Por Ricardo Carneiro, no site Brasil Debate:
Nas últimas semanas, ocorreram dois encontros econômicos de grande relevância envolvendo, em um deles, os países das vinte maiores economias, o G-20, e, em outro, as economias mais dinâmicas do mundo, o Fórum de Cooperação Ásia-Pacífico, APEC na sigla em inglês.
A imprensa brasileira deu grande destaque ao primeiro, embora seus resultados, afora os acordos envolvendo os BRICS, tenham deixado a desejar. Contudo, não atribuiu a merecida relevância ao da APEC, no qual se revelou com clareza uma disputa crucial entre a China e os EUA para o futuro da economia global.
Muito mais do que no G-20, cujos avanços em direção a reformas importantes na arquitetura econômica e financeira global marcam passo, na APEC, evidencia-se a disputa entre EUA e China, dando origem a propostas, acordos e instituições significativos.
A estratégia dos EUA supõe que a região da Ásia-Pacífico, com projeções para a América Latina, será a mais dinâmica nas próximas décadas, enquanto a Europa permanecerá andando de lado. Ao mesmo tempo, admite que o país dependerá cada vez menos do petróleo do Oriente Médio devido a sua crescente autossuficiência.
Isto posto, trata-se de disputar com a China a supremacia neste espaço mais dinâmico. Isto está sendo construído por meio da TPP (Trans Pacific Partneship) um acordo abrangente de livre comércio com doze países de ambos os lados do Pacífico: Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura, Vietnã, mas excluindo a China.
A esta proposta ampla, a qual os EUA já agregam vários acordos bilaterais de livre comércio, se somam os esforços tradicionais de apoio ao desenvolvimento da região por meio das instituições multilaterais como o Banco Mundial, o Banco Asiático de Desenvolvimento e o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
A proposta da TPP é, simultaneamente, extremadamente abrangente e restritiva, envolvendo não somente acesso a mercados, mas também direito de propriedade intelectual, comércio de serviços, compras governamentais, investimento direto, regras de origem, regras de concorrência incluindo restrições a empresas públicas e requisitos trabalhistas e ambientais, estes últimos muito pautados pelas exigências das ONGs americanas.
De uma perspectiva estratégica, o acordo visa a ampliar o espaço para a grande empresa americana e, sobretudo, para a exportação de serviços. Dados de comércio exterior mostram que os EUA têm déficit na balança comercial com a maioria dos doze países, à exceção de Cingapura, Austrália, Peru e Chile. Contudo, apresentava superávit na conta de serviços com todos eles.
A avaliação do grau de sucesso da iniciativa é bastante dificultada pelo fato de ela ser negociada em segredo pelo escritório de comércio exterior americano (USTR), por alegadas razões estratégicas. Nem mesmo o Congresso acompanha as negociações, embora o acordo final dependa de sua aprovação.
O fato mais marcante e positivo foi a adesão ao processo de negociação por parte do Japão em 2013. Por sua vez, sabe-se que a abrangência, profundidade e condicionalidades da TPP que, declaradamente, pretende ir além das regras da OMC, tornam os resultados bastante morosos e sujeito a interrupções temporárias.
A ação da China envolve iniciativas variadas: de um lado o Acordo de Livre Comércio da Ásia-Pacífico (FTAAP), aberto a um maior número de países, inclusive aos EUA. De outro, um projeto de integração intra e inter-regional regional denominado Rota da Seda com o objetivo de fortalecer as articulações com as economias do Sudoeste da Ásia e com a Europa.
No que tange ao acordo, sabe-se que a proposta da China é muito mais flexível e focalizada, concentrando-se diretamente nos aspectos relativos a comércio e investimento e excluindo condicionalidades relativas a regras de concorrência, padrões trabalhistas e ambientais. Por esta razão tem andado mais depressa. A sua mais recente conquista foi a adesão da Austrália e da Coreia do Sul.
O projeto da Rota da Seda é mais complexo e envolve duas dimensões distintas que as autoridades chinesas denominam de One Belt and One Road. De um lado, pretende-se reforçar a infraestrutura do sudoeste da China por meio de projetos em transporte, energia elétrica e telecomunicações e integrá-la com os países vizinhos.
De outro, ampliar e melhorar a infraestrutura de transporte do caminho que leva à Europa, passando por vários países. Para apoiar os projetos, a China criou duas instituições financeiras: um banco, para financiar infraestrutura – o Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB) -, com capital autorizado de US$ 100 bilhões e sede em Pequim, ao qual já aderiram 21 países e um fundo de investimento em infraestrutura com recursos exclusivos da China no valor de US$ 40 bilhões.
Essas medidas foram complementadas por aquelas relativas aos BRICS, incluindo a criação do Banco de Desenvolvimento e o Fundo de Contingência, expressando, de certo modo, a preocupação em contemplar áreas da América Latina no projeto chinês.
O discurso da China relativo a essas iniciativas tem sido o de que elas não pretendem concorrer com as instituições multilaterais já existentes na região, e tampouco o acordo de livre comércio proposto, o FTAAP, pretende substituir a TPP.
Essa proposição é confirmada por importante think thank americano, o Peterson Institute of International Economics, para o qual o acordo permitiria aos EUA ampliar suas exportações em US$ 626 bilhões na região até 2025 contra US$ 161, bilhões na TPP.
O que parece ser o problema para os EUA é que os ganhos da China seriam substancialmente maiores: US$ 1,6 trilhão. No caso das instituições financeiras, a ausência de condicionalidades outras que não as relativas à viabilidade econômico-financeira dos projetos torna as instituições chinesas muito mais atrativas e fortes candidatas a uma expansão mais rápida.
De parte dos EUA, há uma clara percepção de que os projetos chineses põem em questão a hegemonia americana na região. A recusa a incorporar-se ao FTAAP e o boicote às demais iniciativas chinesas têm sido prática corriqueira da administração Obama.
A despeito disso, as vitórias da China, se medidas pela adesão às suas várias iniciativas, são inequívocas. O projeto norte-americano, por sua natureza e em razão das divisões políticas internas, caminha muito lentamente, mas ainda mantém aliados externos muito poderosos na região, como o Japão.
O resultado da disputa não é previsível; o que é certo, todavia, é que a China está se confirmando como o outro polo da economia global.
A imprensa brasileira deu grande destaque ao primeiro, embora seus resultados, afora os acordos envolvendo os BRICS, tenham deixado a desejar. Contudo, não atribuiu a merecida relevância ao da APEC, no qual se revelou com clareza uma disputa crucial entre a China e os EUA para o futuro da economia global.
Muito mais do que no G-20, cujos avanços em direção a reformas importantes na arquitetura econômica e financeira global marcam passo, na APEC, evidencia-se a disputa entre EUA e China, dando origem a propostas, acordos e instituições significativos.
A estratégia dos EUA supõe que a região da Ásia-Pacífico, com projeções para a América Latina, será a mais dinâmica nas próximas décadas, enquanto a Europa permanecerá andando de lado. Ao mesmo tempo, admite que o país dependerá cada vez menos do petróleo do Oriente Médio devido a sua crescente autossuficiência.
Isto posto, trata-se de disputar com a China a supremacia neste espaço mais dinâmico. Isto está sendo construído por meio da TPP (Trans Pacific Partneship) um acordo abrangente de livre comércio com doze países de ambos os lados do Pacífico: Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura, Vietnã, mas excluindo a China.
A esta proposta ampla, a qual os EUA já agregam vários acordos bilaterais de livre comércio, se somam os esforços tradicionais de apoio ao desenvolvimento da região por meio das instituições multilaterais como o Banco Mundial, o Banco Asiático de Desenvolvimento e o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
A proposta da TPP é, simultaneamente, extremadamente abrangente e restritiva, envolvendo não somente acesso a mercados, mas também direito de propriedade intelectual, comércio de serviços, compras governamentais, investimento direto, regras de origem, regras de concorrência incluindo restrições a empresas públicas e requisitos trabalhistas e ambientais, estes últimos muito pautados pelas exigências das ONGs americanas.
De uma perspectiva estratégica, o acordo visa a ampliar o espaço para a grande empresa americana e, sobretudo, para a exportação de serviços. Dados de comércio exterior mostram que os EUA têm déficit na balança comercial com a maioria dos doze países, à exceção de Cingapura, Austrália, Peru e Chile. Contudo, apresentava superávit na conta de serviços com todos eles.
A avaliação do grau de sucesso da iniciativa é bastante dificultada pelo fato de ela ser negociada em segredo pelo escritório de comércio exterior americano (USTR), por alegadas razões estratégicas. Nem mesmo o Congresso acompanha as negociações, embora o acordo final dependa de sua aprovação.
O fato mais marcante e positivo foi a adesão ao processo de negociação por parte do Japão em 2013. Por sua vez, sabe-se que a abrangência, profundidade e condicionalidades da TPP que, declaradamente, pretende ir além das regras da OMC, tornam os resultados bastante morosos e sujeito a interrupções temporárias.
A ação da China envolve iniciativas variadas: de um lado o Acordo de Livre Comércio da Ásia-Pacífico (FTAAP), aberto a um maior número de países, inclusive aos EUA. De outro, um projeto de integração intra e inter-regional regional denominado Rota da Seda com o objetivo de fortalecer as articulações com as economias do Sudoeste da Ásia e com a Europa.
No que tange ao acordo, sabe-se que a proposta da China é muito mais flexível e focalizada, concentrando-se diretamente nos aspectos relativos a comércio e investimento e excluindo condicionalidades relativas a regras de concorrência, padrões trabalhistas e ambientais. Por esta razão tem andado mais depressa. A sua mais recente conquista foi a adesão da Austrália e da Coreia do Sul.
O projeto da Rota da Seda é mais complexo e envolve duas dimensões distintas que as autoridades chinesas denominam de One Belt and One Road. De um lado, pretende-se reforçar a infraestrutura do sudoeste da China por meio de projetos em transporte, energia elétrica e telecomunicações e integrá-la com os países vizinhos.
De outro, ampliar e melhorar a infraestrutura de transporte do caminho que leva à Europa, passando por vários países. Para apoiar os projetos, a China criou duas instituições financeiras: um banco, para financiar infraestrutura – o Asian Infrastructure Investment Bank (AIIB) -, com capital autorizado de US$ 100 bilhões e sede em Pequim, ao qual já aderiram 21 países e um fundo de investimento em infraestrutura com recursos exclusivos da China no valor de US$ 40 bilhões.
Essas medidas foram complementadas por aquelas relativas aos BRICS, incluindo a criação do Banco de Desenvolvimento e o Fundo de Contingência, expressando, de certo modo, a preocupação em contemplar áreas da América Latina no projeto chinês.
O discurso da China relativo a essas iniciativas tem sido o de que elas não pretendem concorrer com as instituições multilaterais já existentes na região, e tampouco o acordo de livre comércio proposto, o FTAAP, pretende substituir a TPP.
Essa proposição é confirmada por importante think thank americano, o Peterson Institute of International Economics, para o qual o acordo permitiria aos EUA ampliar suas exportações em US$ 626 bilhões na região até 2025 contra US$ 161, bilhões na TPP.
O que parece ser o problema para os EUA é que os ganhos da China seriam substancialmente maiores: US$ 1,6 trilhão. No caso das instituições financeiras, a ausência de condicionalidades outras que não as relativas à viabilidade econômico-financeira dos projetos torna as instituições chinesas muito mais atrativas e fortes candidatas a uma expansão mais rápida.
De parte dos EUA, há uma clara percepção de que os projetos chineses põem em questão a hegemonia americana na região. A recusa a incorporar-se ao FTAAP e o boicote às demais iniciativas chinesas têm sido prática corriqueira da administração Obama.
A despeito disso, as vitórias da China, se medidas pela adesão às suas várias iniciativas, são inequívocas. O projeto norte-americano, por sua natureza e em razão das divisões políticas internas, caminha muito lentamente, mas ainda mantém aliados externos muito poderosos na região, como o Japão.
O resultado da disputa não é previsível; o que é certo, todavia, é que a China está se confirmando como o outro polo da economia global.
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