Por Tereza Cruvinel, no seu blog:
Pode soar extravagante falar em afeto por uma instituição mas é algo assim o que sinto pela EBC. À sua construção, ao lado de tantas outras pessoas, dediquei quatro anos (2007-2011) de grande esforço profissional, superei limitações, fiz alianças, suportei ataques, engoli injustiças e aprendi muito. Deixamos um bom e indiscutível legado. Por continuar acreditando em sua importância para a democratização das comunicações no Brasil, a posse do jornalista Américo Martins como novo diretor-presidente, nesta quarta-feira, 2/9, desperta conforto e esperança nos que valorizam a comunicação pública.
Depois dos últimos quatro anos em que, a meu ver, os avanços foram modestos diante da necessidade, a posse de Américo e de novos colaboradores recria a oportunidade de fortalecer os canais públicos, diversificando a oferta de conteúdos aos brasileiros. A oferta é grande nestes tempos multimídia mas a pluralidade segue escassa, na abundância de canais e meios pautados pelos mesmos pensamentos, éticas e estéticas.
Em 2007, deixei uma coluna que escrevia há 22 anos em O Globo, e os comentários na Globonews, atendendo ao chamado do ex-presidente Lula e do então ministro Franklin Martins para implantar a TV Pública. Na verdade, para fazer muito mais que isso. Travamos e vencemos uma grande batalha no Congresso para aprovar a Lei 11.652, autorizando a criação de uma empresa pública, a EBC, encarregada de implantar e gerir o sistema público de comunicação. A iniciativa ia ao encontro do que prevê nossa Constituição, no artigo 223: a complementaridade entre os sistemas de radiodifusão estatal, público e privado. Vinte anos antes, na Constituinte, eu acompanhara a batalha de Cristina Tavares e Arthur da Távola para garantir, contra o poderoso lobby das empresas, pelo menos estas previsões progressistas no texto constitucional.
Apesar da vitória no Congresso, seguimos enfrentando incompreensões, desinformações e ataques diversos. Alguns podiam temer sinceramente que a EBC, a TV Brasil e demais canais fossem instrumentalizados politicamente a favor do então popularíssimo presidente da República. E se ele quisesse o terceiro mandato? Mas a mídia monopólica, a que mais agrediu e atacou, desejava simplesmente que não vingasse o projeto de dotar o país de uma TV Pública e de um sistema complementar.
Fomos em frente. A EBC foi criada em 31 de outubro de 2007 e em 2 de dezembro fizemos a primeira transmissão da TV Brasil. Choveram críticas mas nosso drama era outro. A emissora nascia com apenas três canais em todo o Brasil: Rio, Brasília e São Luis. Foram herdados da Radiobrás e da TVE, juntamente com equipamentos sucateados, alguns conteúdos (incluindo alguns bons programas da TVE) e um emaranhado de problemas administrativos. Eu precisava ser gestora sem deixar de ser jornalista. Dali em diante os jornalões só se refeririam à TV Brasil como “TV do Lula”, “Lula News” e outros apelidos. Todo espirro dentro da EBC gerava caudaloso noticiário negativo.
Em 2008 avançamos na construção da grade e no jornalismo, chegamos ao interior do Brasil pelo satélite (parabólica) e às TVs por assinatura depois de muita briga com as operadoras. Nas capitais e grandes cidades, não havia canais abertos disponíveis para a TV Pública. O setor privada era dono de tudo. O problema do canal de São Paulo foi um drama à parte, e com aquele número no analógico (62), nunca foi bem resolvido. Sem uma rede, como expandir as transmissões e conquistar audiência? Investimos numa aliança com as TVs educativas estaduais e construímos uma semi-rede. Elas nos davam algumas horas de transmissão (de oito a dez) em troca da programação. Era o possível naquela hora.
Em 2009 começamos a enfrentar o problema do reequipamento, que exigia uma sequência de licitações, no limite dos recursos anuais para investimento. Mas não bastava adquiri-los, precisávamos de uma sede para recebe-los. O velho predinho da Radiobrás em Brasília não tinha sequer carga elétrica para suportá-los. Entre desafios simultâneos e ataques ininterruptos construímos a sede do Venâncio 2000. Começamos a nos mudar para lá em 2010. Reformamos e reequipamos as unidades do Rio Rio, São Paulo e São Luis.
Também neste ano lançamos a TV Brasil Internacional, que estava em 68 países no final da gestão. Este foi um projeto que toquei pessoalmente com a pequena equipe do antigo Integración.
No plano institucional, tudo já fora feito. O Conselho Curador foi instalado dias depois da criação da empresa. Em seguida a Ouvidoria. Construimos boas parcerias internacionais, especialmente com a Argentina e países vizinhos, que resultaram, inclusive, na criação da Ansur (Agência de Notícias Sul-americana). Incentivamos o debate sobre comunicação e democracia com um II Fórum de TVs públicas, seminários, debates em universidades e sindicatos, e numa estreita parceria com as associações de emissoras universitárias e comunitárias.
O presidente Lula honrou inteiramente dois compromissos. Garantiu os recursos prometidos e nunca procurou interferir na política de conteúdo. Franklin, como ministro, tinha a EBC como alta prioridade. Cobrava, providenciava, brigava dentro do governo pela empresa quando era preciso. Ao lado do sistema publico, a empresa cumpria também sua obrigação de prestar serviços à SECOM.
No governo Dilma a EBC perdeu relevância, pelo menos durante os onze meses que presidi a empresa. Senti que devia abrir caminho para a renovação da direção, não pleiteando o segundo mandato. Eu já dera minha contribuição, enfrentava problemas com um Conselho Curador que decidira disputar com a diretoria-executiva e precisava voltar ao jornalismo como exercício diário. Informei disso a presidente Dilma com muita antecedência. Concluí o mandato e deixei a empresa. Mesmo na saída fui atacada em matérias que insinuaram ter sido da presidente a iniciativa de substituir-me. Depois, felizmente para Nelson Breve, que me sucedeu, cessaram os ataques, fez-se um silêncio na mídia sobre a EBC.
Destaco estas passagens, entre outras daqueles quatro anos que Franklin chama de heroicos, para inspirar os que agora assumem o comando. Muito já foi feito nestes quase oito anos mas muito falta por fazer. A conjuntura que o Brasil atravessa, e o papel que nela joga a grande mídia, só reforça a necessidade de pluralismo, para o qual a EBC pode muito contribuir.
Américo, que conheci numa visita oficial à BBC em Londres, e com quem tive a honra de trabalhar depois na RedeTV, é dotado das qualidades profissionais e da vontade de fazer exigidas pela presidência da EBC. Tem clareza sobre o papel da comunicação pública, a missão da EBC, seus desafios, suas limitações. Tenho convicção de que, sob sua liderança, os novos colaboradores que estão chegando, juntamente com os do quadro permanente e os que já estão na casa, proporcionarão à EBC um tempo de conquistas, realizações e reconhecimento. Nada foi em vão. Apesar dos percalços, das dificuldades inerentes à implantação tardia dos canais públicos no Brasil (ao contrário do que se deu na Europa e alhures), nada foi nem será em vão. A posse do terceiro presidente da EBC é prova de que o projeto venceu.
Pode soar extravagante falar em afeto por uma instituição mas é algo assim o que sinto pela EBC. À sua construção, ao lado de tantas outras pessoas, dediquei quatro anos (2007-2011) de grande esforço profissional, superei limitações, fiz alianças, suportei ataques, engoli injustiças e aprendi muito. Deixamos um bom e indiscutível legado. Por continuar acreditando em sua importância para a democratização das comunicações no Brasil, a posse do jornalista Américo Martins como novo diretor-presidente, nesta quarta-feira, 2/9, desperta conforto e esperança nos que valorizam a comunicação pública.
Depois dos últimos quatro anos em que, a meu ver, os avanços foram modestos diante da necessidade, a posse de Américo e de novos colaboradores recria a oportunidade de fortalecer os canais públicos, diversificando a oferta de conteúdos aos brasileiros. A oferta é grande nestes tempos multimídia mas a pluralidade segue escassa, na abundância de canais e meios pautados pelos mesmos pensamentos, éticas e estéticas.
Em 2007, deixei uma coluna que escrevia há 22 anos em O Globo, e os comentários na Globonews, atendendo ao chamado do ex-presidente Lula e do então ministro Franklin Martins para implantar a TV Pública. Na verdade, para fazer muito mais que isso. Travamos e vencemos uma grande batalha no Congresso para aprovar a Lei 11.652, autorizando a criação de uma empresa pública, a EBC, encarregada de implantar e gerir o sistema público de comunicação. A iniciativa ia ao encontro do que prevê nossa Constituição, no artigo 223: a complementaridade entre os sistemas de radiodifusão estatal, público e privado. Vinte anos antes, na Constituinte, eu acompanhara a batalha de Cristina Tavares e Arthur da Távola para garantir, contra o poderoso lobby das empresas, pelo menos estas previsões progressistas no texto constitucional.
Apesar da vitória no Congresso, seguimos enfrentando incompreensões, desinformações e ataques diversos. Alguns podiam temer sinceramente que a EBC, a TV Brasil e demais canais fossem instrumentalizados politicamente a favor do então popularíssimo presidente da República. E se ele quisesse o terceiro mandato? Mas a mídia monopólica, a que mais agrediu e atacou, desejava simplesmente que não vingasse o projeto de dotar o país de uma TV Pública e de um sistema complementar.
Fomos em frente. A EBC foi criada em 31 de outubro de 2007 e em 2 de dezembro fizemos a primeira transmissão da TV Brasil. Choveram críticas mas nosso drama era outro. A emissora nascia com apenas três canais em todo o Brasil: Rio, Brasília e São Luis. Foram herdados da Radiobrás e da TVE, juntamente com equipamentos sucateados, alguns conteúdos (incluindo alguns bons programas da TVE) e um emaranhado de problemas administrativos. Eu precisava ser gestora sem deixar de ser jornalista. Dali em diante os jornalões só se refeririam à TV Brasil como “TV do Lula”, “Lula News” e outros apelidos. Todo espirro dentro da EBC gerava caudaloso noticiário negativo.
Em 2008 avançamos na construção da grade e no jornalismo, chegamos ao interior do Brasil pelo satélite (parabólica) e às TVs por assinatura depois de muita briga com as operadoras. Nas capitais e grandes cidades, não havia canais abertos disponíveis para a TV Pública. O setor privada era dono de tudo. O problema do canal de São Paulo foi um drama à parte, e com aquele número no analógico (62), nunca foi bem resolvido. Sem uma rede, como expandir as transmissões e conquistar audiência? Investimos numa aliança com as TVs educativas estaduais e construímos uma semi-rede. Elas nos davam algumas horas de transmissão (de oito a dez) em troca da programação. Era o possível naquela hora.
Em 2009 começamos a enfrentar o problema do reequipamento, que exigia uma sequência de licitações, no limite dos recursos anuais para investimento. Mas não bastava adquiri-los, precisávamos de uma sede para recebe-los. O velho predinho da Radiobrás em Brasília não tinha sequer carga elétrica para suportá-los. Entre desafios simultâneos e ataques ininterruptos construímos a sede do Venâncio 2000. Começamos a nos mudar para lá em 2010. Reformamos e reequipamos as unidades do Rio Rio, São Paulo e São Luis.
Também neste ano lançamos a TV Brasil Internacional, que estava em 68 países no final da gestão. Este foi um projeto que toquei pessoalmente com a pequena equipe do antigo Integración.
No plano institucional, tudo já fora feito. O Conselho Curador foi instalado dias depois da criação da empresa. Em seguida a Ouvidoria. Construimos boas parcerias internacionais, especialmente com a Argentina e países vizinhos, que resultaram, inclusive, na criação da Ansur (Agência de Notícias Sul-americana). Incentivamos o debate sobre comunicação e democracia com um II Fórum de TVs públicas, seminários, debates em universidades e sindicatos, e numa estreita parceria com as associações de emissoras universitárias e comunitárias.
O presidente Lula honrou inteiramente dois compromissos. Garantiu os recursos prometidos e nunca procurou interferir na política de conteúdo. Franklin, como ministro, tinha a EBC como alta prioridade. Cobrava, providenciava, brigava dentro do governo pela empresa quando era preciso. Ao lado do sistema publico, a empresa cumpria também sua obrigação de prestar serviços à SECOM.
No governo Dilma a EBC perdeu relevância, pelo menos durante os onze meses que presidi a empresa. Senti que devia abrir caminho para a renovação da direção, não pleiteando o segundo mandato. Eu já dera minha contribuição, enfrentava problemas com um Conselho Curador que decidira disputar com a diretoria-executiva e precisava voltar ao jornalismo como exercício diário. Informei disso a presidente Dilma com muita antecedência. Concluí o mandato e deixei a empresa. Mesmo na saída fui atacada em matérias que insinuaram ter sido da presidente a iniciativa de substituir-me. Depois, felizmente para Nelson Breve, que me sucedeu, cessaram os ataques, fez-se um silêncio na mídia sobre a EBC.
Destaco estas passagens, entre outras daqueles quatro anos que Franklin chama de heroicos, para inspirar os que agora assumem o comando. Muito já foi feito nestes quase oito anos mas muito falta por fazer. A conjuntura que o Brasil atravessa, e o papel que nela joga a grande mídia, só reforça a necessidade de pluralismo, para o qual a EBC pode muito contribuir.
Américo, que conheci numa visita oficial à BBC em Londres, e com quem tive a honra de trabalhar depois na RedeTV, é dotado das qualidades profissionais e da vontade de fazer exigidas pela presidência da EBC. Tem clareza sobre o papel da comunicação pública, a missão da EBC, seus desafios, suas limitações. Tenho convicção de que, sob sua liderança, os novos colaboradores que estão chegando, juntamente com os do quadro permanente e os que já estão na casa, proporcionarão à EBC um tempo de conquistas, realizações e reconhecimento. Nada foi em vão. Apesar dos percalços, das dificuldades inerentes à implantação tardia dos canais públicos no Brasil (ao contrário do que se deu na Europa e alhures), nada foi nem será em vão. A posse do terceiro presidente da EBC é prova de que o projeto venceu.
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