Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Desde que foram anunciados os nomes dos novos ministros da área econômica, os principais jornais do país se esforçam para decifrar o que pode mudar no segundo mandato de Dilma Rousseff. Mas, se o leitor atento e crítico revisitar as primeiras páginas publicadas desde a última semana de dezembro, vai encontrar uma grande fartura de contradições, como resultado de apostas e conjecturas fabricadas nas redações.
A declaração do ministro do Planejamento, de que haverá mudanças no sistema de reajuste do salário mínimo, foi colhida e vem sendo tratada de maneira equivocada pela imprensa, como um sinal de limite à autonomia do triunvirato econômico. O noticiário registra um processo de idas e vindas na interpretação dos sinais emitidos pelo governo: na quarta-feira (7/1), por exemplo, os diários de circulação nacional destacam o que é anunciado como uma “decisão” da presidente da República – o corte antecipado de despesas, ainda antes de ser aprovado o Orçamento pelo Congresso Nacional.
Trata-se de medida que se repete todos os anos, em todas as instâncias da gestão pública: a intenção de reduzir despesas não obrigatórias, como viagens e compras de produtos e serviços considerados não essenciais ao funcionamento do aparelho do Estado. A diferença é que, segundo as reportagens, a decisão anunciada cria uma norma geral para a administração federal, que consiste em limitar os gastos mês a mês, até que esteja aprovado o Orçamento, o que deve ocorrer em março.
Além de destrinchar o que está subentendido nas entrelinhas do noticiário, o observador pode se distrair com outro aspecto do conteúdo dos jornais: a dificuldade que parece ter a imprensa para penetrar nos núcleos de decisão do poder Executivo. Mesmo colunistas que frequentam há anos as antessalas de ministros já não parecem ter a mesma intimidade com o poder, e o resultado é a fartura de suposições, declarações e algumas invencionices.
Apanha-se uma declaração, aplica-se sobre ela o que se imagina seja o perfil dos agentes encarregados de tomar decisões e faz-se a aposta: tal coisa só pode significar isso ou aquilo. Então, o batalhão de analistas e comentadores faz a “leitura” do fato ou da hipótese.
A nuvem de palavras
A imprensa brasileira lembra o ex-jogador de futebol Cafuringa, ponta-direita que foi astro no Fluminense e que tinha como principal talento a criatividade do drible. O problema é que, quando chegava diante do gol adversário, Cafuringa mandava a bola para longe.
No festival de “chutes” que tem marcado a cobertura do Planalto Central, são poucos os jornalistas que ainda conseguem fazer as duas coisas, ou seja, apurar as informações e dar a elas um tratamento equilibrado, interessante e desvinculado dos pressupostos dos editores.
Diante da dificuldade para interpretar declarações de autoridades, usando apenas o talento humano, eventualmente as redações apelam para a tecnologia: na quarta-feira (7), por exemplo, o Globo aplicou sobre o discurso de posse do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a técnica da “nuvem de palavras”, que permite formar uma imagem com as expressões usadas em um texto, de modo que as palavras mais repetidas aparecem em tamanho maior. Só que não deu certo e o jornal teve que apelar aos analistas de sempre, que fizeram as suposições corriqueiras.
Qualquer pessoa minimamente habilitada no uso de computadores pode criar uma “nuvem” para analisar o conteúdo de um texto. Pode-se usar para isso até mesmo o serviço “Vispublica” do governo federal (ver aqui), criado para dar mais transparência às decisões do governo. Mas, para analisar questões mais complexas de política e economia, é preciso muito mais: é necessário desprender-se de preconceitos e abrir a mente para interpretações que contrariem o viés preexistente.
Por exemplo, na análise do discurso do ministro Levy, o Globo destaca a visão de mercado, segundo a qual o novo titular da Fazenda escolheu um vocabulário cauteloso para passar uma mensagem a investidores e ao empresariado. Escondido no meio da reportagem, um economista fala que “o país não está em crise, está em situação difícil”, e que o ajuste não será tão penoso como se espera.
O jornalismo predominante no Brasil lembra mesmo o falecido Cafuringa: só sabe jogar pela direita, dribla muito mas chuta pra fora.
A declaração do ministro do Planejamento, de que haverá mudanças no sistema de reajuste do salário mínimo, foi colhida e vem sendo tratada de maneira equivocada pela imprensa, como um sinal de limite à autonomia do triunvirato econômico. O noticiário registra um processo de idas e vindas na interpretação dos sinais emitidos pelo governo: na quarta-feira (7/1), por exemplo, os diários de circulação nacional destacam o que é anunciado como uma “decisão” da presidente da República – o corte antecipado de despesas, ainda antes de ser aprovado o Orçamento pelo Congresso Nacional.
Trata-se de medida que se repete todos os anos, em todas as instâncias da gestão pública: a intenção de reduzir despesas não obrigatórias, como viagens e compras de produtos e serviços considerados não essenciais ao funcionamento do aparelho do Estado. A diferença é que, segundo as reportagens, a decisão anunciada cria uma norma geral para a administração federal, que consiste em limitar os gastos mês a mês, até que esteja aprovado o Orçamento, o que deve ocorrer em março.
Além de destrinchar o que está subentendido nas entrelinhas do noticiário, o observador pode se distrair com outro aspecto do conteúdo dos jornais: a dificuldade que parece ter a imprensa para penetrar nos núcleos de decisão do poder Executivo. Mesmo colunistas que frequentam há anos as antessalas de ministros já não parecem ter a mesma intimidade com o poder, e o resultado é a fartura de suposições, declarações e algumas invencionices.
Apanha-se uma declaração, aplica-se sobre ela o que se imagina seja o perfil dos agentes encarregados de tomar decisões e faz-se a aposta: tal coisa só pode significar isso ou aquilo. Então, o batalhão de analistas e comentadores faz a “leitura” do fato ou da hipótese.
A nuvem de palavras
A imprensa brasileira lembra o ex-jogador de futebol Cafuringa, ponta-direita que foi astro no Fluminense e que tinha como principal talento a criatividade do drible. O problema é que, quando chegava diante do gol adversário, Cafuringa mandava a bola para longe.
No festival de “chutes” que tem marcado a cobertura do Planalto Central, são poucos os jornalistas que ainda conseguem fazer as duas coisas, ou seja, apurar as informações e dar a elas um tratamento equilibrado, interessante e desvinculado dos pressupostos dos editores.
Diante da dificuldade para interpretar declarações de autoridades, usando apenas o talento humano, eventualmente as redações apelam para a tecnologia: na quarta-feira (7), por exemplo, o Globo aplicou sobre o discurso de posse do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a técnica da “nuvem de palavras”, que permite formar uma imagem com as expressões usadas em um texto, de modo que as palavras mais repetidas aparecem em tamanho maior. Só que não deu certo e o jornal teve que apelar aos analistas de sempre, que fizeram as suposições corriqueiras.
Qualquer pessoa minimamente habilitada no uso de computadores pode criar uma “nuvem” para analisar o conteúdo de um texto. Pode-se usar para isso até mesmo o serviço “Vispublica” do governo federal (ver aqui), criado para dar mais transparência às decisões do governo. Mas, para analisar questões mais complexas de política e economia, é preciso muito mais: é necessário desprender-se de preconceitos e abrir a mente para interpretações que contrariem o viés preexistente.
Por exemplo, na análise do discurso do ministro Levy, o Globo destaca a visão de mercado, segundo a qual o novo titular da Fazenda escolheu um vocabulário cauteloso para passar uma mensagem a investidores e ao empresariado. Escondido no meio da reportagem, um economista fala que “o país não está em crise, está em situação difícil”, e que o ajuste não será tão penoso como se espera.
O jornalismo predominante no Brasil lembra mesmo o falecido Cafuringa: só sabe jogar pela direita, dribla muito mas chuta pra fora.
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