Por Kiko Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:
O gênio de Mario Filho, o maior cronista esportivo do país, produziu em 1947 um clássico chamado “O Negro no Futebol Brasileiro”. Eu já mencionei o livro aqui.
Mario fala da ascensão dos atletas negros, de como eles transformaram o esporte, de como os times, notadamente os cariocas, foram aos poucos tendo de se render ao fato de que aqueles meninos pobres eram melhores que os meninos ricos.
Na edição de 1964, ele acrescentou dois capítulos e num deles cometeu um erro de avaliação - que pode ser creditado ao seu romantismo.
Escreve Mario sobre Pelé: “Dondinho era preto, preta dona Celeste, preta vovó Ambrosina, preto o tio Jorge, pretos Zoca e Maria Lúcia. Como se envergonhar da cor dos pais, da avó que lhe ensinara a rezar, do bom tio Jorge que pegava o ordenado e entregava-o à irmã para inteirar as despesas da casa, dos irmãos que tinha de proteger? A cor dele era igual. Tinha de ser preto. Se não fosse preto não seria Pelé”.
Prossegue: “Se era ‘Rei’, o que eram aqueles pretos admiráveis que o formaram, que o modelaram, que só lhe ensinaram o que era bom? Para isso, ele tinha de ser o que era: um preto. O Preto. O Crioulo”.
Cinquenta anos depois, o apelido Crioulo caiu em desuso e Pelé está calado, e provavelmente continuará assim, diante dos casos de racismo cada vez mais frequentes e absurdos. Torcedores do Mogi Mirim chamaram Arouca, do Santos, de macaco e o mandaram procurar uma “seleção africana para jogar”.
Tinga, do Cruzeiro, ouviu a torcida peruana do Real Garcilaso gritar a mesma ofensa — algo que já ocorrera com ele numa partida do Brasileirão contra o Juventude, em Caxias do Sul, quando atuava pelo Internacional. O árbitro Márcio Chagas da Silva não apenas foi xingado como encontrou bananas espalhadas sobre seu carro na saída de uma partida. O goleiro Felipe, quando no Corinthians, passou por situação do mesmo teor contra o Juventude. Zé Roberto, do Inter, também, num Gre-Nal.
Esses são apenas os casos que tiveram repercussão. A punição, quando há, é irrelevante. O clube paga uma multa e perde dois mandos de campo, se tanto, e vida que segue. Não é muito diferente no exterior, por orientação do presidente da Fifa, Sepp Blatter. O show tem de continuar.
Numa nota, Arouca lamentou: “Como se algumas das páginas mais bonitas da história da nossa seleção não tivessem sido escritas por jogadores como Leônidas, Romário e pelo Rei Pelé, também negros”.
E Pelé? Na idealização de Mario Filho, ele tem orgulho de sua cor e seu exemplo seria suficiente para que o racismo no futebol fosse mitigado. Mas ele é, na verdade, o oposto disso, a face da acomodação.
Não se posiciona, não defende ninguém ou nenhuma causa que não seja a própria, não enfrenta nada, não quer se indispor com quem ele sabe que manda no futebol — aqueles que mandavam no tempo de Mario Filho.
Não que tenha sido poupado na carreira. Pelé já relembrou episódios em que os membros da equipe do Santos foram chamados de “macaquitos” na Argentina e de como “ia lá e arrebentava os adversários” quando escutava coisas que “o chateavam”. Há três anos, porém, afirmou que casos de racismo no futebol eram “coisinhas”.
A democracia racial brasileira é uma peça de ficção e Pelé, de certo modo, também. Mario Filho fala de Robson, do Fluminense, que nos anos 50 deu uma declaração que caberia perfeitamente, hoje, na boca do Rei: “Eu já fui preto e sei o que é isso”.
O gênio de Mario Filho, o maior cronista esportivo do país, produziu em 1947 um clássico chamado “O Negro no Futebol Brasileiro”. Eu já mencionei o livro aqui.
Mario fala da ascensão dos atletas negros, de como eles transformaram o esporte, de como os times, notadamente os cariocas, foram aos poucos tendo de se render ao fato de que aqueles meninos pobres eram melhores que os meninos ricos.
Na edição de 1964, ele acrescentou dois capítulos e num deles cometeu um erro de avaliação - que pode ser creditado ao seu romantismo.
Escreve Mario sobre Pelé: “Dondinho era preto, preta dona Celeste, preta vovó Ambrosina, preto o tio Jorge, pretos Zoca e Maria Lúcia. Como se envergonhar da cor dos pais, da avó que lhe ensinara a rezar, do bom tio Jorge que pegava o ordenado e entregava-o à irmã para inteirar as despesas da casa, dos irmãos que tinha de proteger? A cor dele era igual. Tinha de ser preto. Se não fosse preto não seria Pelé”.
Prossegue: “Se era ‘Rei’, o que eram aqueles pretos admiráveis que o formaram, que o modelaram, que só lhe ensinaram o que era bom? Para isso, ele tinha de ser o que era: um preto. O Preto. O Crioulo”.
Cinquenta anos depois, o apelido Crioulo caiu em desuso e Pelé está calado, e provavelmente continuará assim, diante dos casos de racismo cada vez mais frequentes e absurdos. Torcedores do Mogi Mirim chamaram Arouca, do Santos, de macaco e o mandaram procurar uma “seleção africana para jogar”.
Tinga, do Cruzeiro, ouviu a torcida peruana do Real Garcilaso gritar a mesma ofensa — algo que já ocorrera com ele numa partida do Brasileirão contra o Juventude, em Caxias do Sul, quando atuava pelo Internacional. O árbitro Márcio Chagas da Silva não apenas foi xingado como encontrou bananas espalhadas sobre seu carro na saída de uma partida. O goleiro Felipe, quando no Corinthians, passou por situação do mesmo teor contra o Juventude. Zé Roberto, do Inter, também, num Gre-Nal.
Esses são apenas os casos que tiveram repercussão. A punição, quando há, é irrelevante. O clube paga uma multa e perde dois mandos de campo, se tanto, e vida que segue. Não é muito diferente no exterior, por orientação do presidente da Fifa, Sepp Blatter. O show tem de continuar.
Numa nota, Arouca lamentou: “Como se algumas das páginas mais bonitas da história da nossa seleção não tivessem sido escritas por jogadores como Leônidas, Romário e pelo Rei Pelé, também negros”.
E Pelé? Na idealização de Mario Filho, ele tem orgulho de sua cor e seu exemplo seria suficiente para que o racismo no futebol fosse mitigado. Mas ele é, na verdade, o oposto disso, a face da acomodação.
Não se posiciona, não defende ninguém ou nenhuma causa que não seja a própria, não enfrenta nada, não quer se indispor com quem ele sabe que manda no futebol — aqueles que mandavam no tempo de Mario Filho.
Não que tenha sido poupado na carreira. Pelé já relembrou episódios em que os membros da equipe do Santos foram chamados de “macaquitos” na Argentina e de como “ia lá e arrebentava os adversários” quando escutava coisas que “o chateavam”. Há três anos, porém, afirmou que casos de racismo no futebol eram “coisinhas”.
A democracia racial brasileira é uma peça de ficção e Pelé, de certo modo, também. Mario Filho fala de Robson, do Fluminense, que nos anos 50 deu uma declaração que caberia perfeitamente, hoje, na boca do Rei: “Eu já fui preto e sei o que é isso”.
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