Por Felipe Bianchi, no site do Centro de Estudos Barão de Itararé:
“É fundamental entendermos a regulação da mídia como um instrumento de promoção da liberdade de expressão, e não como censura”, defendeu Aurélio Rios, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão. A afirmação foi feita na abertura do Seminário Internacional Regulação da Mídia e Direito à Comunicação, nesta quarta-feira (23), em São Paulo.
No primeiro evento em que o Ministério Público Federal dedica-se exclusivamente a discutir o tema, Rios argumentou que a questão da regulação é de extrema importância à sociedade e à democracia. Segundo ele, “uma mídia plural e democrática tem a ver com o acesso a direitos e com a visibilidade ou invisibilidade de grupos sociais”.
As experiências e reflexões trazidas por debatedores brasileiros e estrangeiros, na avaliação do procurador, ajudam a jogar luz sobre um debate interditado pelos grandes meios de comunicação. “O momento crítico que atravessamos, com o debate político no subsolo, torna urgente discutirmos liberdade de expressão com pluralidade e respeito à democracia”, opinou. “É imprescindível que haja multiplicidade de vozes e pontos de vista no debate público”.
Secretário-Executivo das Comunicações, Luiz Azevedo concordou que o Ministério das Comunicações tem sido, há anos, omisso acerca do tema. “Historicamente, o Ministério é mais um cartório de outorgas de concessões do que um elaborador de políticas públicas”, criticou.
Em janeiro de 2015, o Ministério acumulava 54 mil processos de outorga em aberto. A lógica, segundo Azevedo, é de “quanto menos o Ministério funcionar e menos outorgas emitir, mais concentração e, consequentemente, maior poder aos grandes veículos”.
Este processo, segundo o Secretário-Executivo, é agravado pelo coronelismo eletrônico que impera no sistema de comunicação brasileiro. “Quem no Congresso não tem nenhum vínculo ou relação íntima com algum veículo de comunicação?”, questiona. “A pasta sempre obedeceu essa diretriz de que a mídia é uma plataforma de construção de poder regional ou nacional”.
Apesar da vontade de envolver a sociedade em um amplo debate sobre regulação da mídia, algo que tem sido repetido pelo Ministério desde que Ricardo Berzoini o assumiu no início de 2015, Azevedo reconhece que a conjuntura é desfavorável para iniciativas concretas. Por isso, afirma, o Ministério tem focado em se ‘desburocratizar’.
O poder que se enfrenta ao colidir com os interesses dos grandes grupos do setor, porém, é enorme. “Portarias do Ministério que beneficiam e desburocratizam o processo de outorgas para rádios comunitárias mal foram publicadas e já receberam contestações judiciais por parte da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert – entidade patronal do setor)”, revelou. “A musculatura do movimento social e iniciativas dos órgãos públicos, como o MPF, são ferramentas importantes para enfrentar essa conjuntura”.
Toby Mendel, Diretor-Executivo do Centro de Direito e Democracia e consultor internacional da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), traçou um breve paralelo entre o caso brasileiro e o de Myanmar. “Há apenas três anos, o país asiático era um dos mais repressivos do mundo quanto à mídia, com forte sistema de censura prévia”, afirma. “Hoje, conta com uma lei avançada, dentro de padrões internacionais de liberdade de expressão”. Enquanto isso, “o Brasil superou a censura há décadas e segue sem regulação”.
Liberdade de expressão, um conceito em disputa
De acordo com Mendel, não existe liberdade de expressão de fato se esta está restrita a um punhado de meios com linhas editoriais homogêneas. “O direito de receber informação deve compreender o acesso a um amplo leque de informação e ideias”, assinala. “Esse é o conceito de media diversity (diversidade midiática), fundamental à cidadania”.
O especialista destaca que é papel do Estado promover um ambiente plural e democrática através da regulação, que deve ser feita, impreterivelmente, por órgãos independentes. “Não são os políticos que devem decidir quem pode e quem não pode ser um player da mídia. É injusto com os meios e com o público”, pontua. “Você não pode regular o setor se o setor te controla”.
Há mais de 10 anos acompanhando a situação do Brasil, Mendel lamenta a postura dos conglomerados midiáticos nesse debate. “Há um argumento dominante com uma compreensão muito rasa quanto ao que é liberdade de expressão. Dessa forma, os meios dominantes inflamam a discussão e a opinião pública contra a regulação”.
Experiências no Cone Sul
Enquanto o Brasil vacila, diversos países do continente avançaram na construção de leis que desconcentram a mídia e iniciam um processo de democratização do setor. No Seminário, foram destacados os casos de Argentina e Uruguai, que aprovaram leis definindo regras democráticas para a exploração dos serviços de radiodifusão.
Professor na Universidade de Buenos Aires e na Universidade Nacional de Quilmes, Martín Becerra explicou que, em toda a América Latina, a ausência de regulação forma o que alguns autores chamam “sistema ‘politicamente dócil’ de comunicação”. “São sistemas concentrados, pouco regulados e carentes de uma voz pública que não seja comercial e que não se reduza à propaganda governamental”, disse.
Não há lei perfeita, que abarque e solucione todos os problemas do setor, argumenta Becerra. As leis aprovadas no continente, entretanto, buscam reduzir os danos à democracia causados pela falta de regras, limites e transparência no setor.
“A Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual da Argentina não regula a linha editorial de nenhum veículo”, defende o estudioso. “O que ela faz é dividir o espectro radioelétrico, sendo que um terço é destinado a meios comunitários e sem fins lucrativos, enquanto o restante é dividido entre meios comerciais e o restante dos veículos”.
Ainda que seja uma referência para o movimento social brasileiro, Becerra pondera que, há seis anos de sua aprovação, a lei obteve pouquíssimos avanços. “Há um forte processo de judicialização por parte do grupo Clarín, que conta com uma boa dose de generosidade do Poder Judiciário”, explica.
Mas há outras problemáticas, segundo Becerra, que dificultam a missão de transformar a lei em realidade concreta. “Não se muda nada apenas aprovando leis se não há políticas públicas que se somem a elas”, sentencia. “Trata-se de uma estrutura muito arraigada, difícil de alterar”, acrescenta. “É uma questão de maturação política”.
Gustavo Gómez, ex-secretário nacional de Telecomunicações do Uruguai e um dos formuladores da Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual , aprovada em 2014, lista três razões suficientes para regular o setor.
Em primeiro, para atualizar legislações ultrapassadas – na Argentina, no Uruguai e na maioria dos países do continente, vigoravam ou vigoram leis de imprensa criadas por ditaduras militares. Depois, para ampliar a liberdade de expressão e, por fim, para dar conta de desafios tecnológicos.
O uruguaio cita o ex-presidente José Mujica para rebater as constantes acusações de que a lei de seu país representaria uma agressão à liberdade de expressão. “A lei não apenas não promove a censura, como cria segurança jurídica para os atores do setor, que caminham em terrenos ainda movediços”. Em seus 200 artigos, explicou Gómez, apenas cinco tratam da regulação de conteúdo: “Algumas das regras dizem respeito à proteção da infância e da adolescência, entre outros direitos que precisam ser balanceados”.
Em cenário similar ao argentino, a lei uruguaia acumula mais de 20 ações de inconstitucionalidade movidos pelos grandes meios de comunicação. “A opção do presidente Tabaré Vázquez foi aguardar o parecer da Justiça para levar a lei a cabo”, sublinha, garantindo que “a sociedade civil está trabalhando intensamente para que não se perca mais tempo”.
Elogioso à iniciativa do Ministério Público Federal em debater o assunto ‘espinhoso’, Gómez declarou-se admirado com o acúmulo que o Brasil vem criando. “Em termos de aliança e mobilização, o movimento social brasileiro está muito a frente de países que, circunstancialmente, aprovaram leis para o setor”.
“É fundamental entendermos a regulação da mídia como um instrumento de promoção da liberdade de expressão, e não como censura”, defendeu Aurélio Rios, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão. A afirmação foi feita na abertura do Seminário Internacional Regulação da Mídia e Direito à Comunicação, nesta quarta-feira (23), em São Paulo.
No primeiro evento em que o Ministério Público Federal dedica-se exclusivamente a discutir o tema, Rios argumentou que a questão da regulação é de extrema importância à sociedade e à democracia. Segundo ele, “uma mídia plural e democrática tem a ver com o acesso a direitos e com a visibilidade ou invisibilidade de grupos sociais”.
As experiências e reflexões trazidas por debatedores brasileiros e estrangeiros, na avaliação do procurador, ajudam a jogar luz sobre um debate interditado pelos grandes meios de comunicação. “O momento crítico que atravessamos, com o debate político no subsolo, torna urgente discutirmos liberdade de expressão com pluralidade e respeito à democracia”, opinou. “É imprescindível que haja multiplicidade de vozes e pontos de vista no debate público”.
Secretário-Executivo das Comunicações, Luiz Azevedo concordou que o Ministério das Comunicações tem sido, há anos, omisso acerca do tema. “Historicamente, o Ministério é mais um cartório de outorgas de concessões do que um elaborador de políticas públicas”, criticou.
Em janeiro de 2015, o Ministério acumulava 54 mil processos de outorga em aberto. A lógica, segundo Azevedo, é de “quanto menos o Ministério funcionar e menos outorgas emitir, mais concentração e, consequentemente, maior poder aos grandes veículos”.
Este processo, segundo o Secretário-Executivo, é agravado pelo coronelismo eletrônico que impera no sistema de comunicação brasileiro. “Quem no Congresso não tem nenhum vínculo ou relação íntima com algum veículo de comunicação?”, questiona. “A pasta sempre obedeceu essa diretriz de que a mídia é uma plataforma de construção de poder regional ou nacional”.
Apesar da vontade de envolver a sociedade em um amplo debate sobre regulação da mídia, algo que tem sido repetido pelo Ministério desde que Ricardo Berzoini o assumiu no início de 2015, Azevedo reconhece que a conjuntura é desfavorável para iniciativas concretas. Por isso, afirma, o Ministério tem focado em se ‘desburocratizar’.
O poder que se enfrenta ao colidir com os interesses dos grandes grupos do setor, porém, é enorme. “Portarias do Ministério que beneficiam e desburocratizam o processo de outorgas para rádios comunitárias mal foram publicadas e já receberam contestações judiciais por parte da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert – entidade patronal do setor)”, revelou. “A musculatura do movimento social e iniciativas dos órgãos públicos, como o MPF, são ferramentas importantes para enfrentar essa conjuntura”.
Toby Mendel, Diretor-Executivo do Centro de Direito e Democracia e consultor internacional da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), traçou um breve paralelo entre o caso brasileiro e o de Myanmar. “Há apenas três anos, o país asiático era um dos mais repressivos do mundo quanto à mídia, com forte sistema de censura prévia”, afirma. “Hoje, conta com uma lei avançada, dentro de padrões internacionais de liberdade de expressão”. Enquanto isso, “o Brasil superou a censura há décadas e segue sem regulação”.
Liberdade de expressão, um conceito em disputa
De acordo com Mendel, não existe liberdade de expressão de fato se esta está restrita a um punhado de meios com linhas editoriais homogêneas. “O direito de receber informação deve compreender o acesso a um amplo leque de informação e ideias”, assinala. “Esse é o conceito de media diversity (diversidade midiática), fundamental à cidadania”.
O especialista destaca que é papel do Estado promover um ambiente plural e democrática através da regulação, que deve ser feita, impreterivelmente, por órgãos independentes. “Não são os políticos que devem decidir quem pode e quem não pode ser um player da mídia. É injusto com os meios e com o público”, pontua. “Você não pode regular o setor se o setor te controla”.
Há mais de 10 anos acompanhando a situação do Brasil, Mendel lamenta a postura dos conglomerados midiáticos nesse debate. “Há um argumento dominante com uma compreensão muito rasa quanto ao que é liberdade de expressão. Dessa forma, os meios dominantes inflamam a discussão e a opinião pública contra a regulação”.
Experiências no Cone Sul
Enquanto o Brasil vacila, diversos países do continente avançaram na construção de leis que desconcentram a mídia e iniciam um processo de democratização do setor. No Seminário, foram destacados os casos de Argentina e Uruguai, que aprovaram leis definindo regras democráticas para a exploração dos serviços de radiodifusão.
Professor na Universidade de Buenos Aires e na Universidade Nacional de Quilmes, Martín Becerra explicou que, em toda a América Latina, a ausência de regulação forma o que alguns autores chamam “sistema ‘politicamente dócil’ de comunicação”. “São sistemas concentrados, pouco regulados e carentes de uma voz pública que não seja comercial e que não se reduza à propaganda governamental”, disse.
Não há lei perfeita, que abarque e solucione todos os problemas do setor, argumenta Becerra. As leis aprovadas no continente, entretanto, buscam reduzir os danos à democracia causados pela falta de regras, limites e transparência no setor.
“A Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual da Argentina não regula a linha editorial de nenhum veículo”, defende o estudioso. “O que ela faz é dividir o espectro radioelétrico, sendo que um terço é destinado a meios comunitários e sem fins lucrativos, enquanto o restante é dividido entre meios comerciais e o restante dos veículos”.
Ainda que seja uma referência para o movimento social brasileiro, Becerra pondera que, há seis anos de sua aprovação, a lei obteve pouquíssimos avanços. “Há um forte processo de judicialização por parte do grupo Clarín, que conta com uma boa dose de generosidade do Poder Judiciário”, explica.
Mas há outras problemáticas, segundo Becerra, que dificultam a missão de transformar a lei em realidade concreta. “Não se muda nada apenas aprovando leis se não há políticas públicas que se somem a elas”, sentencia. “Trata-se de uma estrutura muito arraigada, difícil de alterar”, acrescenta. “É uma questão de maturação política”.
Gustavo Gómez, ex-secretário nacional de Telecomunicações do Uruguai e um dos formuladores da Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual , aprovada em 2014, lista três razões suficientes para regular o setor.
Em primeiro, para atualizar legislações ultrapassadas – na Argentina, no Uruguai e na maioria dos países do continente, vigoravam ou vigoram leis de imprensa criadas por ditaduras militares. Depois, para ampliar a liberdade de expressão e, por fim, para dar conta de desafios tecnológicos.
O uruguaio cita o ex-presidente José Mujica para rebater as constantes acusações de que a lei de seu país representaria uma agressão à liberdade de expressão. “A lei não apenas não promove a censura, como cria segurança jurídica para os atores do setor, que caminham em terrenos ainda movediços”. Em seus 200 artigos, explicou Gómez, apenas cinco tratam da regulação de conteúdo: “Algumas das regras dizem respeito à proteção da infância e da adolescência, entre outros direitos que precisam ser balanceados”.
Em cenário similar ao argentino, a lei uruguaia acumula mais de 20 ações de inconstitucionalidade movidos pelos grandes meios de comunicação. “A opção do presidente Tabaré Vázquez foi aguardar o parecer da Justiça para levar a lei a cabo”, sublinha, garantindo que “a sociedade civil está trabalhando intensamente para que não se perca mais tempo”.
Elogioso à iniciativa do Ministério Público Federal em debater o assunto ‘espinhoso’, Gómez declarou-se admirado com o acúmulo que o Brasil vem criando. “Em termos de aliança e mobilização, o movimento social brasileiro está muito a frente de países que, circunstancialmente, aprovaram leis para o setor”.
0 comentários:
Postar um comentário