Na triste realidade violenta das grandes cidades brasileiras, é conhecido o enredo de um sequestro: Um cidadão em situação de fragilidade momentânea é feito refém e coagido a se desfazer de suas posses (ou das posses da família) se quiser permanecer vivo. Sua liberdade inexiste, sua voz é suprimida sob graves ameaças e a possibilidade de recuperá-la só existe caso aceite pagar o preço do resgate.
No campo econômico, o Brasil é hoje um país sequestrado. Passando por um momento de fragilidade econômica e política, devido ao aprofundamento da desaceleração cíclica da economia em virtude de problemas estruturais e conjunturais, o país foi coagido e ameaçado a seguir um caminho que não representa o interesse e o desejo revelado da maioria de sua população. Perdeu a liberdade de debater alternativas ao projeto econômico vigente, sendo forçado a aceitar passivamente as imposições de uma inexistente “racionalidade econômica”, que se prova crescentemente irracional.
O preço do resgate foi estabelecido na forma de duras medidas de “ajustamento” recessivo. Qualquer voz dissonante é imediatamente taxada de irresponsável e/ou ignorante. Segundo os sequestradores, o povo deve pagar o preço pela crise (aprofundada pelas próprias políticas liberais) na forma de diminuição de empregos, direitos e privatização dos serviços públicos.
Um “ajustamento” que passe pelo aumento de impostos dos mais ricos é imediatamente rechaçado como “contrário ao interesse público”, alegando-se que a população não aceita pagar mais impostos. Na realidade, quem não quer pagar são os proprietários do capital, aqueles que mais teriam condições de contribuir e que quase nada pagam dada a estrutura tributária regressiva brasileira.
A primeira evidência do “sequestro” se deu ainda em 2014, quando surgiu a tese do “pragmatismo sob coação”, cunhada por um economista do mercado financeiro. Segundo esta tese, o mercado financeiro iria obrigar o governo vindouro a adotar sua agenda, independentemente da escolha eleitoral e do projeto político escolhido pela população brasileira.
A prova de que o sequestro se concretizou é que a ameaça não apenas surtiu efeito na orientação da política econômica do novo governo, como o próprio autor da ameaça foi agraciado com uma diretoria do Banco Central.
A segunda evidência do sequestro é o comportamento das agências de risco internacionais, em particular o recente rebaixamento da nota soberana pela desacreditada e fraudulenta agência Standard &Poor´s.
O recado da agência S&P não poderia ser mais claro: caso o Brasil não adote integralmente a agenda que interessa aos detentores da dívida pública, o país será duramente punido. O rebaixamento deixa claro que os sequestradores mataram um refém e estão dispostos a matar os outros, na forma da perda do grau de investimento pelas demais agências de classificação de risco.
Por fim, o editorial do jornal Folha de S. Paulo deste domingo (13/09/2015) completa o cenário do sequestro do debate público. O texto exige a total desconstrução dos diretos sociais e dos serviços públicos inscritos na Constituição, sonho de todos os liberais de baixa estirpe que dominam o debate econômico nacional.
Caso Dilma não adote integralmente o projeto econômico liberal, ela deverá sofrer o golpe. Aparentemente, a democracia só é válida e defensável quando o governo se compromete a adotar a estratégia econômica de interesse dos donos do jornal, caso contrário o golpe se justificaria.
Diante de tamanhas ameaças, o segundo governo Dilma iniciou adotando a agenda derrotada de Aécio Neves como sendo sua, na vã esperança de aplacar a sanha violenta de seus algozes.
Com o fracasso do ajustamento recessivo, que não entregou nada do que prometeu (nem o ajuste fiscal, nem a queda na inflação, muito menos a retomada do crescimento econômico), iniciou-se um debate sobre alternativas ao ajuste, ao que os sequestradores responderam com alarido, exigindo um prêmio ainda mais alto pela libertação do país cativo.
Escapar de uma situação de sequestro do debate público não é simples, como se pode notar no caso da Grécia. Mesmo com um governo “rebelde” e majoritário eleitoralmente, a vontade política não foi suficiente para superar o elevado preço de enfrentar os sequestradores (Troika).
A submissão total também não aparece como alternativa viável, sob o risco de aprofundar a recessão e aumentar fratura no tecido social, levando o país a uma situação ingovernável.
No caso brasileiro, a melhor saída para a crise atual seria a adoção de uma agenda que viabilize o investimento público, que promova uma reforma tributária redistributiva e priorize o crescimento econômico. No entanto, não parece que o governo tenha forças para adotar tal agenda. Desta forma, as negociações para a libertação do refém prosseguem.
Algumas concessões serão feitas, na esperança de entregar o assessório sem abrir mão do principal. O preço das concessões é aprofundar a recessão e abrir mão da recuperação do crescimento, único remédio para a crise que nos encontramos. Resta saber se isso bastará para alimentar a sanha dos sequestradores que, travestidos de jornalistas, pesquisadores e analistas econômicos, aparentemente exigem a rendição total.
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