Por Federico Mastrogiovanni, no sítio Opera Mundi:
No Palácio de Bellas Artes, na Cidade do México, o teatro vai se enchendo para a última função de A Flauta Mágica, de Wolfgang Amadeus Mozart. Uma família espera na fila quando o responsável pela sala os interpela a poucos metros da entrada. O motivo? O filho do casal, de três anos, é “pequeno demais” para estar ali. A poucos metros, na escada do palácio, uma indígena vende cigarros e chicletes. O filho dela, também de cerca de três anos, está com as mãos cheias de doces. Um policial se aproxima dele, compra chicletes, paga e se afasta.
Naquela tarde, no México, ficou a mensagem que, enquanto uma criança não pode assistir um concerto de ópera, outra pode trabalhar. Esse exemplo, em comparação com a situação vivida por menores de idade no país, porém, parece pequeno. Recentemente divulgados, os dados sobre a violação sistemática dos direitos das crianças no México são aterradores.
Segundo pesquisa da REDIM (Rede por Direitos da Infância no México), pelo menos uma em cada três pessoas do país tem menos de 18 anos – 40 milhões de pessoas ou 35,7% da população total. Desse montante, 53%, ou 22 milhões, vivem em situação de pobreza e 12%, ou seja, 4,7 milhões de crianças, vivem em situação de pobreza extrema. Isso quer dizer que, em vez de três refeições ao dia, fazem duas.
Há um dado pior: oito em cada 10 crianças indígenas são pobres. Trata-se do que Juan Martin Pérez García, diretor executivo da Rede pelos Direitos da Infância no México, chama de “exclusões acumuladas”. “Ser menor de idade já é uma condição de exclusão nesse país. Ser indígena, mais e mulher, pior ainda”, afirmou a Opera Mundi.
Segundo ele, essas “exclusões acumuladas” revelam como “a ideia de um México para todos e todas não é real”. Pérez comenta que a representação do nacionalismo mexicano segundo o qual “todo indígena pode ser como Benito Juárez [indígena que se tornou presidente do México] é uma enorme mentira”, alertando que não há praticamente mobilidade social” no país. “Se você vem de um setor economicamente precário, está fora dessas relações, ainda que seja graduado.”
E mesmo tendo acesso à escola, as notícias para as crianças não são melhores. Segundo organizações que se dedicam a proteger os direitos da infância, o sistema é precário, pois “não ensina as crianças a raciocinarem, mas as prepara para serem consumistas e 'maria-vai-com-as-outras'”, diz, sem cerimônias, a professora Teresa Ulloa Ziaurriz, diretora da Coalizão Regional contra o Tráfico de Mulheres e Meninas da América Latina e do Caribe (CATWLAC, por sua sigla em inglês).
Os direitos da infância se limitam, em muitos casos, ao acesso ao consumo e à escolarização dirigida para a obediência. De acordo com Juan Martín Pérez Garcia, as crianças não são incluídas mesmo quando as decisões têm a ver com eles. Ele cita a reforma educativa federal, que cria comitês escolares. Neles, pais, professores, corpo diretivo e ex-alunos, participam – exceto os próprios estudantes.
“As crianças continuam sendo vistas como objetos de proteção e não como cidadãos com direitos. Onde há menos democracia é na escola. É um espaço vertical e autoritário, onde se vive essa cultura de dominação, verticalidade e ausência de direitos”, afirma Pérez. Como diria o famoso pedagogo brasileiro Paulo Freire, está sendo construído no México um modelo bancário de ensino, ou seja, que acumula conteúdo, mas não constrói cidadania.
Violência
Essa constatação fica ainda mais complexa quando a questão da violência é levada em conta. Em um estudo do Instituto de Investigação Educativa, de 2010, é mostrada uma relação direta entre a violência escolar e a violência fora dos estabelecimentos educativos. A saída fácil e da moda é falar de bullying e desenvolver leis, o que, porém, oculta a violência institucional.
“Por outro lado”, ressalta Juan Martin Pérez García, “ninguém está conversando sobre a violência dos últimos 10 anos no país com as crianças”, que ficam sabendo a todo momento de “decapitações, mutilações, têm familiares assassinados, são parte, elas mesmas, de muitos desses acontecimentos violentos”, porém, “não têm canais para poder entendê-los”. Daí, sublinha, “começam a reproduzir padrões de violência porque entendem que a violência é um código com o qual se resolvem os problemas”.
“A prova de como o sistema mexicano está falhando, e não apenas o educativo, é ver uma mãe protestando por fecharem um bar onde sua filha de 14 anos se prostituía, porque dessa forma ela deixa de trazer dinheiro pra casa. Quantas oportunidades de desenvolvimento digno estamos oferecendo a essas criaturas para que tenham de chegar aos 14 anos trabalhando em um bar?”, pergunta a professora Teresa Ulloa.
No Palácio de Bellas Artes, na Cidade do México, o teatro vai se enchendo para a última função de A Flauta Mágica, de Wolfgang Amadeus Mozart. Uma família espera na fila quando o responsável pela sala os interpela a poucos metros da entrada. O motivo? O filho do casal, de três anos, é “pequeno demais” para estar ali. A poucos metros, na escada do palácio, uma indígena vende cigarros e chicletes. O filho dela, também de cerca de três anos, está com as mãos cheias de doces. Um policial se aproxima dele, compra chicletes, paga e se afasta.
Naquela tarde, no México, ficou a mensagem que, enquanto uma criança não pode assistir um concerto de ópera, outra pode trabalhar. Esse exemplo, em comparação com a situação vivida por menores de idade no país, porém, parece pequeno. Recentemente divulgados, os dados sobre a violação sistemática dos direitos das crianças no México são aterradores.
Segundo pesquisa da REDIM (Rede por Direitos da Infância no México), pelo menos uma em cada três pessoas do país tem menos de 18 anos – 40 milhões de pessoas ou 35,7% da população total. Desse montante, 53%, ou 22 milhões, vivem em situação de pobreza e 12%, ou seja, 4,7 milhões de crianças, vivem em situação de pobreza extrema. Isso quer dizer que, em vez de três refeições ao dia, fazem duas.
Há um dado pior: oito em cada 10 crianças indígenas são pobres. Trata-se do que Juan Martin Pérez García, diretor executivo da Rede pelos Direitos da Infância no México, chama de “exclusões acumuladas”. “Ser menor de idade já é uma condição de exclusão nesse país. Ser indígena, mais e mulher, pior ainda”, afirmou a Opera Mundi.
Segundo ele, essas “exclusões acumuladas” revelam como “a ideia de um México para todos e todas não é real”. Pérez comenta que a representação do nacionalismo mexicano segundo o qual “todo indígena pode ser como Benito Juárez [indígena que se tornou presidente do México] é uma enorme mentira”, alertando que não há praticamente mobilidade social” no país. “Se você vem de um setor economicamente precário, está fora dessas relações, ainda que seja graduado.”
E mesmo tendo acesso à escola, as notícias para as crianças não são melhores. Segundo organizações que se dedicam a proteger os direitos da infância, o sistema é precário, pois “não ensina as crianças a raciocinarem, mas as prepara para serem consumistas e 'maria-vai-com-as-outras'”, diz, sem cerimônias, a professora Teresa Ulloa Ziaurriz, diretora da Coalizão Regional contra o Tráfico de Mulheres e Meninas da América Latina e do Caribe (CATWLAC, por sua sigla em inglês).
Os direitos da infância se limitam, em muitos casos, ao acesso ao consumo e à escolarização dirigida para a obediência. De acordo com Juan Martín Pérez Garcia, as crianças não são incluídas mesmo quando as decisões têm a ver com eles. Ele cita a reforma educativa federal, que cria comitês escolares. Neles, pais, professores, corpo diretivo e ex-alunos, participam – exceto os próprios estudantes.
“As crianças continuam sendo vistas como objetos de proteção e não como cidadãos com direitos. Onde há menos democracia é na escola. É um espaço vertical e autoritário, onde se vive essa cultura de dominação, verticalidade e ausência de direitos”, afirma Pérez. Como diria o famoso pedagogo brasileiro Paulo Freire, está sendo construído no México um modelo bancário de ensino, ou seja, que acumula conteúdo, mas não constrói cidadania.
Violência
Essa constatação fica ainda mais complexa quando a questão da violência é levada em conta. Em um estudo do Instituto de Investigação Educativa, de 2010, é mostrada uma relação direta entre a violência escolar e a violência fora dos estabelecimentos educativos. A saída fácil e da moda é falar de bullying e desenvolver leis, o que, porém, oculta a violência institucional.
“Por outro lado”, ressalta Juan Martin Pérez García, “ninguém está conversando sobre a violência dos últimos 10 anos no país com as crianças”, que ficam sabendo a todo momento de “decapitações, mutilações, têm familiares assassinados, são parte, elas mesmas, de muitos desses acontecimentos violentos”, porém, “não têm canais para poder entendê-los”. Daí, sublinha, “começam a reproduzir padrões de violência porque entendem que a violência é um código com o qual se resolvem os problemas”.
“A prova de como o sistema mexicano está falhando, e não apenas o educativo, é ver uma mãe protestando por fecharem um bar onde sua filha de 14 anos se prostituía, porque dessa forma ela deixa de trazer dinheiro pra casa. Quantas oportunidades de desenvolvimento digno estamos oferecendo a essas criaturas para que tenham de chegar aos 14 anos trabalhando em um bar?”, pergunta a professora Teresa Ulloa.
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