Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Ao anunciar que padres de todo mundo poderão perdoar mulheres que realizarem aborto e pedir anistia para as pessoas detidas em função de um procedimento que em muitos lugares é considerado crime, o Papa Francisco consumou um ato essencial para reconciliar a doutrina da Igreja com a realidade do mundo contemporâneo.
O papa não apoiou a legalização do aborto. Nem anunciou qualquer revisão de um dos mais sólidos dogmas da igreja, que considera toda interrupção voluntária da gravidez como um atentado a vida e chega a colocar fiéis em risco ao proibir o uso de preservativos que podem impedir a contaminação pelo virus da AIDS.
Francisco esclareceu que o perdão só será concedido para aquelas mulheres que demonstrarem arrependimento. Com isso, manteve-se no papel na defesa dos valores tradicionais da Igreja. Não poderia, como Papa, Sua Santidade e chefe político da Igreja, agir de outro modo. Mas sua medida vai no caminho adequado.
Só para se ter uma ideia do valor dessa decisão. Em 2007, quando o antecessor Bento XVI estava no avião a caminho do Brasil, a discussão sobre aborto surgiu numa entrevista a 11 000 metros de altura. A questão foi provocada pela reação de bispos mexicanos, que haviam anunciado a excomunhão de parlamentares que haviam votado a favor de um projeto que legalizava o aborto. Bento XVI apoiou a punição - enfaticamente.
Anos mais tarde, num caso dramático ocorrido em Pernambuco, o Vaticano defendeu a excomunhão de uma menina de 9 anos que, estuprada pelo padrasto, ficara grávida de gêmeos. Em 2009, Bento XVI chamou o embaixador do Brasil na Santa Sé para mandar um recado a Brasília, condenando não apenas o aborto, mas também as pesquisas com células- tronco embrionárias e a eutanásia.
Em 2010, dias antes do segundo turno da eleição presidencial, Bento XVI aproveitou um encontro com bispos do Maranhão para aconselhar que a Igreja recomendasse aos fiéis que votassem a favor do "bem comum". Na prática, a orientação do Papa ajudava a oposição. Fazia coro a uma campanha de lideranças religiosas - católicas ou não - que tentavam acusar Dilma de ter um plano secreto de legalizar o aborto depois da vitória, o que não tinha fundamento na realidade mas era uma mentira de grande utilidade para tirar votos.
Ao falar em perdão e arrependimento, Francisco coloca o debate na perspectiva adequada. Abandona o ponto de vista de quem pretende impor o ponto de vista de uma religião particular ao conjunto da sociedade, para reconhecer que se trata de uma questão a ser resolvida por cada um, de acordo com seus próprios valores e convicções.
Francisco fala para quem segue o catolicismo e suas regras - e essa é uma forma de demonstrar respeito por quem tem outra fé ou mesmo não tem religião. É um avanço que procura recuperar um atraso de três séculos - período em que a humanidade compreendeu a imensa importância, para a democracia, da separação entre Igreja e Estado.
Ao anunciar que padres de todo mundo poderão perdoar mulheres que realizarem aborto e pedir anistia para as pessoas detidas em função de um procedimento que em muitos lugares é considerado crime, o Papa Francisco consumou um ato essencial para reconciliar a doutrina da Igreja com a realidade do mundo contemporâneo.
O papa não apoiou a legalização do aborto. Nem anunciou qualquer revisão de um dos mais sólidos dogmas da igreja, que considera toda interrupção voluntária da gravidez como um atentado a vida e chega a colocar fiéis em risco ao proibir o uso de preservativos que podem impedir a contaminação pelo virus da AIDS.
Francisco esclareceu que o perdão só será concedido para aquelas mulheres que demonstrarem arrependimento. Com isso, manteve-se no papel na defesa dos valores tradicionais da Igreja. Não poderia, como Papa, Sua Santidade e chefe político da Igreja, agir de outro modo. Mas sua medida vai no caminho adequado.
Só para se ter uma ideia do valor dessa decisão. Em 2007, quando o antecessor Bento XVI estava no avião a caminho do Brasil, a discussão sobre aborto surgiu numa entrevista a 11 000 metros de altura. A questão foi provocada pela reação de bispos mexicanos, que haviam anunciado a excomunhão de parlamentares que haviam votado a favor de um projeto que legalizava o aborto. Bento XVI apoiou a punição - enfaticamente.
Anos mais tarde, num caso dramático ocorrido em Pernambuco, o Vaticano defendeu a excomunhão de uma menina de 9 anos que, estuprada pelo padrasto, ficara grávida de gêmeos. Em 2009, Bento XVI chamou o embaixador do Brasil na Santa Sé para mandar um recado a Brasília, condenando não apenas o aborto, mas também as pesquisas com células- tronco embrionárias e a eutanásia.
Em 2010, dias antes do segundo turno da eleição presidencial, Bento XVI aproveitou um encontro com bispos do Maranhão para aconselhar que a Igreja recomendasse aos fiéis que votassem a favor do "bem comum". Na prática, a orientação do Papa ajudava a oposição. Fazia coro a uma campanha de lideranças religiosas - católicas ou não - que tentavam acusar Dilma de ter um plano secreto de legalizar o aborto depois da vitória, o que não tinha fundamento na realidade mas era uma mentira de grande utilidade para tirar votos.
Ao falar em perdão e arrependimento, Francisco coloca o debate na perspectiva adequada. Abandona o ponto de vista de quem pretende impor o ponto de vista de uma religião particular ao conjunto da sociedade, para reconhecer que se trata de uma questão a ser resolvida por cada um, de acordo com seus próprios valores e convicções.
Francisco fala para quem segue o catolicismo e suas regras - e essa é uma forma de demonstrar respeito por quem tem outra fé ou mesmo não tem religião. É um avanço que procura recuperar um atraso de três séculos - período em que a humanidade compreendeu a imensa importância, para a democracia, da separação entre Igreja e Estado.
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