Por Tarso Genro, no site Carta Maior:
O tema da “exceção” tem voltado, nas últimas décadas, de forma recorrente ao vocabulário jurídico e na teoria política, face a um fenômeno mundial, que é o centro da desestabilização das experiências democráticas mais recentes: as reformas “liberais” ou neoliberais - como se diz de forma ligeira - não podem ser aplicadas sem a suspensão da ordem jurídica democrática, que consagrou os direitos fundamentais e tornou, alguns deles, elementos da vida comum.
O estado gerado por decisões de “exceção” do poder político, não é uma situação “de fato”, nem uma “situação de direito”, mas é a instituição de uma relação diferente entre as duas situações. A sua propriedade mais contundente não é anular toda a ordem jurídica e política, mas mais propriamente definir espaços em que a legalidade plena pode vingar, segregando outros espaços onde ela deixa de incidir, como diz, com outras palavras, Giorgio Agambem.
As reformas que o partido do capital financeiro mundial, disseminado entre a maioria dos partidos políticos, vem impondo às soberanias nacionais dos países que são coagidos a adota-las, não são factíveis se as respectivas ordens jurídicas internas funcionarem plenamente. Este déficit real de soberania é a semente da exceção, que proporciona uma total inversão do conceito democrático de soberania.
O sentido desta inversão é o seguinte: no conceito tradicional de soberania – que acompanha a formação dos Estados Nacionais das revoluções democráticas da burguesia – “soberano” é quem tem capacidade de aplicar plenamente a sua própria ordem jurídica. No conceito atual de soberania aplica-se a fórmula de Carl Schmitt – um dos grandes teóricos (depois arrependido) do direito nazista – pela qual é soberano quem pode suspender a validade da ordem jurídica – promover a “exceção”- hoje particularmente nos campos que são ditados por uma soberania externa.
A política monetária e a manutenção dos direitos ou “privilégios” (de uma escassa minoria) do serviço público, são exemplos desta segregação. Esta constitui espaços “de fato”, onde o direito deixa de ser vigente, para atender orientações externas que provém de outras soberanias. Isso se transmite dos Estados Nacionais para as unidades federadas (ou regiões autônomas), de cada país, cujos governos as recebem de forma mais, ou menos complacente, mais ou menos rebelde.
Na base de toda a celeuma jurídica está, de um lado, a legitimidade e a legalidade da dívida pública, e, de outro -caso ela seja reconhecida total ou parcialmente- quem deve dar a maior cota de sacrifício para pagá-la. Como esta não é uma decisão que pode se fundamentar numa mera racionalidade jurídica, ela se torna questão política de fundo, que forma dois campos bem visíveis, como se viu particularmente na Argentina, na Grécia, no Equador, na Venezuela e também no Brasil.
John Updike, num conto memorável, no qual um filho reflete sobre a vida “border line” do seu pai, já falecido, diz que é “parte da condição humana viver à beira da desonra”. Uma parábola política sobre este reconhecimento de Updike poderia ser formulada assim: “é parte da condição de ser governante viver à beira da dúvida”. Mormente em momentos como este, de crise mundial, cujos fatores “externos” se alastram rapidamente, sucateiam direitos, economias, países, partidos e dilapidam memórias que são rapidamente manipuladas pela grande mídia: por exemplo, do primeiro, para o segundo Governo FHC, se aplicaram as mesmas medidas ortodoxas que só aprofundaram a crise e as desigualdades que lhe são correlatas.
O que não pode ser parte da condição de ser governante é não saber ou não explicar o que está sendo feito.
A austeridade e a ortodoxia chegaram firmes no Rio Grande do Sul, num momento em que, tanto no Estado, como no país, é predominante o Partido que está no Governo, aqui no estado. E elas vieram acompanhadas da “exceção”, pois já estão claras as “zonas” onde o Direito deixa de prosperar e de exercer a sua força normativa. Elas não estão na primeira classe do Titanic, mas lá perto das caldeiras, onde as passagens mais baratas foram compradas com muito sacrifício. Continuemos aguardando as medidas do Governo para retirar o Estado da crise.
O tema da “exceção” tem voltado, nas últimas décadas, de forma recorrente ao vocabulário jurídico e na teoria política, face a um fenômeno mundial, que é o centro da desestabilização das experiências democráticas mais recentes: as reformas “liberais” ou neoliberais - como se diz de forma ligeira - não podem ser aplicadas sem a suspensão da ordem jurídica democrática, que consagrou os direitos fundamentais e tornou, alguns deles, elementos da vida comum.
O estado gerado por decisões de “exceção” do poder político, não é uma situação “de fato”, nem uma “situação de direito”, mas é a instituição de uma relação diferente entre as duas situações. A sua propriedade mais contundente não é anular toda a ordem jurídica e política, mas mais propriamente definir espaços em que a legalidade plena pode vingar, segregando outros espaços onde ela deixa de incidir, como diz, com outras palavras, Giorgio Agambem.
As reformas que o partido do capital financeiro mundial, disseminado entre a maioria dos partidos políticos, vem impondo às soberanias nacionais dos países que são coagidos a adota-las, não são factíveis se as respectivas ordens jurídicas internas funcionarem plenamente. Este déficit real de soberania é a semente da exceção, que proporciona uma total inversão do conceito democrático de soberania.
O sentido desta inversão é o seguinte: no conceito tradicional de soberania – que acompanha a formação dos Estados Nacionais das revoluções democráticas da burguesia – “soberano” é quem tem capacidade de aplicar plenamente a sua própria ordem jurídica. No conceito atual de soberania aplica-se a fórmula de Carl Schmitt – um dos grandes teóricos (depois arrependido) do direito nazista – pela qual é soberano quem pode suspender a validade da ordem jurídica – promover a “exceção”- hoje particularmente nos campos que são ditados por uma soberania externa.
A política monetária e a manutenção dos direitos ou “privilégios” (de uma escassa minoria) do serviço público, são exemplos desta segregação. Esta constitui espaços “de fato”, onde o direito deixa de ser vigente, para atender orientações externas que provém de outras soberanias. Isso se transmite dos Estados Nacionais para as unidades federadas (ou regiões autônomas), de cada país, cujos governos as recebem de forma mais, ou menos complacente, mais ou menos rebelde.
Na base de toda a celeuma jurídica está, de um lado, a legitimidade e a legalidade da dívida pública, e, de outro -caso ela seja reconhecida total ou parcialmente- quem deve dar a maior cota de sacrifício para pagá-la. Como esta não é uma decisão que pode se fundamentar numa mera racionalidade jurídica, ela se torna questão política de fundo, que forma dois campos bem visíveis, como se viu particularmente na Argentina, na Grécia, no Equador, na Venezuela e também no Brasil.
John Updike, num conto memorável, no qual um filho reflete sobre a vida “border line” do seu pai, já falecido, diz que é “parte da condição humana viver à beira da desonra”. Uma parábola política sobre este reconhecimento de Updike poderia ser formulada assim: “é parte da condição de ser governante viver à beira da dúvida”. Mormente em momentos como este, de crise mundial, cujos fatores “externos” se alastram rapidamente, sucateiam direitos, economias, países, partidos e dilapidam memórias que são rapidamente manipuladas pela grande mídia: por exemplo, do primeiro, para o segundo Governo FHC, se aplicaram as mesmas medidas ortodoxas que só aprofundaram a crise e as desigualdades que lhe são correlatas.
O que não pode ser parte da condição de ser governante é não saber ou não explicar o que está sendo feito.
A austeridade e a ortodoxia chegaram firmes no Rio Grande do Sul, num momento em que, tanto no Estado, como no país, é predominante o Partido que está no Governo, aqui no estado. E elas vieram acompanhadas da “exceção”, pois já estão claras as “zonas” onde o Direito deixa de prosperar e de exercer a sua força normativa. Elas não estão na primeira classe do Titanic, mas lá perto das caldeiras, onde as passagens mais baratas foram compradas com muito sacrifício. Continuemos aguardando as medidas do Governo para retirar o Estado da crise.
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