apenas à manifestação de uma elite fracassada.
Assiste a um esforço de substituição – lenta, pacífica, mas real -- de uma antiga elite política por outra. É difícil negar que a chegada do governo Lula ao Planalto, em 2003, abriu a possibilidade de uma mudança desse tipo. Há continuidade, como sempre se notou, mas também há mudança. Não são as mesmas pessoas que governam o país nem são as mesmas prioridades que estão representados à frente do Estado. Não é uma troca de gerações nem uma guerrinha de facções que nossa política conhece desde o império.
Temos um governo que mantém uma postura de resistência contra medidas de austeridade que sempre fizeram parte da agenda conservadora e poderiam comprometer o crescimento, a manutenção do emprego e a distribuição da renda.
E é este o ponto em debate em 2014, quando este condomínio Lula-Dilma tentará uma quarta eleição consecutiva. Se for vitorioso, serão 16 anos no governo. Os democratas americanos tiveram 20 anos, na época de Roosevelt.
E é o esforço de restauração de sua antiga posição e de suas prerrogativas que leva nossa antiga elite, que nunca deu ao país um padrão de desenvolvimento europeu, a buscar inspiração na demagogia o Velho Mundo. De seu ponto de vista, a eleição de 2014 também terá uma dimensão histórica.
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