O mundo midiático do factóide no Brasil é algo mais fantástico do que o gênero literário. Cortazar, Borges e Garcia Marques ficariam de queixos caídos se aportassem por aqui e abrissem os jornais e revistas. Ou se tivessem contato com o noticiário de TVs e rádios.
A wikipédia é uma enciclopédia colaborativa. Uma das criações mais interessantes da era da internet, principalmente porque não é uma corporação que busca vampirizar o meio. Não é um Facebook e nem um Google. Não é uma Microsoft e nem uma Apple. É uma Fundação que organiza um projeto colaborativo e que precisa que as pessoas participem para existir.
Recordo-me do dia em Jimmy Wales, o criador do Wikipedia, veio ao Brasil para lançar o Wikimedia. Fui um dos convidados para bater um papo com ele no evento de lançamento, realizado no Centro Cultural. Antes ele havia ido ao Roda Viva e lá tinha sido questionado por um dos entrevistadores sobre um erro no seu perfil em língua portuguesa.
O atento entrevistador achou que tinha armado uma cilada para Wales. Se até o perfil do criador da enciclopédia tinha um erro era porque ela não valia de nada. Certo? Não, errado. Wales só disse o seguinte ao intrépido repórter. Se estava errado, não estará mais depois de você ter alertado para isso. Neste momento alguém já deve estar corrigindo-o.
Na Wikipédia é assim. Se alguém escreve uma baboseira, alguém está sempre a postos para buscar corrigir o erro. Ele não fica esperando o próximo ano ou a próxima edição do produto.
Nestes dias de “escândalos” sobre perfis na wikipédia, tem gente que que ataca o governo dizendo é um crime alguém a partir do Palácio do Planalto mexer num perfil de jornalista. Coisa mais boba impossível. Jornalistas podem ser queridos ou não, como todos os seres humanos. Se um direitopata fosse escrever o verbete da Fórum, provavelmente ele seria muito pior do que é. Mas certamente apareceria alguém para melhorá-lo.
E foi deste jeito, sendo atualizada por milhões de pessoas pelo mundo, utilizando-se da inteligência colaborativa, distribuída e conectada digitalmente que a wikipédia derrotou, por exemplo, a Enciclopédia Britânica.
Por isso é também bastante incômodo ver gente no afã de defender o governo dizendo que a wikipédia é uma porcaria e que não deveria ser levada em consideração. Ou que é “fonte não relevante”. Fonte não relevante são os jornais brasileiros. Fonte não relevante é a Veja e a TV Globo. E não é incomum ver pessoas da acadêmia usando esses veículos como fontes em artigos. E não é incomum ver políticos e jornalistas citando esses veículos como se fossem de fato sérios.
Bobagem pura
A wikipédia tem um papel muito relevante e democratizante. Ela permite que muitos que não teriam acesso a certas informações cheguem a ela, como também populariza a verbetização. Ou alguém acha que Miriam Leitão e Sardenberg seriam verbetes da Barsa ou da Enciclopédia Britânica?
Isso tudo não significa que seja moralmente defensável que alguém usando computador de governos, seja ele qual for, fique mexendo em perfil de adversários ou aliados. Mas certamente não é só gente do Palácio do Planalto que faz este tipo de coisa. Em muitos outros governos e de outras esferas certamente sempre haverá um bobão pra querer ser mais realista que o rei. Pra fazer papel de estafeta do chefe e ficar misturando seu posicionamento como servidor público e cidadão.
Mas isso deveria fazer a apresentadora do Jornal Nacional ficar com cara de velório e o apresentador realizar a locução como se tivesse narrando a tragédia do World Trade Center? Óbvio que não. Aí que entra o show de factóides. Veja, por exemplo, fez recentemente quatro páginas falando de quadrilha digital e colocou duas imagens do site da Fórum para ilustrar o caso. É um absurdo evidente, mas esse editor não fez cara de choro e nem saiu por aí se dizendo vítima de um conluio. Há Justiça pra resolver o caso. E acho que Miriam Leitão e Sardenberg deveriam ir pelo mesmo caminho. E parar com o chororô.
Mas eles têm outros objetivos. Querem misturar isso com regulamentação da comunicação no Brasil para fazer agrado ao patrão. Como se não houvesse nada mais ditatorial do que o poder das Organizações Globo no Brasil. E mesmo assim há quem chame aquilo de jornalismo independente.
Que jornalismo independente é esse que se tornou o que é na ditadura militar escondendo torturas e assassinatos? Que jornalismo independente é esse que manipulou debates em eleições presidenciais? Que jornalismo independente é esse que não deu um pio nem para abrir o debate sobre as privatizações no país? Que jornalismo independente é esse que não abre espaço para o contraditório em uma série de questões de interesse público?
Enfim, não temos que nos preocupar com o helicóptero com quase 500 quilos de cocaína da família Perrella, não temos que nos preocupar com os aeroportos do Aécio, não temos que nos preocupar com a falta de água em São Paulo e nem com a corrupção no metrô, que levou um grão-tucano a ser afastado do Tribunal de Contas. Nada disso merece destaque no noticiário. O que importa é falar de dois verbetes na wikipédia. Então tá.
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